Nada seria como antes. Os festivais de música que eletrizaram o País na década de 60 ao ponto de serem comparáveis às mais apaixonantes disputas esportivas, e que legaram ao Brasil a mais brilhante linhagem de cantores e compositores da história, estão sendo revividos num livro emocionante, A Era dos Festivais – Uma Parábola, escrito por uma testemunha ocular –ou melhor, auditiva –, o ex-técnico de som da TV Record, Zuza Homem de Mello. O livro é de uma riqueza de detalhes rara na iconografia musical brasileira, com dados e datas que mostram uma pesquisa exaustiva, aliada a entrevistas com personagens da época, revivendo histórias que marcaram época, principalmente as que transcorreram durante o regime ditatorial, que gostaria de transformar os festivais de música em peças de propaganda e acaba vendo um desfile de contestações. O prólogo do livro oferece um pequeno suspense para aquecer o interesse do leitor, com a revelação de que os votos dos jurados na final mais disputada de todos os festivais, em 1967, foram confiados ao autor do livro pelo diretor da Record, Paulinho Machado de Carvalho, e guardados em um envelope, mantido até hoje com ele. Ele traz o resultado oficial do embate entre A Banda, de Chico Buarque, e Disparada, de Theo e Geraldo Vandré, interpretada por Jair Rodrigues, que oficialmente terminou empatado. Mais adiante no tempo, Zuza Homem de Mello apresenta o pacato compositor Gutemberg Guarabyra, que ganhou diversos festivais e que participou como organizador de outros, como um agente infiltrado na TV Globo, porque chegava a manter um arsenal “subversivo” na própria casa, e que agiu como sabotador para que os militares que ocupavam o poder não pudessem usar um festival como propaganda da alegria brasileira para o exterior. O autor surpreende ao contar detalhes da perseguição racista movida contra artistas negros – notadamente Toni Tornado, Wilson Simonal e Erlon Chaves – que tiveram a audácia de namorar algumas das mulheres brancas mais desejadas da época. E ainda ao narrar a surra que o sociólogo e então jurado Roberto Freire levou ao tentar ler um manifesto do júri que tinha sido destituído porque o regime autoritário não queria dar cartaz para Nara Leão, que tinha dado uma entrevista “incômoda”.
O livro não é uma simples sucessão de histórias de uma época distante. Zuza Homem de Mello toma alguns cuidados para localizar o leitor que não tenha a mínima idéia de que Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso começaram a carreira disputando entre si em festivais. Conta como Milton Nascimento se consagrou e se decepcionou com a disputa, como vários compositores hoje desconhecidos derrotaram os grandes nomes da Música Popular Brasileira. E mostra como a música brasileira foi sendo moldada a partir das conquistas, e muito mais pelas vaias do que pelos aplausos, de tão conservadora era a audiência, que apupava Caetano e os tropicalistas, jogava tomates nos Mutantes, impedia Sérgio Ricardo de cantar e urrava para o desprezo de um circunspecto Walter Franco. Nelson Rodrigues estava certo: a vaia é consagradora.