Nome obrigatório no dicionário da música brasileira e artista que personifica a possibilidade da sobrevivência do autêntico em meio à guerra do fajuto, Inezita Barroso lança seu 80º trabalho, Hoje Lembrando. Aos 78 anos de idade, mantém o vocal irretocável.
“Cantor que é cantor não perde a voz”, assinala. “O único cuidado que tomo é não tomar gelado”. Vez por outra, dá umas baforadas: “Fumo quando estou muito nervosa, mas aí vai um ou dois cigarros e pronto”. Mas a receita vital continua sendo o afinco no trabalho. Atua na rádio, apresenta há 23 anos o Viola, Minha Viola na TV Cultura – o único canal aberto brasileiro que resiste ao ordinário –, leciona Folclore Brasileiro para o curso de Turismo da UniCapital (São Paulo), dá palestras no Brasil e no exterior e ainda cumpre agenda de shows.
Mas mesmo assim observa à risca um ritual de não ficar mais de dois dias viajando. “Se eu ficar fora muito tempo, meu cachorro morre. Ele manda na casa.” Ela própria se diz caseira “que nem gato.”
Outra característica admirável em Inezita é o amor que ela sente por São Paulo. “Não sei sair daqui”, afirma. “Quando sobrevôo a cidade de avião fico aflitíssima, choro que nem uma besta. Defendo que a gente tem de se fixar na nossa terra”. Seu compromisso maior continua sendo a música de raiz. “Tou na briga há 50 anos, e agora é que comecei a colher uns frutinhos”, revela. “Foi muito bom este encontro com a Trama. Fiquei 18 anos na Copacabana, depois peguei gravadoras menores que não me davam repercussão, e sabe como é… Aquela história de mascate eu detesto: levar disco no porta-malas do carro pra vender depois do show, pelo amor de Deus!” Torce o nariz para a vulgarização da música: “O pessoal de hoje quer pressa, e isso você vê pela qualidade. Pior é que vende! Desde Chico Buarque, você não vê mais música que sacode a roseira. Ora, o Brasil é o país mais rico em musicalidade! E o povo não põe para fora, porque a máquina quer o mais fácil!”. Inezita não compactua com o frenesi da industrialização: “Me soa ruim essa história de sambódromo, bumbódromo, instituições que tornam tudo caro enquanto o povão mesmo se diverte lá fora, que é muito mais autêntico e animado. E essa festa do peão de Barreiros? Horrível, sem raiz nenhuma, com desfile de moda do Texas…” Com seu prestígio, divulga o que dificilmente pode ser encontrado nas paradas de sucesso: o violeiro Roberto Corrêa, Caetano Herba, João Pacífico, Zé Fortuna… “Hoje, parece que a gente está ouvindo robôs, com arranjos pobres, malfeitos”, critica. Nem por isso desiste. E tem retorno. “Pra mim, uma glória é ver alunos brilhando, pois, como agentes de turismo, sabem o que estão vendendo porque entendem de folclore brasileiro”, diz a professora. E a cantora comemora a ascensão da música de raiz “graças a violeiros semieruditos, como Roberto Andrade e Roberto Corrêa.” Inezita atua como guardiã de um tesouro cultural brasileiro que amarga o escanteio da mídia pocotó. Mas não morre.