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A lenda de Scherazade

Arquivo Geral

04/04/2003 0h00

Sempre que me lembro do livro As Mil e Uma Noites, não são os quarenta ladrões do Ali Babá que me vêm à cabeça. Sou fascinado pela lenda das belíssimas e igualmente secretíssimas princesas do Oriente, com o rosto encoberto por um véu e de virgindade guardada por exércitos do sultão. A descrição que se fazia era de incendiar a imaginação de qualquer pré-adolescente. Hoje, em pleno frenesi da guerra no Iraque, volta e meia você ouve alguém comentar que as mulheres persas são lindas.

Foi, então, com enorme ansiedade que desembarquei, lá pelos idos de 1987, em Marrakech, no Marrocos, para uma viagem a trabalho. Não é exatamente o Oriente, mas também tem camelos, deserto, beduínos e, esperava eu, lindíssimas donzelas a serem descobertas.

A primeira impressão não foi das mais recompensadoras. No aeroporto, não vi ninguém que fizesse jus à Scherazade, ou sequer a Yasmine, a noiva do Aladim. Para quem cresceu achando que Cleópatra era a cara da Elizabeth Taylor, nada poderia ser mais decepcionante. No hotel, mais tarde, também não cruzei (êpa!) com nenhuma princesa das mil e uma noites. Fomos ao mercado para comprar quinquilharias e, novamente, nem sinal daquele olhar de hipnotizar camelo, nenhum gingado de odalisca capaz de levantar qualquer tapete mágico. Decepcionado, comecei a achar que a proliferação de eunucos naqueles tempos poderia ser justificada.
Ao final do primeiro dia, o compromisso era um jantar na casa de um manda-chuva da cidade. O cara morava na cobertura de um pequeno prédio de três andares, em terracota, bem diante da tumultuada e sonora praça central da cidade. À noite, porém, a brisa do deserto soprava sobre as tamareiras, e o barulho dos vendedores e carros desapareceu. Fomos recebidos no terraço, sentamo-nos sobre tapetes e nos ofereceram aperitivos. Juro que só tinha tomado uns três goles quando vi a miragem.

Ela estava vestida como Jeannie É um Gênio, mas, felizmente, sem véu. Rosto alvo, olhos negros e brilhantes, sorriso imaculado, cabelos longos, passou flutuando entre nós, carregando uma bandeja de pães árabes. O pai da princesa, orgulhoso, apresentou a moça aos boquiabertos visitantes: “Esta é a minha filha Yasmine”. Então era verdade! Vale mesmo a pena passar fome e sede no deserto, cheirar camelos, atravessar continentes, derrotar exércitos, enfrentar a forca e inimagináveis privações apenas para ver aquele rosto. É a lembrança que ficou. Mas pode ser que tudo não passe de mais um conto das mil e uma noites?

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    04/04/2003 0h00

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    Foi, então, com enorme ansiedade que desembarquei, lá pelos idos de 1987, em Marrakech, no Marrocos, para uma viagem a trabalho. Não é exatamente o Oriente, mas também tem camelos, deserto, beduínos e, esperava eu, lindíssimas donzelas a serem descobertas.

    A primeira impressão não foi das mais recompensadoras. No aeroporto, não vi ninguém que fizesse jus à Scherazade, ou sequer a Yasmine, a noiva do Aladim. Para quem cresceu achando que Cleópatra era a cara da Elizabeth Taylor, nada poderia ser mais decepcionante. No hotel, mais tarde, também não cruzei (êpa!) com nenhuma princesa das mil e uma noites. Fomos ao mercado para comprar quinquilharias e, novamente, nem sinal daquele olhar de hipnotizar camelo, nenhum gingado de odalisca capaz de levantar qualquer tapete mágico. Decepcionado, comecei a achar que a proliferação de eunucos naqueles tempos poderia ser justificada.
    Ao final do primeiro dia, o compromisso era um jantar na casa de um manda-chuva da cidade. O cara morava na cobertura de um pequeno prédio de três andares, em terracota, bem diante da tumultuada e sonora praça central da cidade. À noite, porém, a brisa do deserto soprava sobre as tamareiras, e o barulho dos vendedores e carros desapareceu. Fomos recebidos no terraço, sentamo-nos sobre tapetes e nos ofereceram aperitivos. Juro que só tinha tomado uns três goles quando vi a miragem.

    Ela estava vestida como Jeannie É um Gênio, mas, felizmente, sem véu. Rosto alvo, olhos negros e brilhantes, sorriso imaculado, cabelos longos, passou flutuando entre nós, carregando uma bandeja de pães árabes. O pai da princesa, orgulhoso, apresentou a moça aos boquiabertos visitantes: “Esta é a minha filha Yasmine”. Então era verdade! Vale mesmo a pena passar fome e sede no deserto, cheirar camelos, atravessar continentes, derrotar exércitos, enfrentar a forca e inimagináveis privações apenas para ver aquele rosto. É a lembrança que ficou. Mas pode ser que tudo não passe de mais um conto das mil e uma noites?

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