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Política & Poder

Ministra da Agricultura agora é chamada pelos europeus de ‘senhora desmatamento’

No auge da crise do desmatamento, no final do ano passado, a ministra fechou acordos na Ásia e no Oriente Médio enquanto Bolsonaro chamava a França de imperialista

Redação Jornal de Brasília

29/05/2020 16h57

Foto: Reprodução

Ana Estela de Sousa Pinto
Bruxelas, Bélgica

Em meio a uma investida ambiental da União Europeia que pode afetar interesses de exportadores brasileiros, a ministra da Agricultura do Brasil, Tereza Cristina, foi descrita como “senhora desmatamento” e “musa do veneno” em reportagem publicada nesta sexta (29) pelo jornal francês Le Monde.

Os apelidos não são novos, mas desde 2019 os papéis de vilão no duelo com a França vinham sendo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do presidente Jair Bolsonaro, enquanto Tereza Cristina corria o mundo para convencer parceiros internacionais de que o descontrole ambiental não interessa ao agronegócio brasileiro.

No auge da crise do desmatamento, no final do ano passado, a ministra fechou acordos na Ásia e no Oriente Médio enquanto Bolsonaro chamava a França de imperialista e Salles travava a Conferência do Clima.

O enfoque do Le Monde para publicar a entrevista com a ministra da Agricultura, feita em novembro de 2019, mostra que a imagem pela qual ela vinha trabalhando está sendo afetada por números da gestão Bolsonaro.

Na mesma semana em que o ministério lançou um programa de bioinsumos, Tereza Cristina ganhou como gancho recordes de desflorestamento. “Na Amazônia brasileira, desde o início do ano, 1.202 km² de floresta tropical desapareceram, mais de 1.400 campos de futebol por dia”, descreve o jornal -uma alta de 55% no ano, como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo.

Entre 1º e 30 de abril, com a pandemia de coronavírus acelerando no Brasil, os alertas de corte raso de floresta feitos pelo sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), saltaram 64% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Foram derrubados 405,61 km² de floresta no mês passado, ante 247,39 km² de 2019.

Segundo o Le Monde, “a temida e influente ministra da Agricultura do Brasil é uma dama de ferro dedicada ao agronegócio, cujas políticas acabaram de levar a um novo recorde de desmatamento”.

A reinclusão de Tereza Cristina na narrativa europeia sobre a atitude antiambiental brasileira vai além dos meios de comunicação. Governos nacionais e a Comissão Europeia (o Executivo da União Europeia) deram sinais concretos na direção de tornar mais rígidas as regras de acordos comerciais como o que o Mercosul negociou com a UE e pretendia ver assinado e ratificado neste ano.

O vídeo em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defende que o governo aproveite a crise do coronavírus para aprovar reformas infralegais, incluindo alterações ambientais ainda corria os gabinetes europeus, mas o que preocupava exportadores brasileiros era outra notícia: o anúncio pela Comissão Europeia de duas propostas que podem afetá-los em cheio: a Estratégia para a Biodiversidade e a “Farm to Fork” (da fazenda ao garfo).

Elas preveem até 2030 uma redução de 50% no uso de pesticidas, 20% no uso de fertilizantes químicos, 50% no uso de antibióticos na criação de animais e a ampliação para 25% da área destinada a agricultura orgânica, além do aumento na proteção de reservas florestais.

As regras, se aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelos 27 países membros, passam a valer para todos os alimentos importados pela União Europeia. Além disso, França e a Holanda pediram à UE que “mostre os dentes” nos tratados comerciais, transformando o cumprimento de regras ambientais em cláusula essencial desses acordos.

Uma revisão da política comercial europeia já foi anunciada pelo comissário Phil Hogan para este ano, e a proposta franco-holandesa fará parte do debate. Se adotada, ela facilita a retirada de benefícios comerciais por causa da alta de desmatamentos, como vem ocorrendo no Brasil.

O desmatamento na Amazônia que será divulgado em novembro deste ano será muito maior que o de 2019, de acordo com projeções feitas a partir de dados computados pelo Deter, sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de monitoramento da floresta em tempo real, feitas pelo biólogo João Paulo R. Capobianco, ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (2003-2008).

Os números mostram que o desmatamento acumulado entre agosto de 2019 e o final de abril deste ano chegou a 5.666,10 km2, número é 94,4% acima do registrado em abril 2019 e 83,7% acima da média dos últimos quatro anos para esse mês. No ano, a taxa deverá ficar entre 12 mil km2 e 16 mil km2, uma das piores escaladas de aumento na destruição da floresta. O resultado deve reverter totalmente os ganhos obtidos com a implantação Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, lançado em 2004.

Nesse cenário, as declarações de Salles dão munição a políticos ambientalistas. No Parlamento Europeu, a eurodeputada alemã Anna Cavazzini, do Partido Verde, viu no vídeo “a confirmação inconcebivelmente descarada de algo que o governo Bolsonaro está fazendo há semanas: desmantelando passo a passo os regulamentos de proteção da Amazônia, enquanto o mundo combate o coronavírus”.

Cavazzini, que é porta-voz de política comercial dos Verdes europeus, se opõe ao acordo de livre comércio como Mercosul por causa do que chamou de “ameaça de um colapso ecológico na iminente temporada de queimadas”, em entrevista à agência DW.

“O acordo aumenta a pressão sobre a Amazônia e a política de Bolsonaro já viola todas as obrigações ambientais previstas no pacto”, afirmou ela.

Para o diretor executivo da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Eduardo Leão de Sousa, o Brasil tem sido vítima de “ataques de grupos organizados europeus, com o intuito de evitar a ratificação do tratado e criar barreiras comerciais protecionistas”.

Mas a oposição de eurodeputados não se limita ao Partido Verde. De centro-direita, Pascal Canfin, presidente da comissão ambiental do Parlamento Europeu, já declarou que o acordo da UE com o Mercosul não seria ratificado, porque contradiz os planos da Europa de enfrentar a emergência climática.

Canfin é figura central na discussão, no Parlamento, das novas regras propostas pela Comissão para agricultura e biodiversidade. “A UE é a primeira potência comercial do mundo, por isso temos que usar esses acordos comerciais para contribuir com nossa visão do que é a globalização correta”, afirmou ao Guardian.

Além de aprovação no Parlamento Europeu, o acordo comercial precisa ser ratificado por cerca de 35 parlamentos nacionais e regionais no continente. Além da França e da Holanda, o acordo deve encontrar resistência da Áustria, em que o Partido Verde integra a coalizão governista. No programa do novo governo, apresentado em fevereiro, o premiê austríaco, Sebastian Kurz, disse que buscaria uma “rejeição do acordo comercial do Mercosul em sua forma atual”.

O parlamento da Áustria já havia adotado em setembro moção para obrigar o governo a vetar a ratificação do acordo no Conselho da UE (que reúne os líderes dos 27 membros do bloco).

Se descontrole na Amazônia pode arrastar o tratado comercial e dificultar exportações de pecuária e soja, são as mudanças na política ambiental europeia que preocupam setores como o de frutas, que vende para o continente 70% de todo o volume exportado.

Com maior incidência de microorganismos por causa do clima mais úmido, o Brasil pode encontrar problemas para cumprir as reduções no uso de químicos se esses novos requisitos não forem acompanhados de uma aceleração na oferta de produtos biológicos, diz Jorge Souza, da Abrafrutas.

Segundo Souza, que costuma receber missões de inspeção europeias, a tendência a aumentar restrições é irreversível. “A sociedade urbana europeia é cada vez mais sensível ao tema, e qualquer dano à imagem do produto brasileiro é sério, seja fato ou não”, diz ele, que foi por dez anos exportador de banana-prata produzida em Minas Gerais.

Segundo o executivo, para reagir a isso é preciso cumprir a lei -“nosso código já é dos mais rigorosos do mundo”- e melhorar a comunicação com o consumidor. “Qualquer notícia diferente disso, na Amazônia ou fora dela, é comercialmente muito ruim.”

Leão, da Unica, diz que o etanol brasileiro já é reconhecido como o biocombustível de primeira geração que mais reduz as emissões de gases de efeito estufa (70%, no mercado europeu), se comparado ao combustível fóssil, que o Brasil é o país com o maior número de empresas certificadas e que espera que “os fatos prevaleçam sobre interesses econômicos pontuais”.

A maré, no entanto, está virando contra o Brasil na União Europeia, segundo consultores e advogados que participam de negociações comerciais. Além de uma tendência mais protecionista incentivada pela crise do coronavírus, a burocracia da UE está concentrada nas negociações do brexit.

As novas regras de relacionamento da Europa com o Reino Unido precisam estar prontas até o final deste ano, se o governo britânico não pedir prorrogação de prazo (o que precisa fazer no próximo mês), e a expectativa é que isso também empurre o acordo com o Mercosul para um “momento político mais propício”.

Enquanto isso, do outro lado do canal da Mancha, a embaixada do Brasil em Londres fez circular a primeira edição de um novo boletim em inglês, “AgriSustainability Matters” (a sustentabilidade agrícola é importante), que, como diz o nome, tem como objetivo combater a visão de que o agronegócio brasileiro desrespeita o ambiente.

Nessa edição, o articulista convidado foi o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que ocupou de 2003 a 2006 a pasta pela qual responde hoje Tereza Cristina.

As informação são da FolhaPress

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