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Política & Poder

Entrevista com o senador Rogério Carvalho (PT)

“Jamais poderíamos ter politizado a pandemia” afirmou o lider do PT no Senado que é médico sanitarista com doutorado em saúde pública

Rudolfo Lago

17/07/2020 5h30

O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho, é médico sanitarista, com doutorado em saúde pública. Foi secretário de Saúde do governo de Sergipe. Nada disso o impediu de contrair a covid-19. E de se surpreender com reações inesperadas com a doença. Com ele, os sintomas não envolveram febre nem problemas respiratórios. Carvalho teve no princípio dores abdominais, diarreia e vômito. Mas, dez dias depois, em vez de febre, sua temperatura baixou bruscamente, provocando hipotermia. Era o princípio de um processo de microcoagulação, que, se agravado, poderia evoluir para um grave problema. “É uma doença perigosa e traiçoeira”, diz o senador. “Por isso, precisava ter sido combatida com ciência, o que, infelizmente, não aconteceu no país”, afirma ele, nesta entrevista ao Jornal de Brasília. Para Carvalho, a politização da pandemia, com os posicionamentos negacionistas do presidente Jair Bolsonaro, estão fazendo com que a doença se prolongue por mais tempo, agravando as suas consequências.

O senhor é médico sanitarista, foi secretário de Saúde de Sergipe, além de senador, o que já o credenciaria a falar sobre a condução do país na pandemia da covid-19. Mas, além disso, o senhor contraiu o novo coronavírus. O que poderia contar a respeito da sua experiência pessoal com a doença?

Estamos vivendo uma situação muito complexa no Brasil em função das interferências e da politização que houve do combate à pandemia. Uma doença provocada por um vírus desconhecido, altamente contagioso. Não existe vacina nem um medicamento específico para tratá-lo. Vírus, diferentemente de bactérias, é muito difícil você desenvolver uma terapêutica específica. O modo de atuação dele é mais específico. Então, você tem que produzir uma droga específica para aquele vírus, uma vacina específica para aquele vírus. Como ele é muito contagioso e tem uma taxa de letalidade relativamente alta – para 200 pessoas contaminadas, você pode ter de uma a duas mortes. É uma taxa enorme. A politização que aconteceu no Brasil atrapalhou a principal medida de controle da expansão da pandemia. Porque se você não tem medicação nem tem uma vacina, precisa controlar a entrada de pessoas nos hospitais para assegurar aos serviços de saúde condições de assistir a todos. Além disso, a gente fecha, abre, fecha, abre, fecha parcialmente, abre antes da hora por causa da pressão e da ausência de um comando central, ou de um comando central equivocado. Um presidente estimulador da ideia da imunidade de rebanho, deixar as pessoas adquirirem a doença com a ideia de que com isso elas ficarão imunizadas naturalmente e, com isso, se evitar o colapso da economia. Isso tudo foi um equívoco. Que, ao contrário, levou a essa desorganização e a um alongamento da expsansão da covid por muito tempo. Neste momento, estamos vivendo um outro pico. Tivemos um pico há 30 dias, estamos vivendo agora um outro pico, e vamos ter um outro pico. Ou seja, algo que era para a gente encerrar em maio, nós só vamos encerrar em outubro, na melhor das hipóteses. E só vamos deixar de ter casos lá para dezembro ou janeiro de 2021, por conta dessa politização e dos erros cometidos no combate à pandemia.

O senhor contraiu o novo coronavírus. Como foi?

Veja como essa doença é traiçoeira e perigosa. Eu viajei de Brasília de carro. Mantive contato com uma pessoa que testou positivo. Ela viajou comigo. Quando chegou a Aracaju, se sentiu mal e testou positivo. Eu estava em casa com minhas três filhas, minha enteada, minha mulher, o caseiro, a babá da minha filha e meu genro. Nove pessoas. Eu transmiti para oito pessoas. Veja como é contagiosa. Essa foi minha experiência familiar, todos em casa com covid sem poder sair. E é uma doença muito perigosa e que tem reações que às vezes você não prevê. Ela é inesperada. Eu tive os primeiros sintomas que me levaram a fazer os exames. E não foi falta de ar, nada respiratório. O que eu senti foram dores abdominais, diarreia e vômito. Isso durou um dia e meio. Depois, melhorei. Dez dias depois, eu tive uma queda de temperatura. Não febre. Queda de temperatura. Tive uma hipotermina. E não era falta de ar, mas uma fraqueza. O que representa isso? Já comprovaram que o coronavírus produz microcoagulações, rompimento de microvazos.

E isso é que é em parte responsável pela gravidade da doença. Eu tive um início de problema de coagulação disseminada. E, por isso, a hipotermia. Se isso se agrava, esse é o tipo de paciente que chega já no hospital para ser entubado. Estava bem e, de repente, chega no hospital, é entubado e pode vir a óbito. Como eu sou médico e sabia dos riscos, eu me preparei. Peguei o protocolo mais atual que existia de tratamento do doente – não é tratamento do coronavírus, porque para ele ainda não há tratamento – e me automediquei de imediato com o auxílio da família, com anticoagulante, corticoide e antibiótico. Mesmo assim, eu, para retomar a minha normalidade, levei 24 horas fazendo um ataque do primeiro sintoma de agravamento, bem no início do quadro grave da doença. Eu fiquei 24 horas com taquicardia, com batimento acima de 120 batimentos por minuto. Se eu fosse um cardiopata, teria outro tipo de problema.

Essa foi minha experiência. E é uma experiência ruim para o Brasil, porque está muito longo o tempo. E são vários picos. Quando estava o pico no Sudeste, por exemplo, o Sul teria que ter fechado suas fronteiras com o Sudeste para evitar que chegasse lá. Tinha que ter barreiras sanitárias para evitar a expansão da doença no território. Foi muito leniente, foi muito permissiva a circulação de pessoas de regiões que estavam com alto índice de contaminação para outras. Nós somos um continente. E muito conectados. Nós tivemos primeiro São Paulo, que agora voltou a subir. Agora, o interior de São Paulo. E agora estamos tendo o Centro-Oeste, o Sul. Cidades que achavam que não teriam, que diziam que estavam controlando. Relaxou um pouco, aglomerou, veio a doença. Veja Brasília. Todo mundo achava que Brasília estava bem, agora a doença estourou em Brasília.

O risco agora é a gente ter falta de recursos sanitários para atender a todas as pessoas. E vamos ter mantido um platô em torno de mil mortes por dia, o que é muito alto para a nossa população. Isso é uma consequência da politização que houve. Uma doença dessas tem de ser levada a sério. E seu combate tem de ser a partir da orientação de quem entende. Eu sou médico. Sanitarista. Doutor em saúde pública. Eu já via o que ia acontecer. Se não levamos as coisas a sério, nós vamos viver um efeito sanfona. Vai, diminui, cresce de novo. Porque não houve uma ação articulada nacionalmente, uma operação sinérgica, o governo central com os governos estaduais e os governos municipais, estratégias por estados, fechamento de fronteiras, desenvolvimento de protocolos para diminuir a mortalidade, para serviços de média complexidade, para pegar o doente antes dele vir a precisar de terapia intensiva. Saber quem está contaminado. A gente teve condição de fazer tudo isso. E, infelizmente, nós não fizemos.

O presidente Bolsonaro tem repetido que essa falta de comando central se deve à decisão do Supremo Tribunal Federal de passar a autonomia sobre o que fazer aos governadores e prefeitos, aos estados e municípios. E que, portanto, a partir daí, essa responsabilidade deixou de ser dele.

O presidente tem razão em dizer que o STF interveio. Mais interveio para evitar uma catástrofe ainda maior. O que ele queria era impedir que governadores e prefeitos tivessem liberdade de fechar comércio, atividades de uma maneira geral, para diminuir o contágio. O presidente Bolsonaro de fato foi impedido pelo STF. Mas foi impedido de continuar atrapalhando. Ele foi para as ruas. Defendia a ideia da imunidade de rebanho. De certa maneira, ele estava propondo que os m’ais fracos morressem e os mais fortes permanecessem. Ele definiu isso de forma muito clara. “Vai morrer velhos, mas paciência”. E ainda por cima demonstrou pouco sentimento pelas mortes. “E daí que morreram dez mil pessoas? O que eu tenho a ver com isso? Não sou coveiro?” Ele, na prática, estimulou que as pessoas fossem para as ruas. Na prática, demorou a adotar as medidas adotadas pelo Congresso para mitigar os efeitos da pandemia tanto para os micro e pequenos empresários, para todo o setor empresarial.

Demorou para materializar o auxílio emergencial para as pessoas poderem ficar em casa, para diminuir o contato. Demorou a resolver os problemas nos estados, para garantir liquidez nos estados. Só não demorou para resolver o problema do sistema financeiro. Rapidamente, foi aprovada uma PEC para atender a quem precisasse de crédito. Uma PEC necessária, eu mesmo votei a favor. Então, o presidente Bolsonaro não tem como se livrar do ônus. dos erros que ele cometeu. Negar a ciência. Negar as evidências. E negar o que é mais importante: o legado dos outros países que passaram pelo problema antes, que construíram um conhecimento prévio de como lidar com a doença e como lidar com o controle da pandemia, com a expansão da doença para mais pessoas.

Isso foi entregue para a gente de bandeja, porque já tinha havido o pico na China, na Itália, na Espanha, na França, na Europa como um todo. E a gente já estava vendo o que vinha sendo mais eficiente. E, apesar de ter essas evidências sobre o que era eficiente para lidar com a pandemia, esse ensinamento ele jogou fora e optou por outro caminho. Então, defendeu o tal isolamento vertical. Defendeu a cloroquina dizendo que era a salvação. Tentou evitar que fosse fechado o comércio, que se fizesse um isolamento com ação. Veta a obrigatoriedade de uso de máscara em estabelecimentos. É impossível do ponto de vista histórico, com seriedade, com isenção, retirar dele grande parte da responsabilidade pelos óbitos que têm sido volumosos, duros para as famílias que perdem seus entes.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, exagerou quando falou em genocídio?

Ele não exagerou. Eu só acho que autoridades que não são parlamentares. Eu sou parlamentar. Eu posso dizer que o presidente Bolsonaro agiu e age como um genocida. Eu posso dizer que ele ao não seguir a orientação da ciência e ao seguir por um caminho que mata, comete um ato genocida. Ele pode, dentro de um contexto, emitir a opinião dele, mas esse tipo de tarefa é para nós, politicos. Para isso, o povo nos deu a delegação do voto.

Ou seja, embora o senhor concorde, tal termo na boca de um ministro do Supremo gere um conflito entre poderes…

Gera um conflito. O ministro Gilmar Mendes tem tido posições coerentes com o papel de um magistrado do STF, que tem que ser garantista, que tem que observar a letra da lei. Mas é óbvio que qualquer coisa saída dele tem uma repercussão, tem uma contotação que gera polômica. Mas, por outro lado, talvez seja importante que em determinados momentos alguém fale. Ele não falou uma mentira. Ele falou uma verdade. Porque, com Bolsonaro, pode ser o Pazzuelo, pode ser o Jozzuelo, pode ser Maria, José, João, Pedro, o ministro é o Bolsonaro. Ainda mais numa área sensível como essa. Uma área em que, ideologicamente, ele não quer que seja construído algo que se pareça autônomo.Todos os que entrarem não terão autonomia.

O senhor acha que o fato dele ter acabado contraindo a doença pode lhe trazer agora alguma lição diferente?

Espero que ele não tenha uma forma mais grave. Geralmente quem tem doenças graves e ficam com risco efetivo de morte, repensam a vida. Mas há pessoas que nem à beira da morte conseguem se reinventar. O presidente Bolsonaro não se reinventa nem quando a morte chega perto. Ele já teve uma experiência, e isso não o mudou. Não acredito que ele seja do tipo de pessoa que uma experiência como essa possa levá-lo a uma mudança de postura, a uma mudança na sua empatia, no seu amor ao próximo. A gente percebe que é uma pessoa com pouco sentimento de compaixão, de empatia, de solidariedade, de humanismo. Isso lhe falta bastante. Ele é uma pessoa instrumental, só tem relações de troca. Só tem amor pelos dele: seus filhos, sua mulher… Ele não é uma pessoa que consegue ter o amor cristão, apesar de se declarar cristão: amar ao próximo como a si mesmo.

Existem diversos pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro. Como o senhor avalia as chances desses pedidos?

Nos estamos no meio de uma pandemia, e ele foi incapaz de liderar o país em um momento grave como este. Ele demonstrou uma total incapacidade de liderar, insensibilidade com a vida. E, além disso, neste período ele atacou frontalmente a democracia, participou de atos de agressão à democracia, que culminaram numa agressão simbólica ao STF, e foi quando o STF a partir de então tem se posicionado de forma mais dura. Ele foi totalmente incompetente. Mas o pior está por vir. Qual é o projeto de retomada da economia, do emprego, da renda, da estabilização da vida de cada pessoa? Vai faltar emprego, vai faltar dinheiro circulando, nós vamos viver uma crise econômica sem precedentes, e aí a gente precisa de um líder. Eu acho que, a partir desse momento, a situação ficará muito difícil para ele. Esse não é o meu estilo, mas eu vi o senador Major Olímpio (PSL-SP) dizer que ele está querendo se segurar comprando partidos. Eu diria que é uma forma alegórica do Major Olímpio tratar o tema. Mas ele está construindo uma base. Isso é normal. É da democracia. O problema é que ele negou isso a vida inteira. E, agora, está fazendo exatamente o que ele negou: entregar um ministério, entregar órgãos importantes da administração para garantir votos. Ele sempre negou isso.

Mas que chance o senhor avalia que há de um processo de impeachment?

Hoje, eu não vejo possibilidade. Existe uma vontade de 70% da sociedade. Mas nem sempre parte do Parlamento segue a vontade da maioria da população. Michel Temer tinha 87% de rejeição, e mesmo assim se manteve no poder porque ele foi capaz de coordenar e manter uma articulação política que o sustentasse no poder até o final do seu mandato. Então, eu acho que a gente tem de sustentar a luta contra o comando de Bolsonaro e apresentar alternativas.

Quando houve esses ataques à democracia, houve um debate sobre combater esses riscos. O ex-presidente Lula afirmou que não era possível se associar a qualquer um nesse combate, que era preciso haver uma seletividade quanto a quem foi responsável por chegarmos a esse estado de coisas. Como o senhor avalia esses argumentos do ex-presidente Lula?

Acho que naquele momento precisávamos da união de todos no sentido de unificar a defesa da democracia. Agora, o ex-presidente Lula quis chamar a atenção de que foi aberta uma ferida no Brasil que precisa ser cicatrizada. Quando você dá um corte no seu braço e você não sutura, depois de um certo tempo não adianta costurar. O tempo de cicatrização também aumenta. O golpe na presidente Dilma, o impeachment da presidente Dilma é uma fissura na história recente do Brasil que precisa ser cicatrizada. Não apenas o fato de tirar a Dilma. É uma ferida que comprometeu a nossa indústria de construção civil universalmente reconhecida pela sua capacidade tecnológica – os executivos estão todos soltos, mas as empresas se destruíram. A própria Petrobras. Criou-se um ativismo jurídico que bagunçou a estabilidade do Estado Democrático de Direito. Tirou uma presidente que não tinha cometido crime efetivo por convicção política. Esses documentos que o PT pediu agora na Suíça podem revelar que o juiz Sergio Moro excluiu algumas pessoas para processar outras. Eu espero que isso de uma vez por todas prove a parcialidade da Operação Lava Jato. O que Lula está chamando a atenção é que precisamos todos ajudar a cicatrizar essa ferida conversando, falando, fazendo autocrítica, dizendo para a sociedade que foi um erro. Isso fortaleceria mais a democracia do que todos dizermos que somos todos pela democracia.

Mas não teria o PT talvez de fazer alguns reconhecimentos? Essas empresas da construção civil não corromperam de fato? Não houve corrupção na Petrobras?

Indiscutivelmente havia. E há. Depende do desejo de encontrar. O programa de privatização que vai ser feito, se for investigar à luz da lei, especialmente a partir do princípio do desmonte da riqueza nacional, gera um crime, gera corrupção. A questão não é essa. É porque os executivos da Petrobras estão riscos e a empresa quebrou? Assim como as grandes empresas da construção civil? Por que não preservar essas empresas? A experiência acumulada de uma empresa como a Odebrecht vale bilhões. A gente deveria ter preservada esse patrimônio. Agora, havia e há. O PT cometeu muitos erros, mas também não pode ser destruído como partido. O partido fez uma série de coisas importantes: Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Luz Para Todos. O PT tem a sua marca, a sua obra. Agora, há pessoas no PT que, no poder, se expandem. Você quer conhecer uma pessoa, dê poder a ela. Quando você bota uma pessoa desse tamanhinho em um lugar que é desse tamanhão, os defeitos dessa pessoa ficarão desse tamanhão. Você joga as pessoas em um mar de oportunidades, como disse (o senador) Jaques Wagner (PT-BA), algumas delas se lambuzam.

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