MATHEUS TEIXEIRA E CONSTANÇA REZENDE
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
A ministra Rosa Weber deixa a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal), nesta quinta-feira (28), celebrada por setores da sociedade por ter pautado julgamentos marcantes como os da descriminalização das drogas e do aborto e o do marco temporal das terras indígenas. Mas a ministra também encerra sua gestão sob críticas do Congresso, que a acusa de interferir em temas de competência do Legislativo.
A ministra completa, no dia 2 de outubro, 75 anos —idade limite para atuar na corte. Seu sucessor no comando da corte será o ministro Luís Roberto Barroso.
Indicada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2011, em 12 anos no STF ela já enfrentou críticas da esquerda pela atuação na Lava Jato, como ao dar o voto considerado decisivo para a prisão do então ex-presidente Lula (PT), em 2018.
No entanto, passou a ser elogiada por esse campo político em pouco mais de um ano como presidente do STF por levar a julgamento os temas do aborto, das drogas e do marco temporal.
Além disso, encampou como uma de suas bandeiras e igualdade de gênero no Judiciário. Nesse sentido, liderou a aprovação, no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), de uma resolução que visa ampliar a presença de mulheres na segunda instância do Judiciário. A iniciativa teve aval do conselho na terça-feira (26).
Com a direita, Rosa viveu o processo inverso: foi enaltecida no mensalão, por ter votado para condenar próceres petistas, e também no período da Lava Jato, quando passou a ser vista como uma magistrada independente que se posicionou a favor da operação em diversos momentos.
Na presidência do STF, o humor da direita e de conservadores com a ministra mudou. Ela não só pautou como votou a favor da descriminalização do porte de maconha e do aborto até a 12ª semana de gestação. Foi ainda fundamental na análise da ação que derrubou a tese, defendida pelo agronegócio, que estabelecia a Constituição de 1988 como marco para reconhecimento de áreas indígenas.
Também virou alvo de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por ter levado para o plenário virtual a análise das ações penais contra os responsáveis pelos vandalismos em 8 de janeiro. Rosa deu apoio integral ao ministro Alexandre de Moraes na condução desses processos.
As queixas não se restringiram a bolsonaristas. Profissionais do direito e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também criticaram a medida e afirmaram que a apreciação virtual de processos criminais limita as garantias individuais dos réus e a integral atuação dos advogados. Isso porque, no sistema eletrônico, os defensores não podem fazer sustentação oral presencial nem levantar questões de ordem durante os julgamentos.
Por outro lado, a reação institucional do Supremo sob a liderança de Rosa em relação aos ataques do 8 de janeiro é apontada por aliados como um dos principais desafios superados com êxito por ela.
Integrantes do próprio tribunal dizem em conversas reservadas que se surpreenderam com a firmeza da ministra em uma das maiores crises do país desde a redemocratização. Também apontam como destaque a agenda que Rosa conseguiu fazer avançar no tribunal.
Decisões sobre procedimentos também foram elogiadas. A magistrada conseguiu aprovar a imposição de prazo para devolução dos ministros de pedidos de vista (mais tempo para análise). Também viabilizou a obrigatoriedade de ministros remeterem decisões individuais ao conjunto do tribunal. Esses dois pontos eram considerados gargalos em aberto.
A obrigatoriedade da remessa de decisões liminares ao plenário, por exemplo, era uma das apostas da gestão de seu antecessor, Luiz Fux. Ele não conseguiu fazer o tema avançar.
Diferentemente de Rosa, que mantém boa relação com as diferentes alas do STF, Fux já tinha atritos com outros integrantes da corte e ampliou seu desgaste logo no início de sua gestão.
Ministros afirmam nos bastidores que a discrição de Rosa foi um dos principais fatores que permitiram a criação de um ambiente interno para aprovação das mudanças regimentais que, há décadas, nunca tinham sido realizadas.
A magistrada é uma das poucas no tribunal que não dá entrevistas à imprensa e raramente faz aparições públicas longe do STF. Em sua gestão no comando do Judiciário, passou a expressar suas opiniões e dar recados em sessões do STF e também do Conselho Nacional de Justiça.
No CNJ, aliás, ela enfrentou outro tema sensível e tentou impor limites às palestras dadas por juízes, muitas vezes sem transparência. O julgamento, porém, foi interrompido por pedido de vista e ainda não foi concluído.
Em sua penúltima reunião no conselho, diante das críticas de parlamentares por pautar processos que, na visão do Congresso, são de competência do Legislativo, Rosa defendeu que a Justiça debata temas considerados tabus e chegue a definições sobre esses casos.
“No Supremo Tribunal Federal, quando tratamos de anencefalia, droga, cotas raciais nas universidades, marco temporal para os indígenas, sempre há resistência e eu compreendo”, disse na ocasião. “O ser humano às vezes tem dificuldade de ver o novo e enfrentá-lo, mas o debate é, sim, necessário e por isso eu endosso na íntegra.”
Em sua última sessão à frente do CNJ, ela afirmou que o que poderia trazer de inovação é o seu “jeito mais quieto”. “Esse perfil mais discreto é a minha maneira de atuar na minha paixão, que são os processos”, disse.
Já aposentada, Rosa pode ver o presidente Lula (PT) nas próximas semanas frustrar a principal expectativa da ministra para sua sucessão na corte. Ela é uma defensora que Lula escolha uma mulher para substituí-la. Mas todos os apontados como favoritos para a vaga são homens: o ministro Flávio Dino (Justiça), o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas.