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Política & Poder

Quem fala em defesa do Judiciário é o Supremo, diz presidente do STJ

Questionado sobre os motivos de ter evitado rebater as consecutivas falas de Bolsonaro contra a Justiça, Martins disse, por escrito, que em suas manifestações sempre defendeu “a independência do Poder Judiciário e seus integrantes

FolhaPress

25/08/2022 6h15

Foto: Agência Brasil

José Marques
Brasília, DF

Prestes a deixar a presidência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) após dois anos de uma gestão amistosa com o Palácio do Planalto, o ministro Humberto Martins afirmou à reportagem que o STF (Supremo Tribunal Federal) é o responsável por falar em defesa do Judiciário após ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Questionado sobre os motivos de ter evitado rebater as consecutivas falas de Bolsonaro contra a Justiça, Martins disse, por escrito, que em suas manifestações sempre defendeu “a independência do Poder Judiciário e seus integrantes.”

“Não há Estado Democrático de Direito sem um Judiciário independente, forte e respeitado, para garantir o cumprimento da Constituição e das leis e da democracia”, declarou.

Mas acrescentou: “Quem fala em defesa do Poder Judiciário brasileiro é o STF, órgão máximo, legitimamente representado pelo seu presidente, atualmente, o ministro Luiz Fux.”

Martins é adventista e chegou a ser cotado para uma indicação ao Supremo, mas acabou preterido pela escolha de André Mendonça. Nesta quinta-feira (25), ele transfere a presidência da segunda corte mais importante do país à ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Maria Thereza tem perfil mais técnico e discreto, além de ser conhecida por fazer parte da chamada “ala independente” do STJ -diferente do atual comando.

Em sua gestão, o atual presidente do STJ evitou confrontar Bolsonaro até nos momentos mais agudos das crises causadas por ataques do chefe do Executivo contra o sistema eleitoral e a Justiça.

Um exemplo foi o encontro, no Palácio da Alvorada, em que Bolsonaro reuniu embaixadores para repetir teorias da conspiração sobre urnas eletrônicas, desacreditar o sistema eleitoral, promover novas ameaças golpistas e atacar ministros do STF.

Houve reações de diversos integrantes de tribunais e de entidades de classe pelo país. Martins, que estava em recesso, deixou para o seu vice-presidente, ministro Jorge Mussi, se pronunciar pelo STJ.

Mussi disse ter “plena confiança no processo eleitoral brasileiro e no Tribunal Superior Eleitoral”. Ainda afirmou que o Estado Democrático de Direito “requer a defesa desse sistema, sem que jamais tenha havido evidência concreta de fraude, e a rejeição, por todas as instituições do Estado, de qualquer tentativa de desacreditá-lo.”

Questionado pela reportagem sobre como se posiciona a respeito dos ataques às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral, Martins afirmou apenas que “a democracia e a soberania popular são efetivadas através do voto livre e secreto, que, depositado nas urnas representa a vontade do eleitor.”

O ministro disse que, na relação dos outros Poderes com a sua gestão, procurou afirmar a independência do STJ e da Justiça Federal, mas mantendo um diálogo respeitoso e harmônico.

O final da gestão Martins teve como uma das prioridades a conclusão no STJ de duas votações importantes: a que resultou no envio à Presidência da República das listas para a indicação de dois nomes que ocuparão vagas na corte, ainda a serem sabatinados pelo Senado; e para a nomeação de integrantes do recém-criado TRF-6 (Tribunal Regional Federal da 6ª Região), em Minas Gerais.

A proposta de criação do TRF-6 havia sido liderada pelo antecessor de Martins na presidência do STJ, o ministro João Otávio de Noronha, que também tinha expectativa de ser indicado ao Supremo.

Nos últimos meses, Martins também foi o autor de decisões individuais que envolveram figuras de expressão da política nacional. Ele suspendeu os efeitos das condenações por improbidade administrativa que tornavam inelegíveis os ex-governadores José Roberto Arruda (PL-DF) e Anthony Garotinho (União-RJ).

As decisões foram tomadas no período do plantão judicial, antes de o STF decidir sobre a retroatividade da nova lei de improbidade administrativa. Mas elas acabaram revertidas após o plantão pelo ministro Gurgel de Faria, relator dos casos.

Martins afirmou que sua decisão sobre Arruda “está fundamentada com os argumentos de fato e de direito, observando a Constituição, as leis e precedente do Supremo Tribunal Federal de relatoria do ministro Nunes Marques.”

“Além disso, decidi todos os casos semelhantes da mesma maneira, de acordo com o padrão e os procedimentos adotados durante o plantão judiciário.”

O ministro também teve entraves com a Lava Jato em seu período como presidente do STJ. No ano passado, após pressão de uma ala do tribunal, ele abriu de ofício, ou seja, sem provocação da PGR (Procuradoria-Geral da República), um inquérito sobre suposta tentativa de investigação ilegal de ministros da corte por parte de procuradores da força-tarefa.

Essa apuração foi aberta a partir do material obtido na Operação Spoofing da Polícia Federal, que mirou hackers suspeitos de vazarem trocas de mensagens entre integrantes do Ministério Público Federal e outras autoridades.

A apuração foi arquivada neste ano, por falta de indícios de condutas delitivas por parte dos agentes públicos investigados no inquérito.

Em junho, ele derrubou uma decisão da Justiça do Paraná que havia suspendido investigação do Tribunal de Contas da União sobre gastos da força-tarefa da Lava Jato, comandada pelo então procurador da República Deltan Dallagnol.

Martins afirmou, na decisão, que a suspensão representava “lesão à ordem pública” por ter obstruído sem razão plausível as atividades fiscalizadoras do tribunal de contas.

Na Lava Jato, o ministro chegou a ser mencionado na delação de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, mas sempre negou ter qualquer relacionamento com funcionários da empreiteira.

Questionado a respeito da sua visão sobre a Lava Jato e seu legado, Martins não mencionou diretamente a operação.

Disse apenas que defende “o combate à corrupção, assegurando, como estabelece a Constituição, que a todos os investigados sejam garantidos o contraditório, a ampla defesa e recursos cabíveis.”

Afirmou, ainda, que suas decisões sobre os integrantes da força-tarefa “foram fundamentadas, observando a Constituição e as leis.”

Martins também foi o ministro que conduziu o STJ durante períodos graves da pandemia da Covid-19, como o segundo semestre de 2020 e o ano de 2021.

Ele declarou que, apesar de adaptações de rotina, o tribunal julgou aproximadamente 1 milhão de casos em sessões por videoconferência ou híbridas. Também mencionou o atendimento remoto da presidência a advogados.

“Nas medidas de combate ao Covid-19, estivemos alinhados ao sistema de Justiça e aos outros Poderes constituídos, observando as orientações dos órgãos de saúde, de modo a proteger a vida e manter o tribunal exercendo a sua missão constitucional”, disse.

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