As manifestações que tomaram conta do País nos últimos meses despertaram uma constatação: a classe política não conseguiu dar respostas à altura das reivindicações. Quem diz é o senador brasiliense Cristovam Buarque, convencido de que se trava hoje uma guerrilha cibernética e que as instituições não souberam encaminhar solução para isso. Cristovam também revela a relação conturbada que tem com Agnelo e não poupa críticas ao GDF, que teria priorizado as obras. “O Agnelo disse que ia vestir um avental de médico, mas acabou usando um capacete de engenheiro. E o pior é que são obras que nem dão resultado concreto para a população”, disparou. Agora, ele é cogitado para as candidaturas de governador do DF, cargo que já exerceu, e até mesmo de presidente. Hesita em aceitar.
O País passou e ainda está passando por um momento com muitas manifestações. Como o senhor vê essa onda de protestos?
Caiu a ficha. Veja a invasão ou tentativa no hospital Sírio Libanês. Os manifestantes não têm saúde e nós, parlamentares, temos saúde de primeira. Caiu a ficha de que aqueles que conseguiram entrar na universidade não têm emprego, os que conseguiram comprar um carro ficam três horas no engarrafamento e ainda tem que pagar 30% da renda de prestação do carro. Caiu a ficha de que as coisas não estavam tão boas como se dizia. Juntam-se os desiludidos, os desesperados, os despreparados da polícia, os despreparados da política e no meio da eclosão, cada menino tem uma trincheira de luta em casa, que é o seu computador, onde consegue reunir 50, 100 ou 200 mil pessoas. Isso veio para ficar. E, lamentavelmente, não está se entendendo que a partir de agora, qualquer pessoa que estiver com raiva de qualquer coisa pode reunir 100 ou 200 para enfrentar seu problema. É uma guerrilha cibernética. Dificilmente, vamos ter outra manifestação de 100 mil pessoas durante muito tempo, mas teremos 100 mil manifestações de 50 pessoas. As consequências podem ser até piores do ponto de vista da estabilidade e do funcionamento do Estado. O que me preocupa é que não vejo nós, líderes, com respostas a dar.
A reação do governo Dilma e dos governos estaduais está à altura do que se espera deles?
Nós, políticos, não estamos à altura do momento. Não só a Dilma, todos nós. Há momentos da história em que os políticos não se mostram à altura. Esse é o momento. Vamos esperar que surjam novos nomes. Alguns de nós vão conseguir se reciclar e assumir um papel de liderança ou virá o caos. Por algum tempo. Depois se organiza. Imagine-se uma jovem mãe que não for atendida em um hospital público, por falta de médico ou remédio, e ela, com computador e internet, convide os familiares para levar a criança a um hospital privado. O hospital vai chamar a polícia para impedir que ela entre? E se ela entrar, todos os outros vão querer fazer. O que mais me chocou em tudo isso foi ver os vereadores, no Rio, pedindo permissão aos estudantes para fazer reunião no plenário da câmara. Quanto tempo vai levar para que 500 câmaras de vereador, das 5.565 que temos, sejam tomadas? Não vai demorar.
A ausência de líderes dos movimentos é uma das críticas mais feitas aos movimentos. Chega a ser um problema?
Que é um problema, é, mas não se fabrica líder. Mas quando você não tem com quem dialogar e quando os que estão na frente não são líderes, com propostas, isso é muito arriscado. Veja os caras-pintadas, eles tinham bandeira: tirar o Collor. Hoje eles não sabem nada, porque está pulverizado. Cobra-se que o hospital tenha remédio, a tarifa de ônibus não suba, a presidente da Comissão de Direitos Humanos que seja mudada, os membros da CPI do Transporte, no Rio de Janeiro. É tudo pulverizado, não tem síntese. E não há revolução sem bandeira síntese que permita alguém chegar no governo fazendo o que esse pessoal pede.
Quando se fala em legitimidade, não se pode argumentar que não tem sentido um grupo de 100 ou 20 ocupantes querer impor, via ocupação, sua vontade? Não existe uma crise de legitimidade?
Claro. Tem todo o direito de proteger as instituições. Não tem se submeter, mas tem que se ouvir. Sobretudo, porque hoje eles estão ali e amanhã vão estar em outro canto, depois em outro. E eles fazem hoje contra o poder público, mas em breve vão fazer contra a propriedade privada. Muita gente temeu durante muito tempo o MST. Hoje se tem o MSQC, Movimento dos Sem Qualquer Coisa. Mas não pode ignorar que eles estão chegando e que irão para outros lugares. E tem mais, se atender o que eles querem ali, não quer dizer que eles deixem de ir para outros lugares, querer outras coisas, falta pauta síntese.
Diante dessa insatisfação e dessa mudança que o senhor mencionou, a resposta vai ser dada nas urnas, ano que vem?
Eu não gosto de prever, porque no fim das contas, a eleição é um voto em uma pessoa. Você tem raiva de todos os políticos, mas vota naquele, mesmo que seja um deles. É bem capaz que os que hoje são execrados sejam reeleitos.
Diante desse quadro, podemos imaginar o senador Cristovam concorrendo ao cargo de governador do DF?
Eu não estou pensando nisso e vou dar razões. Talvez seja a primeira vez que digo isso em conversa pública. Primeiro, eu fiz um trabalho como governador. Iria voltar para fazer o mesmo e recuperar o que foi desfeito. Isso diminui a sua obsessão, sua vontade plena, sua obsessão. Eu não gostaria de ser um governador sem a paixão pelo cargo. Segundo, eu acho mais fácil eu ser substituído como governador de Brasília, mas como “senador da educação”, como senador dos discursos e dos projetos de lei que eu apresento. Terceiro, eu me assusto em ter que buscar dinheiro para financiar campanha nos tempos de hoje. Consegui passar por essas eleições limpo. Eu não tenho o direito de deixar correr o risco de repetir o gesto tão arriscado como é pegar dinheiro de campanha .
De qualquer forma, tanto o senhor como o deputado Reguffe são sempre lembrados nas pesquisas. Ele o indica como candidato e o senhor o indica…
Essa é a pergunta que eu me faço e essa é a angústia que eu sofro como político. Acho que não é o melhor lugar para eu estar como líder nacional que eu acabei virando, graças à Brasília. Tenho esse débito total com Brasília. Essa indecisão entre eu e Reguffe está prejudicando o partido, incomodando muita gente.
Por conta do momento nacional conturbado, estão esperando uma decisão, em nível nacional?
Isso não acontece. Tenho certeza que a decisão nacional não vai interferir aqui dentro. Não posso nem jogar essa culpa. Estou esperando que o PDT decida nacionalmente, conforme o lugar que ele vai, mas tenho todas as informações e acerteza que aqui não se envolveria.
Mas o PDT vai ter um candidato?
O PDT quer ter um candidato, não dá para a gente dizer. Se não for eu ou Reguffe, talvez a gente tenha que buscar um candidato em outro partido.
Já existem nomes?
Eu posso dizer que o nome terá que ser do bloco de esquerda e eu não incluo hoje o Agnelo no bloco de esquerda.
Como o senhor avalia o governo Agnelo? Por que não o vê como um representante da esquerda?
Vou responder contando uma historinha. No primeiro ano de governo dele, fui com o George Michel, presidente do PDT, levar um documento para o Agnelo para dizer que a gente ia se afastar do governo dele e apontando 40 pontos que eram necessários para que o governo dele se sintonizasse com as nossas pessoas. O primeiro era não nomear ninguém do PDT, para não pensarem que estamos negociando cargos. Quando eu entrei no gabinete dele, vi que tinha um foto da maquete do estádio Mané Garrincha. Conversando com ele, disse “governador, essa sala só tem uma foto do tempo do Arruda. Eu não vi uma foto de um escola, uma creche, nem hospital, da sua prioridade, saúde. Não vi foto de menino rindo em uma escola”. E é isso que a gente está sentindo, a continuidade de um governo de obras e, não, de gente, nem para gente. As obras até que podem servir as pessoas, e por isso temos que apoiar as boas obras. Mas obra não é sinônimo de gente, é um meio. E o governo Agnelo é um governo cuja concentração, obsessão, é obra, especialmente a obra do estádio. Isso é muito ruim. Depois eu acho que o Buriti tenta controlar tudo, começando pela Câmara. É um erro querer ter uma maioria de 21 deputados, quando bastavam 13 ou 15, para ter uma folga. E para isso, ceder tantas secretarias, se descaracterizar. Acho um erro ele tentar controlar as idéias no DF, não só através da mídia formal, mas através da internet e de uma porção de “fakes” no twitter, na internet. Ele quer monopolizar tudo e canalizar recursos para obras.
Qual seria o prazo para que o PDT ou a frente de esquerda lançasse um nome?
Existem dois prazos, o prazo legal, por volta de julho, mas existe o prazo político, prático, que tem que ser até o fim do ano. Não podemos deixar para depois, porque tem um problema sério, gente boa está vindo para o PDT, mas, obviamente, como a missão de se eleger e acham que a eleição dele depende do nosso candidato a governador. Podem estar enganados, mas o prazo deles é setembro.
E se o Reguffe não for candidato, quem seria um bom nome?
Minha posição é a de apoiar uma coligação da oposição da esquerda. Se ele não fosse, meu sonho de consumo seria um candidato do PT que não fosse o Agnelo. É algo emocional. Eu não gostaria de ser candidato contra o PT. Fui candidato sempre ao lado do PT. Ir fazer campanha contra o Agnelo não é problema, mas a militância carregando a bandeira vermelha contra mim vai me deixar incomodado emocionalmente.
Em uma situação de segundo turno que o senhor tenha o Agnelo como candidato e outro, representando o Roriz, como o senhor agiria?
Votaria discretamente no Agnelo. Não vou dar voto no outro lado. Existem dois lados, o lado de lá e o lado de cá. Não sinto nenhuma identidade partidária com o Agnelo, mas ele é do lado de cá e não vou votar no lado de lá. Não gosto de futurologia, mas gosto de ser sincero.
E sobre uma possível candidatura a presidência?
Não estou fazendo o menor gesto nesse sentido e, sinceramente, eu acho que o PDT não está com a intenção de ter candidato próprio.
Não tendo candidato próprio do PDT, com Dilma e Aécio, para quem seria seu apoio?
Tenho convicção de que, se tiver que apoiar, eu prefiro apoiar Eduardo Campos. Não porque ele é pernambucano, mas porque ele representa uma novidade. Nesse quadro que está aí, eu ficaria com o Eduardo.