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Política & Poder

‘Não tem nenhum bolsonarista entre os mandatários do Novo’, diz Marcel van Hattem

Hattem aderiu ao Novo em 2018, atraído pelas bandeiras liberais da legenda, por seu comprometimento com a luta contra a corrupção

Redação Jornal de Brasília

19/09/2021 9h20

O deputado federal Marcel van Hattem, de 35 anos, deixou o Partido Progressistas (PP) para aderir ao Novo em 2018, atraído pelas bandeiras liberais da legenda, por seu comprometimento com a luta contra a corrupção e por sua postura crítica em relação às práticas fisiológicas que marcam a vida política do País.

Agora, três anos depois, Van Hattem, corre o risco de ser vetado pelo partido como candidato à reeleição em 2022, por defender uma postura de “independência” em relação ao governo e se opor ao impeachment do presidente Jair Bolsonaro, defendido por João Amoêdo, fundador do Novo e ex-candidato à Presidência, e de ter de buscar uma nova legenda, se quiser disputar o pleito.

Chamado de “bolsonarista” pela ala que apoia Amoêdo, ele nega seu alinhamento com o presidente e diz que seu plano “sempre foi e continua sendo” ficar no Novo. “Não tem nenhum bolsonarista entre os mandatários do partido. Isso não existe”, afirma. “Não acho que a gente tenha que se resumir a Bolsonaro e Lula. Na eleição que vem, vou buscar uma candidatura de terceira via e se o Novo tiver candidato é óbvio que vou apoiá-lo.”

Nesta entrevista ao Estadão, Van Hattem fala sobre o “racha” no partido, a falta de governança na sua gestão e a possibilidade de integrantes de movimentos como MBL (Movimento Brasil Livre), Vem Pra Rua e Livres disputarem as eleições de 2022 pelo Novo. “Acredito que, se o foco for um Brasil melhor, mais livre economicamente, centrado no cidadão e no combate à corrupção, eles serão bem-vindos.”

O deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, afirmou outro dia, durante uma votação no plenário, que o sr. deverá deixar o partido Novo e voltar ao PP. É isso mesmo? O sr. vai deixar o Novo? Por que?

Não, não é a minha intenção. Na verdade, esse episódio foi uma brincadeira que o presidente Arthur Lira tem feito comigo desde o início do mandato, em 2019. Só que, desta vez, ele fez isso ao microfone e acabou gerando, sem querer, um grande mal-entendido. Nada além disso. Eu entrei no Novo, tendo saído do PP, para um projeto de longo prazo, e continuo a acreditar que o partido pode ser uma alternativa para mudar o País, pela qualidade dos filiados, dos mandatários e do trabalho que fizemos até aqui.

Nos últimos meses, o sr. e outros mandatários do Novo passaram a ser chamados de “bolsonaristas” por dirigentes partidários e filiados, por não seguirem a posição do partido e de seu fundador e ex-candidato à Presidência João Amoêdo, de apoiar o impeachment do presidente Jair Bolsonaro e se colocar como oposição ao atual governo. Como o sr. vê esta questão?

Na realidade, não tem nenhum bolsonarista entre os mandatários do partido. Isso não existe. Como os demais mandatários do Novo, eu também me preocupo com a forma como o Bolsonaro trata as coisas e conduz o governo. Sempre criticamos o que tinha de ser criticado. Isso não quer dizer que a gente deva fazer uma oposição sistemática e não apoie medidas que são importantes para o País e estejam de acordo com os princípios e os valores do Novo, como a privatização dos Correios, os novos marcos regulatórios do gás e do saneamento básico, a Lei da Liberdade Econômica e as reformas administrativa, tributária e da Previdência. Na minha opinião, toda essa discussão entre bolsonarismo e antibolsonarismo dentro do partido é uma cortina de fumaça para estigmatizar quem não concorda com tudo o que o João Amoêdo defende. Ao longo de toda a sua história, até poucos meses atrás, o Novo sempre teve uma postura independente, inclusive quando era presidido pelo João, e para mim é o melhor caminho a seguir, embora muitas vezes seja difícil entender isso, num ambiente de extrema polarização como o que vivemos hoje.

Por que, afinal, o sr. e a bancada federal do Novo não apoiam o impeachment e não se colocam como oposição ao governo, conforme a posição definida pelo partido?

A avaliação da maior parte da bancada federal foi de que, apesar de graves, as denúncias feitas contra o presidente Bolsonaro ainda carecem de materialidade. Não justificariam, portanto, a abertura de um processo de impeachment, que sempre é um evento traumático para o País, ainda mais em plena pandemia. Na minha visão, o pedido de impeachment não se sustenta juridicamente. Além disso, de acordo com o Estatuto do Novo, em particular o artigo 14, o partido não fechou questão sobre o impeachment. Não foi feita uma votação aberta de deputados e dirigentes a esse respeito, o que tornaria, aí sim, a posição partidária obrigatória.

E quanto a se colocar como oposição ao governo na Câmara, por que a bancada federal não seguiu as diretrizes do partido?

Neste caso, a avaliação da bancada foi de que isso significaria que a gente teria de fazer parte do bloco da oposição, que já foi liderado pela Jandira Feghali (PC do B-RJ) e pelo José Guimarães (PT-CE), cujo assessor foi preso pela Polícia Federal com dólares na cueca. Como esse pessoal não tem nada a ver com as bandeiras defendidas pelo Novo, nós preferimos manter uma postura independente, de neutralidade, alinhada aos valores que sempre defendemos no Novo.

Segundo o João Amoêdo, a perda de metade dos filiados do Novo nos últimos meses tem a ver com essa posição da bancada e de outros mandatários do partido, de querer adotar uma postura “independente”. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

Discordo. O que eu ouço é exatamente o contrário: “Marcel, eu continuo acreditando no seu mandato, mas infelizmente estou me desfiliando do Novo por causa desse ou daquele posicionamento do partido e do João”. Tenho registradas inúmeras mensagens neste sentido, com críticas à postura de fazer a crítica pela crítica, sem oferecer soluções, às incoerências do partido em relação ao que defendia no passado, como o voto impresso, que passou a criticar nos últimos tempos, e à sua omissão em relação aos abusos do STF (Supremo Tribunal Federal). Isso tem gerado uma reação muito negativa internamente. Tivemos muitas desfiliações de pessoas sérias, que eu jamais chamaria de bolsonaristas e que jamais o serão, mas que não suportam a crítica gratuita ao governo ou a qualquer um, e que têm uma noção de contexto, do que antecedeu o Bolsonaro, do Lula e de tudo mais, para rechaçar qualquer aliança com esse passado recente tão negativo para combater quem quer que seja. Apesar de sermos o único partido que vive exclusivamente das doações dos filiados, eles estão muito distantes do processo de decisão e nunca ou quase nunca são ouvidos pela direção partidária.

Há dois ou três meses, um grupo formado por 40 dos 53 mandatários do Novo, do qual o sr. fazia parte, divulgou um documento de apoio à pré-candidatura do deputado federal Tiago Mitraud (MG) à Presidência da República, em vez de apoiar o João Amoêdo, que também se tornou candidato a candidato. Por que vocês decidiram apoiar o Tiago Mitraud e não o Amoêdo para disputar a Presidência em 2022?

O Mitraud é um quadro excelente do partido, um ótimo deputado federal, que foi considerado por dois anos consecutivos pelo Ranking dos Políticos como o melhor do País, e que representa aquilo que a gente busca nas eleições do ano que vem: a possibilidade de uma terceira via alinhada com os nossos valores. É um nome que traria unidade ao partido neste momento. Os críticos falam tanto que os mandatários do Novo são “bolsonaristas”, mas, de todos os deputados federais, o Tiago Mitraud, que foi apoiado pela maioria da bancada, é o único que declaradamente não votou no Bolsonaro no segundo turno, ao contrário do próprio João Amoêdo, e anulou o voto na eleição. Ele é o mais opositor ao governo dentro da bancada. Inclusive passou a apoiar o impeachment depois da decisão do partido em relação à questão. Apesar das nossas eventuais divergências, ele sempre soube construir pontes internamente e com o partido para mantermos a nossa independência. O Tiago é uma pessoa muito ética. Gosto muito dele.

Diante da pré-candidatura do Tiago Mitraud, o Amoêdo, que havia aceitado o convite feito por integrantes da Convenção Nacional do partido para ser o pré-candidato à Presidência, acabou anunciando a sua desistência da disputa uma semana depois. Como o sr. viu o recuo do Amoêdo?

Não falo com o João há praticamente um ano. Acredito que, quando ele viu que não havia conseguido construir uma candidatura dentro do partido com apoio da maioria dos mandatários que temos hoje, ficou desmotivado. O João foi convidado por convencionais do partido a ser pré-candidato num processo que ele mesmo considerou pouco transparente. Mas, ao mesmo tempo, o processo seletivo para a escolha do pré-candidato à Presidência continuou aberto. Então, ele disse que, como o partido não tinha fechado o processo de seleção antes de anunciar que ele era pré-candidato, não iria mais participar da disputa. Para mim, foi um equívoco. Ele poderia muito bem ter procurado construir a sua candidatura internamente e fazer o debate com o deputado Tiago Mitraud ou com quaisquer outros postulantes em prévias partidárias. A carta de apoio dos mandatários ao Tiago era um apoio informal e não impedia os signatários de apoiar outras candidaturas.

Por que o sr. é contra uma nova candidatura do João Amoêdo à Presidência?

Eu fiz campanha para o João na eleição passada e na eleição que vem vou buscar uma candidatura de terceira via. Não acho que a gente tenha que se resumir a Bolsonaro e Lula e se o Novo tiver candidato é óbvio que vou apoiá-lo. Eu não acho ilegítimo o direito do João de querer concorrer. Sempre digo que só não tem chance de ganhar quem não concorre. Agora, a meu ver, ele está mal assessorado tanto na estratégia de comunicação política, fazendo postagens no Twitter contra a própria bancada federal e os mandatários do partido, quanto eleitoral. Com isso, acabou passando uma imagem equivocada, que nunca deveria ser vinculada a ele: a de que pode ser o grande salvador da pátria e do Novo e que, para isso, basta fazer ativismo político nas redes sociais. Política é vida real, é diálogo, é conversa. Como é possível ele querer ser presidente do Brasil se nem no partido que ajudou a fundar está conseguindo construir uma unidade mínima? Além disso, confundir-se com a esquerda populista e corrupta que sempre combatemos, seja na forma de sua comunicação pouco propositiva, seja dividindo palanque na Avenida Paulista com sindicalistas e comunistas, passa uma imagem muito errada de quem nós somos e daquilo que o Novo sempre defendeu. Eu gostaria muito de ter o João Amoêdo de 2018 de volta.

Agora, o João Amoêdo se tornou, para o bem ou para o mal, conforme o ponto de vista, a face mais visível do Novo ao longo do tempo, até pela visibilidade que ele adquiriu em 2018. Quais são exatamente os pontos contrários a uma nova candidatura do João em 2022?

A mudança na postura pública dele de 2018 para cá, que eu comentei há pouco. Eu concordo que, ao longo dos anos, ele se tornou a face mais visível do partido, mas outros atores foram ganhando relevância à medida que o Novo foi crescendo: o (Romeu) Zema (governador de Minas), por exemplo, foi fazendo um mandato de excelência, e a bancada federal foi se destacando em Brasília. Talvez o João não tenha digerido isso muito bem. Ele sempre afirmou que não há salvadores da pátria, que precisamos trabalhar em equipe e que a instituição é mais importante do que seus membros. Fica, portanto, uma mensagem meio dúbia para quem olha de fora e mesmo para os filiados que sempre o admiraram. Alguns meses atrás, eu procurei um interlocutor do João e disse que estava disposto a conversar com ele para tentar ajudar a reverter a imagem negativa criada interna e externamente e, se ainda fosse possível, ajudá-lo a reconstruir uma eventual candidatura, nos moldes da que houve em 2018, da qual todos nos orgulhamos de apoiar. Infelizmente, até agora, essa minha tentativa não surtiu efeito e, de lá para cá, na minha opinião, a situação só se agravou.

A que o sr. atribui essa resistência do João Amoêdo em conversar para tentar resolver os problemas que surgiram no partido?

A impressão que dá é de que a dificuldade para construir a candidatura dele dentro do Novo, que é algo natural na política e em qualquer partido, mas que depende de diálogo e da busca de consensos para ser contornada, está sendo difícil de suportar para ele. Em vez do diálogo, está se trilhando um caminho supostamente mais fácil, por meio do expurgo de vozes dissonantes no que se refere à estratégia eleitoral, mesmo que elas estejam de acordo quando se trata da defesa dos princípios e valores do Novo. O problema é que, neste cálculo, ele não está se dando conta de que há um grande risco de o partido não conseguir superar a cláusula de desempenho. Porque, se o partido perder cinco, seis, sete deputados federais, será difícil conseguir eleger uma bancada relevante na Câmara no ano que vem. Claro que não é impossível, mas vai ser difícil e será um desperdício do esforço que foi feito no passado para chegarmos até aqui.

Em sua opinião, qual seria a melhor forma de o Novo superar essa crise e se unir em torno de um candidato à Presidência?

Focando nas candidaturas ao Poder Legislativo, que é onde conseguimos mudar a política no Brasil de forma equilibrada, consistente, e no longo prazo. Este, aliás, foi o planejamento anunciado pelo partido até pouco tempo atrás: ampliar a nossa bancada federal, superar novamente a cláusula de desempenho, mudar o Brasil através do Congresso Nacional. É claro que ter um candidato a presidente da República pode ajudar muito o partido a se tornar mais conhecido, mas essa candidatura também tem de ter como objetivo a eleição de mais deputados federais. A cada projeto ruim que conseguimos barrar nas comissões ou no plenário da Câmara, fico mais convencido de que este deve ser o caminho.

Neste cenário, com a aproximação das eleições, como vão ficar o sr. e os demais integrantes da bancada federal do Novo? Vocês terão legenda para participar do pleito? Terão de disputar novamente o processo seletivo interno para se candidatar à reeleição?

Pelo critério de seleção que foi instituído no partido, o mandatário não precisa passar por novo processo seletivo para disputar a reeleição, a menos que tenha alguma condenação na Comissão de Ética Partidária. Neste caso, estará nas mãos do partido a decisão final. Eu não tenho nenhuma condenação ou sequer processo na Comissão de Ética, mas precisarei ser aprovado na Convenção Estadual no Rio Grande do Sul, cujos convencionais são os próprios membros do Diretório Estadual e os presidentes dos Diretórios Municipais, todos autorizados a funcionar pelo Diretório Nacional.

No seu caso particular, com qual cenário o sr. trabalha? Vai se candidatar à reeleição pelo Novo?

O meu plano A sempre foi, e continua sendo, ficar no Novo. Como já falei também, eu entrei no Novo para um projeto de longo prazo.

Agora, segundo se comenta no partido, os dirigentes do Diretório Estadual do Rio Grande do Sul, que é o seu domicílio eleitoral, estão dizendo que não sabem se o sr. vai ter legenda para concorrer à reeleição, apesar de não ter processo no Conselho de Ética. Como isso é possível?

Com um veto ao meu nome na Convenção. Aí é que está o problema. Muitos mandatários e também pré-candidatos a cargos no Executivo estão inseguros hoje em relação ao que pode acontecer. Vários filiados que pretendiam se inscrever no processo seletivo não chegaram nem a fazê-lo, porque temiam ser vetados, por não apoiar o impeachment e a postura de oposição defendida pelo Diretório Nacional e pelo João. Mas, se por um lado eles não querem se colocar como oposição, por outro também não vão ser a favor do governo, não vão fazer campanha para o Bolsonaro. Querem ser independentes, como o Novo sempre foi. Em março, enviamos uma carta aos convencionais pedindo mais esclarecimentos sobre a diretriz que colocou o Novo na oposição, mas ainda não recebemos resposta. Espero que o processo seletivo esteja realmente andando bem, atraindo boas pessoas para a política para concorrer pelo Novo, mas vejo muita gente que poderia participar com dúvidas sobre a conveniência de fazê-lo.

Há uma “janela partidária” em março, quando será possível aos detentores de mandato mudar de partido. Esse processo de seleção de candidatos, as Convenções Estaduais, os casos pendentes na Comissão de Ética, cujos desdobramentos podem interferir nas candidaturas, tudo isso estará resolvido até lá?

Não, porque as Convenções são feitas depois da janela, já às vésperas da eleição, em julho.

Quer dizer que, se vocês ficarem no Novo e perderem a janela para trocar de partido, correrão o risco de não ter legenda?

Exatamente. Quem quiser concorrer de fato na próxima eleição e quiser ter segurança, enquanto o Novo não demonstrar claramente que vai ter espaço para quem é independente, como o partido sempre defendeu, pelo visto vai ter que procurar alternativa. Não tem jeito. Mas estamos trabalhando internamente para esclarecer esse ponto e garantir as candidaturas.

Imagino, então, que os mandatários do partido e outros possíveis candidatos sem mandato já estejam conversando com outras legendas. Quais as possibilidades que vocês estão avaliando para não correr esse risco?

É natural ouvir outros partidos que vêm espontaneamente nos procurar, principalmente desde que se tornou público esse racha no Novo. Isso é política. Agora, eu acredito que a melhor saída seria tentar achar uma solução conjunta. Porque nós temos uma unidade muito grande. A nossa bancada federal é reconhecidamente uma bancada unida. Temos algumas divergências, mas são muito pequenas perto da união que demonstramos desde o início do mandato. Isso vale também para os deputados estaduais, para os vereadores, para o Zema e para o Adriano (Silva), o nosso prefeito de Joinville (SC). Então, qualquer que seja a solução, espero que a turma de mandatários permaneça unida, o mais unida possível, de acordo com os ideais originais do Novo e com aquilo que defendemos na campanha de 2018. O problema de eventualmente ter de sair do Novo e escolher outra legenda é que os partidos variam muito de Estado para Estado. Tem partido que num Estado tem até uma estrutura razoável e em outro é dominado por pessoas totalmente desaconselháveis. Sem falar no investimento enorme de tempo e de recursos que todos os que hoje estão no Novo e tantos que já saíram fizeram ao longo do tempo nesse belo projeto. Mas eu sou otimista. Ainda tenho esperança de resolver isso internamente e me parece que isso passa por um amplo entendimento entre dirigentes, mandatários e filiados, Passa também por conversar com o próprio João e outros filiados e ex-filiados históricos e pela liderança do atual presidente do partido, Eduardo Ribeiro, que precisa de todo o apoio nesse processo.

Qual seria a solução conciliatória que poderia ser buscada para evitar essa ruptura?

Eu não consigo imaginar agora, porque quando você senta numa mesa para conversar tem coisas que aparecem que são imprevisíveis. O mínimo seria que o partido se abstivesse de fazer manifestações mais políticas no dia a dia, que é algo que a gente pede desde o início do mandato, sem conversar com a bancada federal. A bancada é a parte mais visível do partido, que dá a cara a bater e sente mais rapidamente as repercussões de qualquer decisão dos dirigentes. Muitas vezes, essas manifestações sobre o dia a dia acabam atrapalhando negociações importantes no Congresso. Então, acredito que o partido tem de cuidar de seu papel institucional de longo prazo, defender princípios e valores, fiscalizar os mandatários, os deputados, mas não ficar nessa comunicação de curto prazo. Faz meses que a gente pede uma reunião com o Diretório Nacional e só agora recebemos uma resposta em que eles solicitam a pauta para marcar o encontro. Na verdade, desde o início dos nossos mandatos, há quase três anos, nunca tivemos a oportunidade de conversar, os oito deputados federais com todos os membros do Diretório Nacional. A gente sempre apontou esse problema na comunicação do partido, mas a meu ver ele se intensificou com a saída do João da presidência.

Por que o sr. diz que o problema se agravou desde que o João Amoêdo deixou a presidência do Novo, em março do ano passado?

Porque, mesmo com ele afastado formalmente do cargo, as mesmas pessoas que coordenam a comunicação e as redes sociais do partido coordenam a comunicação e as redes do próprio João, o que é a meu ver um problema grave de conflito de interesse. O Eduardo Ribeiro, atual presidente do Novo, precisaria ter mais liberdade para poder tomar as decisões administrativas necessárias, mas ele sozinho tem dificuldade de fazer as coisas, por mais boa vontade que tenha. O Diretório Nacional, que tem apenas seis membros, teria de ser mais representativo da pluralidade de pensamento dos filiados. Hoje, há ainda um desequilíbrio, porque vários de seus integrantes são muito próximos pessoalmente do João. Um deles é o secretário de finanças do partido, Moisés Jardim, que é ex-sócio dele e já fez várias manifestações depreciativas em público contra mandatários e filiados, o que me parece uma postura inadequada. Já a Comissão de Ética Partidária, cujas decisões têm sido questionadas com alguma frequência e até mesmo revistas pelo Diretório Nacional, tem outro ex-sócio do João como coordenador, o Ronaldo Amaral, que recentemente não se declarou impedido de julgar um processo aberto contra o próprio João.

Muitos mandatários e filiados do Novo reclamam desse controle que o João Amoêdo exerce sobre a direção partidária.

Dá até para entender a escolha dessas pessoas para a direção partidária quando o Novo era pequeno, mas o partido hoje é muito maior do que há dez anos, quando foi fundado. Uma evolução na governança do partido seria muito bem-vinda. Talvez elas mesmas queiram dar chance a outras pessoas depois de tanto tempo contribuindo ao partido e de exposição em funções de direção. A renovação interna faz bem, ainda mais para um partido que defende a possibilidade de apenas uma reeleição para seus mandatários. Acredito que a criação de um conselho político de caráter consultivo que contasse com filiados, mandatários e dirigentes também poderia ajudar muito.

O empresário Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização do Ministério da Economia, que tem uma percepção semelhante à de vocês em relação ao papel exercido pelo João Amoêdo, estava empenhado em tentar organizar um partido liberal e conservador, como alternativa ao Novo e ao Bolsonaro, a partir de uma legenda já existente. O que o sr. pensa sobre disso?

Se isso se confirmar, é uma boa tentativa. Sou completamente a favor de termos o maior número de alternativas partidárias liberais na política. O Salim é uma pessoa que eu admiro muito, que atuou durante muitos anos na iniciativa privada e, tendo passado pelo governo, agora está querendo se dedicar à política. Vamos ver o que acontece.

Como o sr. avalia a aproximação do João Amoêdo com o MBL (Movimento Brasil Livre) e com o VPR (Vem Pra Rua)? O sr. acredita que esses movimentos, que não atuam por meio de uma única legenda e apresentaram candidatos por vários partidos em 2018 e em 2020, poderão se unir ao Novo em 2022?

Isso me parece um tanto incoerente com o discurso de quando o João era presidente do Novo. Na época, foram baixadas resoluções impedindo a participação de candidatos em movimentos de renovação política. Nas eleições de 2018 e mesmo nas de 2020, havia diretrizes partidárias muito restritivas e até a proibição do uso das marcas de movimentos como MBL, VPR, Livres, Renova, em materiais de campanha. Felizmente, parte das restrições caiu. Então, de certa forma, vejo como uma evolução aceitar que esses grupos hoje são parte relevante do cenário político atual e que parcerias eventuais ou permanentes com eles sejam consideradas naturais. No caso específico das manifestações do dia 12 de setembro, porém, eu pedi publicamente, após solicitar o mesmo, sem sucesso, à Direção Nacional do Novo, que o partido não apoiasse mais os atos com participação da esquerda. Considero a estratégia completamente equivocada. A crítica ao Bolsonaro não deve levar os filiados do Novo ao mesmo palanque em que estão comunistas e sindicalistas. Se a proposta é defender uma terceira via, é preciso seguir aquilo que sempre fizemos: defender ideias, propostas e ter atitudes com visão de longo prazo. Quanto à possibilidade de integrantes desses movimentos, como MBL, VPR, Livres e Renova, unirem-se ao Novo em 2022, acredito que, se o foco for um Brasil melhor, mais livre economicamente, centrado no cidadão e no combate à corrupção, eles serão bem-vindos.

Estadão Conteúdo

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