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Política & Poder

Mulheres (de Atenas) da Paraíba

Elas são orgulho e graça da raça que enfrenta, desafia ameaças e calamidades

Gustavo Mariani

24/09/2023 7h33

Glauce Maria Navarro

Nono Estado mais pobre do país – à frente de Alagoas (8), Piauí (7), Rondônia (6), Sergipe (5), Tocantins (4), Amapá (3), Acre (2) e Roraima (1) -, de acordo com o último levantamento do IBGE- Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico – o território paraibano tem 54,6% da sua população vivendo em situação de pobreza. Dos R$ 8,7 trilhões de reais produzidos pela riqueza nacional e apurados pelo último censo – o resultado de de 20022 ainda não foi divulgado – , os paraibanos entraram só com R$ 68 bilhões.

Mas isso não é só de agora. Ao longo da história política brasileira os paraibanos estiveram, sempre, entre os menos favorecidos. Mas não deixaram de formar elite rural, formada pelos que apoiavam o Império dos Orleans e Bragança, desde que D. Pedro I lhe garantisse a posse da terra e a mão de obra escrava, o que não alinhou a Paraíba a Pará, Maranhão, Piauí, Bahia e a Província Cisplatina (hoje, Uruguai), quando o país tornou-se independente de Portugal, contra o desejo dos cinco citados acima.

A elite rural paraibana não via o mundo só por olhos que se limitavam às suas cercas, embora, até 1784, a elite masculina fosse socialmente repressora, de maneira que, para a esposa visitar uma amiga, impreterivelmente, teria de pedir autorização ao marido. Autorizadas, vestiam-se à francesa, com roupas exagerando nos babados que lhes desciam até a cintura. Não dispensavam chapéus com plumas e nem saias com molas de aço. Suas roupas não deixavam os pés à mostra, pois mostrá-los seria vergonhoso. Por terem maridos ricos, estes mandavam empregados carregavam-nas, em redes, para não serem vistas, publicamente. Chegadas ao destino, sentavam em tapetes nas salas das mulheres – havia, também, a sala dos homens. Até 1852, lhes era negado, peremptoriamente, reclamar, protestar, xingar, ou mesmo pensar, ler e escrever. Direitos só de rezar e cozinhar.

Mesmo presas a tais amarras sociais, mulheres da elite paraibana tiveram educação esmerada, sobretudo as do século 19, quando as suas ricas famílias de fazendeiros as encaminhavam para estudar na Europa, de onde voltavam poliglotas e dominando algum instrumento, ao ponto de deixar incrédulo entendidos em músicas que as ouvia executar peças dos grandes mestres. Muitas das invejáveis mulheres paraibanas de finais de monarquia e inícios de era republicanas tornaram-se “primeiras-dama “e tiveram papel social relevante durante os governos dos maridos. Entre tantas, não se pode esquecer de Amélia Machado Coelho da Costa, dedicada à caridade e aos estudos da música e da numismática; Amanda Brancante Machado, exímia pianista que tocava Abdon Milanez e Carlos Gomes à perfeição; Maria Isabel Fogueira Machado, que estudou na Alemanha e falava, fluentemente, além do alemão, o francês. Também, exímia pianista, era perfeita executante de Carlos Gomes e de Artur Napoleão; Alice de Almeida Carneiro, que vivia com o povo, criando maternidades, hospitais e apoiando a mãe pobre. Criou a merenda escolar nas escolas primárias; Ana Alice de Melo Almeida (foto 1), que desenvolveu programas sociais de grande dimensão dentro da Legião Brasileira de Assistência-LBA, tendo por isso sido adorada pelas camadas mais pobres da população paraibana a quem entregou hospitais, creches, casas de apoio à criança e, também, por atuar no enfrentamento às calamidades públicas; Sílvia Tinoco Marques Godim, que cursou mestrado na Inglaterra para trabalhar no Departamento de Letas da Universidade Federal da Paraíba. Atuando na LBA, evitou fazer política paliativa de caridade. Além dessas, ainda foram brilhantes Berenice Coutinho, Mirtes Sobreira, Lourdes Cavalcanti, Lucia Navarro, Miriam Cabral e Maria Luiza Targino, damas de fino trato e devotado amor pela causa social.

Duas outras destacadas primeiras-damas paraibanas foram cariocas, pois era comum parlamentares paraibanos (do Império e da República) casarem-se com moças de famílias do Rio de Janeiro (onde atuavam) casos, por exemplo, de Mary Pessoa e de Judith Caruzo Gomes (foto 2), que vestiram a camisa da Paraíba e prestaram grandes serviços sociais ao seu povo. A Caruzzo foi o que se pode chamar de Anita “Garibaldi” paraíbana. Ao casar-se com o médico e futuro governador paraibano José Gomes da Silva, ela trocou a praia e todas as festividades do Rio de Janeiro para, em 1930, lutar ao lado do marido, chefe político de Itaporanga, contra a temível coluna do coronel José Pereira Lima, rebelado contra o governo estadual. O Gomes da Silva, que ainda não era governador, mas apoiador do governador João Pessoa, levantou o seu povo em armas e sustentou luta, de cinco horas, até expulsar os rebeldes. Judith Caruzzo foi para o front da guerra, levando alimentação aos que lutavam e, ainda, atuando como enfermeira. Foi guerreira, também, em 1932, trabalhado contra contra estiagem que assolou a Paraíba, não se intimidando contra as agruras do tempo para minorar o sofrimento dos flagelados.

Mais recentemente, uma outra brilhante “primrias dama” paraibanas foi Glauce Burity (foto 3), fazedora de grandes trabalhos sociais na Paraíba, sempre dizendo que não lutava pelos menos favorecidos por piedade, mas porque era preciso combater tudo o que fazia o país dormir na pobreza. Além dessa sua busca pela justiça social, é uma intelectual que produziu vários trabalhos sociológicos de grande valor, entre eles sobre a mulher na obra sociológica de Gilberto Freyre; a presença dos franceses na Paraíba e o menor no trabalho na Paraíba. Criou a Campanha de Assistência ao Menor Carente e não deixou que esta tomasse sentido assistencialista. Cursou mestrado em História e aprimorou-se em língua francesa, em Genebra, na Suiça, quando por lá morou e o marido cursava aprimoramento em Medicina.

Estado pobre, a Paraíba, no entanto, em seu passado recente, jamais teve “primeiras damas” dondocas, barbies e nem deslumbradas que corriam para sair em fotos ao lado do cantor brega espanhol Julio Iglesias. Também, nunca foram “eminência parda” do governo do marido, como uma que desagradava a todo o regime militar e, pra piorar, obrigou o general-presidente a lançar Paulo Maluf na política – viva as bravas mulheres da Paraíba!

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