JORGE ABREU
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Entidades da sociedade civil e movimentos sociais manifestaram, em carta, a preocupação com “uma indesejada militarização” da COP30, a conferência sobre mudanças climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas), que será realizada entre 10 a 21 de novembro, em Belém.
O documento foi protocolado, nesta semana, ao MPF (Ministério Público Federal) com “objetivo de alertar para os riscos e as inconstitucionalidades decorrentes da eventual militarização das ações de segurança pública durante a realização da COP30”.
Assinam a carta: SDDH (Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos), Cedenpa Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará, ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e Terra de Direitos.
A organização da COP30 disse, em nota, que a segurança do evento é considerada prioridade absoluta pelo governo brasileiro e que os preparativos avançaram em um modelo de integração entre órgãos federais, estaduais e municipais.
O comunicado afirma que o Brasil tem larga experiência na condução de grandes eventos internacionais, como a Copa do Mundo de 2014, os Jogos Olímpicos de 2016, a presidência do G20 em 2024 e, atualmente, a presidência do Brics.
A nota diz, ainda, que o país enfrentará o desafio de equilibrar a proteção de Belém e dos participantes com a garantia da liberdade de expressão durante manifestações da sociedade civil, assegurando atos livres e pacíficos, sem uso ostensivo das Forças Armadas nas ruas.
O grupo que assina a carta reivindica a adoção de medidas, por parte do MPF, que assegurem a plena e legítima participação da sociedade civil, movimentos sociais, povos indígenas, quilombolas, ativistas e demais defensores de direitos humanos no evento.
As entidades compõem a comissão política da Cúpula dos Povos, que será realizada também em novembro, na UFPA (Universidade Federal do Pará), com programação paralela da sociedade civil à conferência da ONU, que espera ser a maior em participação popular.
Segundo o grupo, o possível decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) na modalidade “segurança de eventos” durante a COP30 pode comprometer o diálogo, a transparência e a diversidade de vozes. Ações desse tipo ocorreram na Copa do Mundo, Cúpula do Brics e G20.
Iury Paulino, da coordenação nacional do MAB, destaca que a militarização nesse momento é preocupante diante de casos e situações recentes de violência contra povos tradicionais, comunidades, bairros periféricos e demais populações em vulnerabilidade.
“É necessário ter uma sensibilidade maior do governo, das forças de segurança, para entender o momento histórico que nós vivemos e a importância da questão ambiental, do debate da crise climática e o contexto e a relevância que o Brasil ganha essa COP na Amazônia”, frisou.
“A nossa preocupação com a possibilidade da decretação de GLO se dá pelo fato da gente ter a expectativa da COP30 ter uma extensa representação da sociedade civil organizada. Somos contrários a essa medida”, completou Paulino.
Para Bruna Balbi, assessora jurídica na Terra de Direitos, o decreto de GLO deve ter um caráter estritamente excepcional, subsidiário e sob controle civil. Dessa forma, as Forças Armadas só podem atuar em apoio às forças de segurança pública, como as Polícias Federal, Militar e Civil, e apenas quando essas instituições estiverem esgotadas ou incapazes de agir.
“Em vez de garantir direitos, as operações de GLO têm servido como mecanismos de repressão e intimidação. Nós tivemos exemplos disso no G20 e em comunidades como a Maré, no Rio de Janeiro, onde as ações resultaram em violações graves, mortes e restrição de direitos”.
Ela enfatiza que essa situação tem que ser limitada, temporária e supervisionada pelos demais poderes e pela sociedade. Na prática, esse controle social quase nunca acontece. As experiências anteriores elas têm mostrado justamente o contrário.
“O uso da GLO durante a COP30 seria uma contradição evidente. A gente está falando de um evento que se apresenta como espaço de participação, diálogo público e escuta da sociedade civil e não como ambiente de contenção e controle”, declarou.
“Militarizar a COP30 significa negar o próprio espírito da conferência e transformar o momento de construção coletiva em um cenário de vigilância e medo. Além disso, não existe justificativa prática para esse tipo de medida”, finalizou a assessora jurídica.