ANA POMPEU
FOLHAPRESS
A indicação de Jorge Messias pelo presidente Lula (PT) para a vaga aberta no STF (Supremo Tribunal Federal) consolida a tendência de perfil mais político da corte.
Antes mesmo do anúncio, realizado nesta quinta (20), a lista de cotados já indicava a mudança na forma como Lula tem feito suas escolhas para o tribunal. Neste mandato, o presidente indicou os ministros do STF pela proximidade e confiança pessoal que deposita neles, além do alinhamento de princípios.
Com a saída de Luís Roberto Barroso, aposentado de forma antecipada em outubro, os nomes mais cotados não incluíram juristas reconhecidos, advogados renomados ou figuras com longa e forte carreira jurídica, como desembargadores ou ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Nas duas últimas vagas preenchidas, Lula escolheu dois nomes de sua confiança: Cristiano Zanin, que foi seu advogado, e Flávio Dino, que foi juiz por 12 anos antes de ocupar cargos eletivos desde 2007.
Um interlocutor do STF ouvido sob reserva afirma que a avaliação é a de que a era dos juristas na corte passou. Ainda que com razões jurídicas nas decisões, as repercussões políticas são cada vez mais consideradas, com os julgamentos se tornando mais políticos.
Pesam para isso os reveses que Lula e o PT tiveram com escolhas anteriores, depois de julgamentos do mensalão e da Lava Jato, incluindo as decisões que acarretaram em sua prisão por 580 dias depois anuladas por suspeição do então titular da 13ª Vara de Curitiba, Sergio Moro, no processo.
Esses grandes processos se somaram também ao caso da trama golpista de 2022 e mudanças na correlação de forças entre os três Poderes para projetar ainda mais o Supremo para a cena política.
O chefe da AGU (Advocacia-Geral da União) se tornou o preferido após se consolidar como a principal referência jurídica do governo, chamado pelo presidente a opinar inclusive em temas políticos.
Messias era o principal nome para assumir a cadeira do Supremo desde que Barroso anunciou a antecipação de sua aposentadoria. O ministro da AGU, no entanto, enfrentava a resistência de ministros do STF, que preferiam a indicação do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a vaga.
O favoritismo ocorreu também pelo papel como interlocutor do governo com os evangélicos, segmento que apoia majoritariamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Fiel da Igreja Batista, Messias é diácono de uma congregação em Brasília e inclui trechos bíblicos em discursos e publicações de redes sociais. Foi o único AGU a representar o presidente na Marcha para Jesus.
Messias não é filiado ao PT, mas também construiu carreira e conquistou confiança pela atuação junto a quadros da sigla, desde que foi consultor jurídico de ministérios. No governo Dilma Rousseff, foi subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil.
Assim, o perfil dele é considerado híbrido entre o direito e a política, por juristas e integrantes do governo.
Já Pacheco, ex-deputado e ex-presidente do Senado, é um nome direto da política. Ele construiu nos últimos anos relação de proximidade com boa parte dos ministros do STF ainda que tenha feito acenos ao bolsonarismo no governo anterior.
Pacheco passou a frequentar a casa de ministros quando se tornou presidente do Senado e barrou pedidos de impeachment de integrantes da corte, o que o fez manter bom trânsito no Judiciário mesmo após deixar a presidência da Casa o mandato de senador vai até janeiro de 2027.
Lula quer que ele concorra ao Governo de Minas Gerais, mas a tendência é que o mineiro deixe a vida pública e volte a atuar exclusivamente como advogado.
Nos três mandatos, contando com Messias, Lula indicou 11 ministros do STF. Nos dois primeiros governos, o presidente costumava ouvir seu então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para definir as vagas. Nelson Jobim (ex-Defesa) e Tarso Genro (ex-Justiça), além de José Dirceu (ex-Casa Civil), também eram consultados. Agora, a decisão não é mais terceirizada.
Durante a primeira temporada no Palácio do Planalto, entre 2003 e 2011, dos três primeiros nomes, o presidente se reuniu apenas com um deles antes da definição: Carlos Ayres Britto. Lula não chegou a conhecer pessoalmente Cezar Peluso ou Joaquim Barbosa antes do anúncio.
Em décadas anteriores, apesar do apoios políticos, a relevância de candidatos no mundo do direito indicava ser fator de peso.
Mesmo quem não era acadêmico, como Rosa Weber, vinha de tradição da respeitabilidade adquirida no meio jurídico. Já Barroso era um destacado professor de direito constitucional e se tornou conhecido por sua atuação acadêmica e profissional no direito.
Uma das exceções foi Dias Toffoli, que fez carreira como advogado de sindicatos, de Lula nas campanhas eleitorais e do partido antes de ser nomeado AGU e, em 2009, escolhido pelo STF.
Miguel Godoy, advogado e professor de direito constitucional da UnB e da UFPR, afirma que a escolha de Messias, assim como a de outros cotados para a atual vaga, consolida essa percepção.
“O traço mais marcante dessa escolha será o de consolidar um Supremo Tribunal Federal com perfil predominantemente político-jurídico, e não jurídico-político. Ou seja, uma corte composta por figuras cuja trajetória se construiu mais na arena do Executivo e do Legislativo do que nas instituições clássicas do sistema de Justiça, como a magistratura, o Ministério Público, a Defensoria ou a advocacia privada”, diz.
Para além dos históricos e estilos dos cotados, Godoy entende que isso repercutirá na atuação do tribunal a partir da nova composição. “Isso tende a acentuar a vocação do STF como espaço de articulação institucional e mediação política, mais do que como foro de tecnicidade jurídica pura. É uma guinada que reforça o papel do tribunal como ator político de primeiro plano na democracia brasileira”, afirma.