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Política & Poder

Mensagens mostram negociação informal e paralela entre ex-diretor da Saúde e vendedora de vacinas

Trocas de mensagens, revelam que negociações começaram antes, sem registros oficiais —indicando uma pressa da pasta em acelerar as conversas

Redação Jornal de Brasília

06/07/2021 7h33

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Constança Rezende
FolhaPress

Trocas de mensagens obtidas pela Folha mostram uma negociação informal e paralela do Ministério da Saúde com a Davati Medical Supply antes mesmo de a empresa apresentar proposta oficial ao governo Jair Bolsonaro para o fornecimento de vacinas contra a Covid-19.

As conversas não oficiais envolvem Roberto Ferreira Dias, exonerado no último dia 29 da função de diretor de Logística do Ministério da Saúde, Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil, e Marcelo Blanco, coronel da reserva e ex-assessor de Dias no Ministério da Saúde.

Em uma das conversas, Blanco cita Luiz Paulo Dominguetti, intermediário da Davati nessas negociações, que afirmou em entrevista à Folha na dia 29 ter recebido um pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina por parte de Dias, em um restaurante num shopping em Brasília, em 25 de fevereiro deste ano.

A versão foi repetida em depoimento à CPI da Covid na última quinta-feira (1º). Demitido horas após a publicação da entrevista à Folha, Dias nega a acusação.

Na manhã de 26 de fevereiro, Herman Cardenas, CEO da Davati nos Estados Unidos, encaminhou por email a Dias uma proposta formal para o fornecimento de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca —que nega ter dado autorização para a oferta.

Naquela tarde, houve uma reunião no ministério para tratar do assunto, com a presença de Dominguetti, denunciante do pedido de propina.

As trocas de mensagens, no entanto, revelam que as negociações começaram antes, sem registros oficiais —indicando uma pressa da pasta em acelerar as conversas, enquanto, como mostrou a CPI da Covid, houve lentidão por parte do governo nas tratativas feitas diretamente com laboratórios, como ocorreu com a Pfizer.

No dia 3 de fevereiro, Dias entrou em contato com Cristiano, por mensagem de WhatsApp, às 19h10, apresentando-se como diretor de Logística do ministério.

Depois disso, os dois trocaram mensagens, Dias fez ligações para Cristiano e disse que estava aguardando o seu contato. Não atendido, mandou uma nova mensagem, dizendo, no mesmo minuto, “quando puder me ligue”.

Em 4 de fevereiro, às 11h53, Cristiano encaminhou para o WhatsApp de Dias documentos sobre autorização para a venda de vacinas. Um deles tinha o título “Gov_Hos Letter of Authorization (2) (1).docx, outro “LOI Vaccine Template.docx”.

Após isso, Cristiano mandou: “Bom dia, Roberto. Desculpe, estava negociando para o MS Brasil. O preço ficou US$ 12,51 por dose FOB (Europa). Preciso da LOI e Gov Authorization”’. Em seguida, Carvalho lhe encaminhou um documento de título “AstraZeneca_3E_Procedures_Price.pdf”.

Em 9 de fevereiro, eles conversaram novamente, e Dias ligou três vezes para Cristiano e não foi atendido. Então escreveu: “Quando puder retorne. Obrigado”.

Às 18h41 do mesmo dia, Cristiano mandou uma mensagem de áudio de 20 segundos a Dias. Às 20h11, o então diretor do Ministério da Saúde telefona por duas vezes para o representante da Davati no Brasil. Não é atendido e, em seguida, escreve “quando puder retorne”.

Procurado, Dias afirmou à Folha que “os contatos com o senhor Cristiano já haviam sido confirmados e nunca omitidos”.

“Inclusive, conforme os prints [das conversas] demonstram, me identifico formalmente com nome e cargo. As ligações com pouco tempo entre elas mostram conhecido desencontro entre ligações de WhatsApp quando duas pessoas se ligam simultaneamente.”

?”As ligações se devem ao momento em que tomei conhecimento da existência do quantitativo de vacinas e tinham o cunho de esclarecer a existência ou não das doses”, disse.

A Folha também teve acesso a conversas de Cristiano Carvalho com o coronel Blanco, que foi assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde e depois diretor eventual do setor.

Segundo Dominguetti, Blanco estava presente ao jantar de 25 de fevereiro em que, diz, foi feito o pedido de propina por parte de Dias. Conforme revelou o Painel, da Folha, na véspera daquele encontro, Blanco abriu uma empresa de representação comercial de medicamentos.

O coronel se apresentou ao representante da Davati em mensagem enviada na tarde de 1º de março, dizendo que quem passou seu contato foi Dominguetti.

“Cristiano, boa tarde! Aqui é Blanco, ligo aqui de Brasília, e seu contato me foi passado pelo Dominguetti. Tentei contato agora pra entrarmos juntos numa ligação com o Roberto, pois recém falei com ele. Aguardo um ok pra retomar a ligação. Abraço”. Minutos depois ele escreve “podemos fazer uma call”.

Cristiano, em seguida, manda um print para Blanco com o email encaminhado pelo CEO da Davati a Dias, no dia 26 de fevereiro, com a proposta de venda de vacinas e uma série de documentos da empresa.

Blanco respondeu: “Já vi aqui” e encaminha um print com a resposta de Dias ao email do diretor da Davati, pedindo documentos à empresa, ao que Cristiano agradece.

No dia 3 de março, Cristiano encaminhou mais documentos e em uma das mensagens, Blanco escreve “Vc enviou isso no email do Roberto?”, ao que o empresário responde que isso foi feito.

Em uma das mensagens, ele avisa ao militar que fica em São Paulo, “caso o Dias queira conversar pessoalmente”, ao que Blanco responde “ok”.

No dia seguinte, pela manhã, Cristiano escreve: “Bom dia Blanco, fico no seu aguardo. Nesta FCO a pronta entrega, possuímos US$ 0,20 de comissionamento. Abraços”. Em seguida ele completa: “Pagamento do lote diretamente à Astrazeneca França, Davati remunera comissionados”.

Blanco responde “bom dia, estarei com ele hj pela manhã”, e Cristiano retorna com uma figurinha do presidente Bolsonaro fazendo um sinal de positivo com a mão.

À tarde, eles voltam a se falar: “Boa tarde Blanco, temos algum andamento por parte do Dias?”, ao que o militar responde: “Boa tarde. Aguardando um retorno dele”.

Cristiano responde “que desânimo, Blanco!” e o militar afirma: “Entendo, não é confortável essa demora, mas preciso aguardar um retorno. Tb gostaria muito que ocorresse uma solução mais rápida e positiva”.

Blanco afirmou que não se recorda fielmente dessas mensagens, pois são antigas.

“Mas, relendo agora, parece que o Cristiano da Davati estava se referindo à comissão que a empresa dele receberia, para distribuição interna da sua empresa. Inclusive, esta informação foi dada na CPI pelo Sr. Dominguetti”, disse.

Questionado por que começou a conversar com Cristiano e como chegou até ele, o militar não respondeu.

Cristiano disse que se pronunciaria por meio da assessoria de imprensa da Davati. Em nota, a empresa afirmou que os advogados, do escritório Silveiro Advogados, estão analisando o caso.

“Em relação à proposta de intermediação na venda de vacinas, consigna-se que não houve concretização de venda no país por não se ter recebido manifestação de interesse de compra por parte do Ministério da Saúde. A empresa estará à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos juridicamente necessários, certa de que não houve, de sua parte, qualquer procedimento indevido.”

O ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), Wagner Rosário, afirmou que abriu uma investigação para apurar o caso e entender melhor o que aconteceu no encontro no shopping.

Dias, que foi exonerado do cargo após o relato de Dominguetti à Folha, foi o responsável por aprovar e autorizar a reserva de R$ 1,61 bilhão para o pagamento pela vacina indiana Covaxin, que está sendo investigada pela CPI da Covid no Senado.

O ex-diretor destravou o dinheiro em 22 de fevereiro deste ano, em um momento em que faltavam documentos básicos para o negócio, como contrato e regularidade fiscal na Índia.

Dias foi nomeado na direção da Saúde por Luiz Henrique Mandetta no início do governo Bolsonaro e mantido por seus três sucessores.

Ele foi apresentado à Mandetta pelo ex-deputado e então assessor da Casa Civil, Abelardo Lupion (DEM-PR). O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) também é apontado como um dos fiadores da indicação de Dias. O congressista nega.

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