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Política & Poder

Melhora no desenho do Auxílio Brasil pode bancar benefício para crianças

Auxílio Brasil, programa que substituiu o Bolsa Família estabeleceu um piso de benefício sem considerar a composição das famílias

FolhaPress

11/12/2022 13h05

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Douglas Gavras
São Paulo, SP

A melhora no desenho do Auxílio Brasil pelo próximo governo poderá aumentar o benefício para crianças menores de seis anos ou incluir mais de 2 milhões de lares no futuro Bolsa Família, segundo especialistas.

O Auxílio Brasil, programa que substituiu o Bolsa Família no fim de 2021 e que estabeleceu um piso de benefício sem considerar a composição das famílias, tem levado a um aumento artificial do número de lares cadastrados com apenas uma pessoa.

As chamadas famílias unipessoais subiram de 2,23 milhões em dezembro do ano passado para 5,32 milhões em setembro deste ano.

Os cálculos são da pesquisadora Leticia Bartholo, ex-secretária Nacional Adjunta de Renda de Cidadania, a partir de dados do Ministério da Cidadania.

Os 5,321 milhões de famílias com uma só pessoa representam 25,7% do universo de 20,353 milhões de beneficiários. Antes, em dezembro, elas eram cerca de 15%, já em um patamar superestimado.

Uma projeção cautelosa aponta que o número atual deveria ser de 3,1 milhões de domicílios unipessoais –2,2 milhões a menos que em setembro. Se considerado o benefício de R$ 600 recebidos por 12 meses, são cerca de R$ 16 bilhões ao ano gastos com o pagamento duplo para as famílias.

Com o mesmo valor, o auxílio poderia ser dado para mais 2,2 milhões de famílias –ou pagar um benefício adicional de R$ 150 para cada criança de até seis anos que esteja no programa, como propõe a equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Houve um movimento, que acontece mais entre homens a partir dos 25 anos. Um homem em situação de extrema pobreza tem direito ao benefício, mas a situação de pobreza e extrema pobreza é avaliada a partir da condição per capita familiar. Isso indica que tem famílias recebendo duplamente, enquanto outras que poderiam entrar estão sem o benefício”, diz Bartholo.

Em entrevista recente à Folha de S.Paulo, a ex-ministra Tereza Campello confirmou que a maior parte das divisões artificiais tem se dado entre homens, o que prejudica as mães solo que dependem do benefício.

Bartholo explica que o número de domicílios unipessoais já crescia antes, primordialmente a partir de 2017, e é preciso avaliar o quanto disso é efeito da recessão econômica, os jovens vão crescendo e se cadastram no programa para garantir o mínimo de renda.

Mas não houve um salto semelhante no número de domicílios com apenas uma pessoa entre os brasileiros de baixa renda, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que eram de 7,7% em 2021. “Só que é preciso reforçar que o erro não é das famílias que estão tentando sobreviver, mas da formulação equivocada da política pública”, diz.

A maior procura pelo programa de transferência de renda tem explicação. Na sexta-feira (2), o IBGE divulgou que pobreza e extrema pobreza atingiram patamares recordes no país em 2021.

62,5 milhões de pessoas eram consideradas pobres no país –ou 29,4% da população total. Dessas, 17,9 milhões viviam em situação de extrema pobreza.

Em agosto, o Auxílio Brasil passou de R$ 400 para R$ 600, até dezembro. O governo Jair Bolsonaro (PL), no entanto, não garantiu a continuidade do benefício de R$ 600 a partir de 2023, o que também foi considerado à época como uma medida eleitoreira.

A continuidade do benefício em R$ 600 é uma das metas mais importantes da equipe petista, que para isso negocia a chamada PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição.

Segundo o Ministério da Cidadania, a pasta iniciou uma ação específica para tratamento das famílias unipessoais em setembro deste ano, antes das eleições. “Conforme Instrução Operacional nº 1/2022, o processo de focalização do Programa Auxílio Brasil incluiu dois novos públicos, compostos por famílias unipessoais que, em sua maioria, apresentam data de ingresso recente no Cadastro Único”, informa.

Sobre a atualização do CadÚnico, a nota do ministério também aponta que a pasta priorizou, junto à Dataprev, um processo para tratamento de todo o público do Cadastro Único.

REDESENHO DO BOLSA FAMÍLIA É URGENTE, DIZEM ESPECIALISTAS

A avaliação dos especialistas é a de que o futuro governo do presidente Lula terá de redesenhar as regras do programa, que voltará a se chamar Bolsa Família.

Na visão deles, o novo governo precisa reconstruir o programa, não apenas mudando seu nome, mas refazer as regras e reforçar o que tinha dado certo antes.

A mudança no Bolsa Família gerou uma perda de qualidade do Cadastro Único (CadÚnico), vinda do cadastramento apressado do Auxílio Emergencial durante a pandemia, avalia Marcelo Neri, da FGV Social.

A equipe de Neri estima que a ineficiência do Auxílio Brasil leva a um desperdício de até 55% dos recursos. “Redesenhando o programa dando mais para quem tem menos torna possível fazer até duas vezes mais. Não é criar um programa genial, mas fazer o que já fazia antes. Quem dizia que o Auxílio Brasil seria um Bolsa Família 2.0 entregou uma involução.”

“O programa Bolsa Família não tinha ‘família’ no nome por acaso, houve um desvirtuamento. O adicional de R$ 150 para crianças de 0 a 6 anos proposto por Lula melhora bastante a focalização, mas não tira o incentivo de fragmentar as famílias.”

O programa também trouxe benefícios auxiliares, como a Bolsa de Iniciação Científica Júnior, o Auxílio Esporte Escolar, o de Inclusão Produtiva Rural, de Inclusão Produtiva Urbano e o Benefício Compensatório de Transição.
Embora considerem algumas das iniciativas interessantes, os especialistas criticam falhas na implementação e o desvirtuamento da política de transferência de renda.

“Dado que alguns desses auxílios atendem a um percentual pouco expressivo da população, seria muito mais adequado fazer uma previsão orçamentária, mantendo características do Bolsa Família: considerando a composição familiar”, diz Bartholo.

É preciso valorizar a atualização de cadastro e o acompanhamento via Cras (Centro de Referência de Assistência Social), diz Tatiana Roque, vice-presidente da Rede Brasileira de Renda Básica e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

“Os programas auxiliares também têm de ser revistos. O de iniciação científica para os jovens pode ser um programa interessante, mas não é transferência de renda. O governo atual juntou várias coisas que não faziam sentido com o programa original.”

Ela diz que o próximo governo Lula começa com o desafio de melhorar a infraestrutura dos Cras, que foram praticamente desmontados nos últimos anos. “O governo atual optou por um cadastramento virtual, o que até poderia fazer sentido durante a pandemia, mas não agora. O Cras precisa de investimento, por ser a ponta da política social em relação à população vulnerável.”

Nos últimos meses, a imprensa tem noticiado o aumento da dificuldade de atendimento e de novos cadastros de beneficiários, levanto cerca de 20 dias para que o agente digitalize o cadastro de um cidadão que quer se inscrever no Cadastro Único, conforme estimativa da Rede Brasileira de Renda Básica.

Ainda que manter o benefício em R$ 600 tenha sido uma das principais promessas da campanha petista, também é preciso retomar o acompanhamento de presença escolar e vacinação infantil, dizem os especialistas.

Reportagem da Folha também mostrou que o grupo técnico da transição de Desenvolvimento Social e Combate à Fome não descarta os interesses eleitoreiros que estariam por trás das falhas de formulação do Auxílio Brasil.

Na última semana, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) e o ex-ministro Aloizio Mercadante disseram à imprensa que a população foi induzida a erros de cadastramento e a inclusão apressada de beneficiários e o desenho equivocado podem, na verdade, configurar abuso de poder econômico por parte do governo Bolsonaro.

Na sexta-feira, o jornal “O Globo” teve acesso a um parecer do TCU (Tribunal de Contas da União) que aponta falhas no ingresso de 3,5 milhões de famílias no programa em agosto, dois meses antes das eleições, sob o pretexto de zerar a fila.

A conclusão dos auditores foi de que o programa não contribui para a redução da pobreza, privilegia as famílias unipessoais e prejudica as que têm crianças. Eles também devem recomendar que o futuro governo redesenhe o programa e regularize o Cadastro Único.

Segundo a Folha apurou, o assunto tem relatoria do ministro Augusto Sherman, e o processo foi incluído na pauta da sessão plenária prevista para quarta-feira (7). “Até o momento, não há decisão do Tribunal e os documentos não estão públicos”, diz a Secom do TCU.

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