Visitas a templos, fotos com padres, cartas a fiéis e uma chuva de desinformação: o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão lutando de todas as formas possíveis para conquistar o decisivo eleitorado cristão às vésperas do segundo turno, no domingo (30).
Os esforços para conquistar este voto, no que a imprensa chamou de uma “guerra religiosa”, não são arbitrários.
No Brasil, com 215 milhões de habitantes de maioria católica, mas com uma influência crescente dos fiéis das igrejas evangélicas – um terço do eleitorado -, 59% consideram a religião importante para decidir o voto, segundo o instituto Datafolha.
“Trazer o debate para o campo da religião, de costumes, desloca a coisa para um campo onde eu posso aumentar mais facilmente a rejeição do meu adversário com assuntos que apelam mais ao emocional”, explicou à AFP Leandro Consentino, cientista político do Insper.
Bolsonaro, que está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, ainda que por uma pequena margem, conta com um apoio amplo dos evangélicos, um ativo que explorou durante sua campanha.
“A esquerda, o comunismo, não têm compromisso com a vida, não nos respeitam”, criticou Bolsonaro em alusão a Lula, enquanto caminhava recentemente para o altar de uma igreja evangélica lotada em São Paulo.
“Sei que vocês nos darão a vitória no próximo dia 30”, discursou.
O fator Michelle
O presidente, um católico de 67 anos batizado no rio Jordão pelo pastor Everaldo, tem 65% das intenções de voto entre os evangélicos contra 31% de Lula, um apoio que manteve com a defesa da família tradicional e da bíblia, bem como a nomeação de André Mendonça, um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal.
Em sua cruzada eleitoral, contou, ainda, com o apoio da esposa, Michelle, uma evangélica devota, de voz afável, que viajou pelo país para atrair o apoio religioso, definindo a disputa como uma batalha entre o “bem e o mal”.
Sem esquecer o apoio de pastores conservadores influentes como Silas Malafaia, que a seus 10 milhões de seguidores nas redes sociais diz que Lula é “mentiroso” e “cachaceiro”.
Bolsonaro tampouco esqueceu dos católicos, entre os quais Lula lidera nas pesquisas de intenção de voto (57% contra 37%), embora estes sejam menos coesos na hora de votar, segundo especialistas.
Em quatro dias, ele viajou ao Pará e a São Paulo para participar, respectivamente, do Círio de Nazaré e das homenagens à Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, duas das maiores festas católicas do país.
“Família sagrada”
Na reta final da campanha, Lula, de 77 anos, se esforçou em se aproximar dos evangélicos e desmentir informações falsas promovidas pela oposição, como a de que planeja fechar igrejas.
“A família para mim é coisa sagrada”, afirmou Lula, entre soluços, em ato recente com evangélicos, aos quais entregou uma carta de compromissos para assegurar o que vai garantir a liberdade de culto e que é contrário ao aborto.
Também se reuniu com pastores mais progressistas e participou de uma cerimônia com um deles em São Paulo. Com os olhos fechados, as mãos cruzadas diante do corpo e cabisbaixo, ouviu um pastor negro elogiá-lo por não usar “artifícios religiosos para enganar as pessoas”.
Exploração da fé
O foco do debate na agenda religiosa poderia significar uma vantagem para Bolsonaro com vistas ao segundo turno, avaliou Adriano Laureno, analista da consultoria Prospectiva.
“Bolsonaro levou a campanha para seu campo. Se estivesse sendo discutida a economia, provavelmente Lula estaria numa situação mais confortável”, explicou Laureno.
O uso político da religião acabou exasperando a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), que reprovou, sem citar nomes, a “exploração da fé como caminho para angariar votos”.
Segundo a imprensa, padres católicos foram repreendidos por seguidores do presidente em igrejas por falar de temas relacionados com a esquerda.
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