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Política & Poder

Indígenas marcham em direção ao STF em protesto ao marco temporal

Segundo a assessoria do previsão inicial é que o parecer sobre o Projeto de Lei 490/2007 que discute a questão indígena seja iniciado ainda nesta semana

Redação Jornal de Brasília

25/08/2021 19h49

Gabriel de Sousa

O Supremo Tribunal Federal adiou a votação do Marco Temporal (PL 490/2007) nesta quarta-feira (25). Mesmo com a pressão dos milhares de indígenas acampados na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, o texto que trata da nova regulamentação das terras indígenas foi prorrogado e deve ser apreciado no plenário do Supremo ainda nesta semana. O motivo do adiamento, segundo os ministros da Corte, foi a prioridade da votação sobre a autonomia do Banco Central – tema que é acompanhado de perto pelo governo de Jair Bolsonaro.

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, acompanha, desde o último domingo, a movimentação dos indígenas no gramado da Esplanada. Eles pedem o avanço da ação que defende que povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam no dia 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição Federal.

Para aumentar ainda mais a pressão na Corte sobre a aprovação da pauta, os acampados saíram, na tarde de ontem, em marcha no centro da capital federal. A voluntária do acampamento “Luta pela Vida”, Marília das Neves, descendente de indígenas, ficou insatisfeita com a decisão do STF. “ É um desrespeito aos mais de seis mil indígenas aqui na capital federal, na Praça da Cidadania. É um completo descaso conosco e que querem nos vencer pelo cansaço, tendo em vista que não é a primeira vez que adiam o julgamento enquanto estamos ocupando este espaço. Em junho, ocorreu o mesmo, mas voltamos e só vamos embora com esse projeto de lei derrubado,” afirmou a voluntária.

Segundo Karua Tarairiú, indígena do povo Tapuya-Tarairiú, a aprovação do PL poderá colocar em risco importantes costumes tradicionais. “A partir da aprovação do marco temporal, será negado o direito à tradicionalidade dos nossos territórios, a nossa prática ancestral”, reforçou.

Pouco antes do início da passeata de ontem, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou uma ação da Advocacia-Geral da União (AGU) que pretendia adiar os atos dos integrantes de povos originários. Segundo posicionamento da AGU, os atos poderiam oferecer risco de contágio pela covid-19 e deveriam ser transferidos para uma data posterior para se ter uma “maior segurança epidemiológica”.

O ministro Barroso afirmou ainda que os direitos de livre expressão, reunião e associação são assegurados pela Constituição Federal e só podem ser moderados de forma atípica se for comprovada uma gravidade dos riscos que podem surgir. “Não está demonstrado, portanto, qualquer risco ou interesse contraposto de ordem a autorizar que se restrinja o direito de tais cidadãos. Ao contrário, parece ter havido grande cuidado e preocupação com as condições sanitárias da organização do evento. Não bastasse isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil conferiu publicidade aos seus protocolos”, afirmou Barroso sobre a decisão.

Para garantir a segurança dos indígenas no ato e a preservação dos patrimônios públicos, o próprio Supremo, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) formalizaram um acordo, no último dia 18.

Bancada agro é contra

Segundo a Frente Parlamentar da Agropecuária, que também aguarda a votação do Projeto de Lei 490/2007 (Marco Temporal), a necessidade de estabelecer uma data para ser usada em processo de demarcações é fundamental para que seja controlado o surgimento de novas reservas indígenas. “Caso não haja, em pleno século XXI, uma data limite de demarcações, qualquer área do território nacional poderá ser questionada sem nenhum tipo de indenização, inclusive áreas de grandes metrópoles, como Copacabana, no Rio de Janeiro”, afirma nota da FPA.

Segundo a frente parlamentar, “é dever da Suprema Corte fazer com que o impasse seja finalizado de maneira democrática. O Supremo Tribunal Federal tem a oportunidade de garantir a segurança jurídica, com a resolução dos conflitos, ao equilibrar o direito de todos os cidadãos brasileiros, evitando excessos no processo de autodemarcação”.

O acampamento

O acampamento “Luta pela Vida” está sendo organizado desde o último domingo (22), e pretende ficar estabelecido nas imediações dos prédios governamentais da Esplanada dos Ministérios até o próximo sábado (28). Segundo os organizadores, mais de seis mil indígenas de vários estados brasileiros estão alojados próximos ao Teatro Nacional de Brasília. Espaços de alimentação comunitária, locais para discussões e banheiros químicos estão sendo utilizados pelos manifestantes.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) afirmou que adota protocolos sanitários como a exigência de comprovação de vacinação completa e testagem rápida de participantes na chegada e na saída dos alojamentos, além de usos de equipamentos de proteção e adoção dos protocolos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde.

A entidade, que organiza as manifestações e o estabelecimento dos acampamentos, diz que o movimento indígena que ocorre nesta semana em Brasília é a maior manifestação composta por integrantes de povos originários na história do país, porém, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) não confirmou a informação.

O Marco Temporal

O Projeto de Lei 490/2007 prevê alterações nas principais regras de demarcação de terras indígenas. A Constituição Federal de 1988 prevê que o Estado deve realizar o processamento, por meio de trâmites da Fundação Nacional do Índio (Funai), composto por uma equipe técnica especializada. Segundo a Carta Magna, não há uma necessidade de comprovar uma data de posse da Terra, uma vez que os povos são originários do país antes mesmo dos europeus embarcarem nas praias brasileiras em 1500.

O projeto pretende criar um “marco temporal”, onde só serão consideradas terras de posse dos indígenas aquelas que foram ocupadas por eles até o dia 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição. Caso a PL seja aprovada, o processo de aprovação de novas terras terão que comprovar tais datas históricas. Além disso, ficará proibida a ampliação das reservas indígenas que já existem no Brasil.

Outro ponto presente no Projeto de Lei 490/2007 é que as áreas usadas pelos povos tradicionais poderão ser utilizadas para a exploração hídrica, energética, mineração e expansão da malha viária caso seja de interesse do Governo Federal.

A alteração também permitirá que as Forças Armadas e a Polícia Federal adentrem e se estabeleçam nas reservas, sem a necessidade de consultar as lideranças que ali habitam. Fica também permitido o cultivo de plantas geneticamente modificadas nos territórios, além de que o contato com povos isolados poderá ser permitido caso seja de “utilidade pública”.

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