Menu
Política & Poder

Governo barra artigo do Inep que aponta evidência positiva de pacto de alfabetização do PT

As lideranças do Inep têm impedido a publicação apesar de a pesquisa já ter passado pela revisão prevista. A presidência do órgão nega.

Redação Jornal de Brasília

06/05/2021 20h21

inep

Foto: Reprodução/TV Globo

Paulo Saldaña
Brasília, DF

O governo Jair Bolsonaro (sem partido) barrou a publicação de estudo em uma publicação oficial do Inep (Instituto nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) que mostra evidências de melhoria em indicadores educacionais gerados pelo Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), bandeira do governo Dilma Rousseff (PT). As lideranças do Inep têm impedido a publicação apesar de a pesquisa já ter passado pela revisão prevista. A presidência do órgão nega que haja censura.

O Pnaic não foi levado em conta na construção da nova política de alfabetização do MEC (Ministério da Educação).
Servidores do Inep têm acusado a gestão do ministro Milton Ribeiro de minar a independência do órgão em sua missão de fornecer estudos e pesquisas sobre políticas educacionais. O estudo “Avaliação Econômica do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa” estava pronto para sair na publicação do Inep chamada “Textos para Discussão”. O material já havia sido aprovado pela área técnica e foi submetido também a um avaliador externo ao Inep.

Desde 30 de abril estava liberado para a publicação, diagramado e revisado. O trâmite de publicação teve início em agosto de 2020. A pesquisa é de autoria do servidor do instituto Alexandre André dos Santos em parceria com o pesquisador da FGV Renan Gomes de Pieri. Com base em cruzamento de dados e análises estatísticas, o artigo concluiu que o Pnaic garantiu melhorias em indicadores de aprendizagem e de aprovação. Também há evidências de efeito positivo do investimento do programa.

Com a protelação da publicação sem razão técnica e legal para isso, Alexandre André dos Santos encaminhou nesta sexta-feira (6) um requerimento ao presidente do Inep, Danilo Dupas Ribeiro, em que detalha o trâmite que antecedeu a versão final e questiona a decisão de retardar a publicação. Ao autor o Inep informou que um “comitê editorial” seria criado para que houvesse uma nova avaliação da publicação da edição 48 da “Textos para discussão”. Santos afirma no requerimento que isso “foge completamente ao rito” presente nas regras vigentes, como consta, por exemplo, no manual editorial do Inep.

“Fica nítida a tentava de dar efeitos retroativos à eventual norma futura, o que alcança os direitos do autor, em especial de ver publicado o texto de sua autoria, bem como de dar publicidade ao mesmo, o que no seu entendimento pode estar contrariando a legislação em vigor, em especial por não haver motivação para não publicar, visto já haver sido cumprido todo o rito estabelecido para publicação”, diz o requerimento de Santos.

Questionado pela reportagem, o Inep afirmou em nota que a instalação desse comitê editorial é uma iniciativa da nova diretora de Estudos Educacionais, Michele Melo, que assumiu em 26 de abril. “A gestora manifestou ao autor que a publicação não seria feita na data prevista, em 3 de maio, e daria continuidade ao processo após ler os documentos necessários. Desde então, tem sido analisado qual seria a melhor formar de viabilizar a publicação do conteúdo”, diz nota do órgão. “Não houve, em nenhum momento, a negativa sobre a publicação do artigo”, defende o Inep.

O Pnaic foi lançado em 2012 com inspiração em boas práticas realizadas no Ceará e com um orçamento de mais de R$ 2 bilhões. Os recursos começaram a ser enxugados ainda no governo Dilma e o programa passou por esvaziamento no governo Michel Temer (MDB). A atual gestão lançou em 2019 a nova PNA (Política Nacional de Alfabetização), que foca o método de alfabetização. Para especialistas, ela ignora outras dimensões do desafio com o tema, como a formação de professores. Não há qualquer menção ao Pnaic nos documentos que antecederam o decreto que estipulou a PNA, segundo a íntegra dos arquivos, obtida pela reportagem pela Lei de Acesso à Informação.

Em abril, o MEC divulgou, com atraso de um ano, o chamado Relatório Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências. Não há qualquer menção ao Pnaic nesse material. Questionado, o MEC não respondeu até a publicação deste texto. O estudo preparado para a publicação do Inep conclui que o incremento de professores envolvidos no Pnaic está associado a um aumento na proficiência de língua portuguesa e matemática em 23% do desvio-padrão, “o que é relevante quando comparado a outras intervenções educacionais”.

Desvio-padrão é uma medida que indica a dispersão de uma amostra com relação à média. A título de comparação, o impacto de ter uma biblioteca na escola é de 10% de um desvio-padrão. “O programa funcionou bem e atingiu seu objetivo de acelerar a alfabetização das crianças na idade correta”, diz o texto. A pesquisa aponta correlações e não causalidade.

O Pnaic preconizava que todas as crianças estivessem alfabetizadas até o 3º ano do ensino fundamental –as políticas atuais colocam essa meta no 2º ano. O programa foi estruturado em eixos de gestão, materiais didáticos, formação docente e avaliação. Houve envolvimento das universidades federais nas formações, com cursos presenciais. Professores alfabetizadores também foram contemplados com bolsas. Cerca de 250 mil professores participaram do cursos, o que é apontado como a maior iniciativa de formação docente tocada pelo MEC.

O Pnaic foi alvo de críticas por conta do alto orçamento e sofreu ocaso na esteira da crise econômica e do impeachment. O fato de ter se aproveitado de iniciativa similar realizada no Ceará sempre foi um ponto positivo do Pnaic, mas o pacto nacional minguou sem que houvesse uma avaliação mais consistente de seus resultados. A pesquisa calculou o custo por aluno atingido no pacto e concluiu que o “retorno econômico calculado para o efeito médio do programa mostrou efeito positivo do investimento”. Na análise, encontraram um saldo positivo de R$ 118,48 por aluno afetado, o que corresponde a uma taxa interna de retorno (TIR) de 15%.

A professora Mônica Correia Baptista, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ressalta a perspectiva de o programa ser um pacto, com ações descentralizadas, envolvimento de municípios e universidades, além do pagamento de bolsas para a formação. “Houve um esforço de formação maciça em todo o país, o que tem muitas vantagens. E as coisas em educação não acontecem em um mandato, em dois anos, precisaria de uma década para vermos resultados”, diz ela. “É triste que os governos precisem derrubar o que foi feito, e isso sempre aconteceu. Mas este governo tem uma marca de negar e inviabilizar, a política atual está baseada na ideia de que tudo que foi feito não prestou.”

Nota assinada por Aloizio Mercadante, ex-ministro da Educação do governo Dilma, afirma que “infelizmente, o Pnaic foi descontinuado da gestão Temer e liquidado no governo Bolsonaro em sucessivas e desastrosas gestões do MEC”. No texto, ele critica o fato de o artigo ter sido barrado. “É inacreditável que depois de toda a luta da sociedade brasileira pela liberdade e passado o processo de redemocratização, o país volte a conviver com o fantasma da censura. Desta vez, o obscurantismo do governo Bolsonaro avança sobre a divulgação de um estudo do Inep, órgão com notória tradição acadêmica e que é reconhecido internacionalmente pela produção e difusão do conhecimento e de indicadores na educação.”

Em nota, a equipe do ex-ministro Rossieli Soares, do governo Temer, afirma que o principal balizador para mudanças no Pnaic foi “a estagnação na aprendizagem dos estudantes no resultado da ANA [Avaliação Nacional de Alfabetização] 2016”. Segundo a nota, houve diagnóstico de que as ações do Pnaic não haviam provocado resultado na melhoria dos resultados de aprendizagem porque, entre outros motivos apontados, houve dificuldade dos professores em aplicar na prática o que aprenderam na formação.

Em 2017, o jornal Folha de S.Paulo revelou que, durante o governo Temer, o Inep também havia barrado a exposição de um artigo científico que, mesmo tendo sido avalizado tecnicamente pelo comitê editorial, desagradou a direção do instituto. Na nota divulgada pelo Inep, o órgão afirma que o presidente do Inep, Danilo Dupas Ribeiro e a diretora da área têm “compromisso de participação nos processos de publicações do Inep, que objetiva o fortalecimento institucional e a excelência na construção de evidências educacionais”.

As informações são da Folha Press

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado