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Política & Poder

Fatura de dívidas judiciais da União em 2023 passa dos R$ 100 bilhões

A cifra é maior que todo o Orçamento do programa social Auxílio Brasil para este ano, que soma R$ 89 bilhões

FolhaPress

13/05/2022 16h33

Foto: Clauber Cleber Caetano/Presidência da República

Idiana Tomazelli

A fatura de precatórios -valores devidos após sentença definitiva na Justiça- para a União em 2023 já passa dos R$ 100 bilhões, segundo estimativas internas do governo obtidos pela reportagem.

Nem todo esse valor precisará ser quitado no ano que vem, pois uma mudança feita na Constituição no fim do ano passado autoriza o governo a adiar parte dos pagamentos para os anos seguintes, o que ficou conhecido como subteto de precatórios.

Mas o cálculo tem sido destacado nos bastidores pelos técnicos como um sinal de que o “meteoro”, como classificado pelo ministro Paulo Guedes (Economia), continua pairando sobre as contas públicas. A cifra é maior que todo o Orçamento do programa social Auxílio Brasil para este ano, que soma R$ 89 bilhões.

O valor considera novas dívidas judiciais encaminhadas pelos tribunais até 2 de abril, prazo final para a emissão dos precatórios de 2023, e as dívidas que serão herdadas deste ano após a criação do subteto para esse tipo de despesa.

Os números preliminares do governo para 2023 mostram que R$ 54,1 bilhões em novos precatórios foram expedidos pelo Poder Judiciário (o maior montante, R$ 52,5 bilhões, vem da Justiça Federal).
Outros R$ 33,4 bilhões são valores remanescentes de anos anteriores -o que já inclui débitos que entraram na fila de espera devido à nova regra.

O cálculo ainda inclui uma estimativa para as RPVs (requisições de pequeno valor), que contemplam as ações com valor de até 60 salários mínimos e têm prioridade na fila de pagamento. Neste ano, as RPVs somaram quase R$ 20 bilhões. A partir desse número, os técnicos preveem que o valor para 2023 deva ficar em R$ 21,2 bilhões, considerando a inflação no período.

Dessa forma, a estimativa já está em R$ 108,7 bilhões e pode ficar maior com a incorporação de correções e outros passivos.

A avaliação dentro do Ministério da Economia é que o cenário evidencia que esse tipo de gasto continua em patamar elevado, embora ainda não haja nenhum diagnóstico preciso sobre qual será a tendência para os próximos períodos.

No ano passado, a equipe econômica decidiu agir após detectar um aumento de 62,9% no valor dos precatórios, que chegaram a R$ 89,1 bilhões e ocuparam quase todo o espaço disponível no Orçamento, comprometendo planos de investimentos e as pretensões do presidente Jair Bolsonaro (PL) de ampliar o programa social do governo, o Auxílio Brasil.

O quadro acabou deflagrando o envio da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que elevou o teto de gastos e ainda estabeleceu até 2026 um mecanismo que permitiu o adiamento do pagamento de dívidas judiciais, abrindo um espaço de quase R$ 115 bilhões para despesas em 2022, ano eleitoral.

Sob essa regra, a estimativa do governo é que o pagamento de precatórios dentro do teto de gastos ficará em R$ 50,8 bilhões no ano que vem.

A medida, porém, é tachada de calote por especialistas, que alertaram para o risco de uma bola de neve de precatórios devido ao adiamento de parte considerável dos pagamentos. “Um dos riscos levantados na tramitação da PEC dos precatórios vai se concretizando”, afirma o economista Daniel Couri, diretor-executivo interino da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado Federal que monitora as contas públicas). “A se manter o fluxo atual de condenações, o passivo da União será cada vez maior. O problema de 2027 já está contratado. O que será feito quando a exceção criada pela PEC acabar?”, questiona.

A aposta da Economia para impedir a bola de neve bilionária de dívidas não pagas é a efetivação de acordos diretos com os credores ou o uso desses valores como moeda de troca em leilões de privatização e compra de imóveis da União.

Nesses casos, os débitos podem ser quitados fora do teto de gastos, sem ocupar espaço no limite para esse tipo de despesa.

Procurada, a Secretaria do Orçamento Federal informou que “não foi comunicada da ocorrência de acordos diretos” ou de procedimentos “envolvendo os precatórios que não serão pagos neste exercício em virtude do limite instituído”.

Um acordo firmado pela União com o município de São Paulo para encerrar a disputa judicial envolvendo o Campo de Marte, no valor de R$ 23,9 bilhões, foi o primeiro na modalidade, mas a ação ainda estava em curso. Por isso, o precatório ainda não havia sido emitido.

Em outra frente, técnicos da área econômica alertam que a regulamentação da correção dos precatórios pode agravar a situação futura.

Uma resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), editada em março deste ano, diz que os débitos que aguardam pagamento devem ter seu valor consolidado corrigido pela taxa básica de juros, a Selic, hoje em 12,75% ao ano.

A troca da correção dos precatórios para a Selic foi proposta pelo próprio governo na PEC dos Precatórios. Mas, segundo técnicos, a redação da resolução resultará na aplicação da taxa sobre precatórios e os juros incorporados anteriormente, ampliando o impacto sobre as contas -principalmente de estados e municípios, que acumulam passivos judiciais há mais tempo. Antes, os valores eram corrigidos monetariamente e sobre eles incidiam juros simples, ou seja, não cumulativos.

O conselheiro Marcio Freitas, relator da resolução no CNJ e presidente do Fonaprec (Comitê Nacional de Precatórios do Fórum Nacional de Precatórios), informou em nota que a própria emenda constitucional elegeu a Selic como fator de correção dos precatórios.

“Ao CNJ cabe unicamente o papel de regulamentar a alteração constitucional feita pelo legislador constituinte. As decisões acerca da economicidade e do impacto financeiro da alteração foram feitas pelo Legislativo, quando da discussão da emenda”, disse.

Freitas afirmou também que a incidência da Selic sobre o valor consolidado dos débitos não é inovação, uma vez que isso já era previsto para os débitos tributários.

O advogado Eduardo Gouvêa, presidente da Comissão Especial de Precatórios no Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), afirma que o governo está “esperneando” porque não contava com uma alta tão expressiva da Selic. Quando a PEC dos precatórios foi enviada, em agosto de 2021, a taxa de juros estava em 4,25% ao ano.

“O que o governo está esperneando é que ele não contava que a taxa Selic ia subir tanto. A história é sempre essa, o governo sempre tenta mudar a taxa para a menor possível. É o governo não querendo pagar o que deve da forma correta”, critica Gouvêa.

Por meio da assessoria do Ministério da Economia, a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) disse que não se manifestaria e direcionou os questionamentos à AGU (Advocacia-Geral da União), que não comentou.

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