Em 2007, a Polícia Federal deflagrou a Operação Persona, que visava desbaratar um esquema de empresas-laranjas usadas para a realização de uma doação de 500 mil reais ao Partido dos Trabalhadores (PT) em troca de favorecimento em licitação de prestação de serviços de tecnologia a bancos públicos. Um dos alvos da ação era a norte-americana Cisco, gigante do setor de telecomunicações, que fornece tecnologia para a Caixa e Banco do Brasil por meio de empresa terceirizada.
A ação resultou em prisão de alguns executivos e o afastamento de outros. É o caso de da gerente de contas Sandra Beatriz Tumelero. Acusada de intermediar a propina, Sandra nunca deu entrevista para a imprensa. Somente uma década e meia depois da operação resolveu falar com um veículo de comunicação.
Sandra reafirma ao Jornal de Brasília sua inocência e traz um fato jamais revelado: “Um pessoa do PT me procurou porque sabia que em Brasília eu era responsável por BB (Banco do Brasil) e Caixa (Econômica Federal). Um tal de Paulo Ferreira queria saber se a Cisco tinha interesse em fazer doação. Expliquei para ele que a minha atuação não tinha nada a ver com isso. Mas que passaria adiante. Eu levei imediatamente isso para o meu chefe, que levou para o pai dele. Este, por sua vez, sinalizou que tinha interesse”, detalhou Sandra.
Paulo Ferreira foi tesoureiro do Partido dos Trabalhadores. Ele chegou a ser preso na Operação Abismo, 31º desdobramento da Lava Jato, que investigava propinas em obras do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes). Em depoimento ao então juiz Sérgio Moro, confessou que o PT tinha recursos não contabilizados, ou seja, caixa dois. “Negar informalidades nos processos eleitorais brasileiros de todos os partidos é negar o óbvio”, admitiu o tesoureiro, que acabou inocentado das acusações pelo Tribunal Regional Federal (TRF-4) no ano passado.
Mas Sandra não. Pelo menos, no tribunal das ruas. Sem julgamento, sem chance de defesa , mesmo não tendo sido condenada ou indiciada, colegas e até parentes a tratam como criminosa. A executiva da Cisco, que contava na época com vencimentos que ultrapassavam a casa dos R$ 30 mil mensais, vive uma vida de reclusão. “Minha vida virou do avesso depois dessas denúncias. Eu saía muito pouco na rua. Numa ocasião, um ex-colega de trabalho lamentou a minha prisão: ‘Poxa, Sandra, fiquei sabendo que você foi presa´. Disse ele. Eu nunca fui presa. Eu respondi. Ele insistiu: ‘Tudo bem. Fica só entre a gente’. Eu deixei para lá então”, recorda ela. Em outro episódio, ela conta que até um parente seu acreditou na história da prisão. “Eu nunca mais foi a Getúlio Vargas (RS) porque um tio meu, irmão do meu pai, disse que saiu na rádio que eu tinha sido presa. Nunca mais voltei lá. Costumava a ir todos os anos. Agora não posso mais”, lamenta.
Apesar de nunca ter sequer prestado depoimento à Polícia Federal ou ao Ministério Público Federal (e muito menos indiciada), Sandra teve seu nome envolvido no esquema por causa de uma interceptação telefônica autorizada pela justiça. Sandra e Carlos Carnevali Júnior falavam das doações. Carnevali Junior é filho de Carlos Carnevali, que foi preso durante a Operação Persona. “Eu me afastei dessa história depois que passei o recado de Paulo Ferreira para meu chefe”, afirma a ex-funcionária. “Tenho vergonha de sair na rua e encontrar conhecido”, emenda.
Numa reportagem concedida ao CIO FRON IDG (site especializado em gestão, estratégias e negócios em TI para líderes corporativos), a Cisco admitiu ter afastado Sandra e Carnevali Júnior. A publicação trazia a informação de que “a doação de 500 mil reais ao Partido dos Trabalhadores (PT) foi em troca do favorecimento a uma cliente da Cisco em uma licitação pública (a Damovo) promovida pela Caixa Econômica Federal. a Caixa Econômica Federal alterou o edital de leilão eletrônico para que empresa que distribui produtos da Cisco, a Damovo, vencesse a disputa. O contrato da Caixa é de R$ 9 milhões”.
Segundo Sandra, a exposição ao nome dela por parte da empresa se deu pela recusa da ex-funcionária de aceitar um acordo. “A Cisco me chamou para conversar em São Paulo. Tinham umas 20 pessoas na sala. A reunião foi registrada por um sistema de gravação. Eles tentaram botar palavras na minha boca. Me forçaram a colocar uma frase que não é minha. Queriam que eu declarasse algo que não tinha nada a ver com meu trabalho”, afirmou ela. Queriam que eu disse que eu que tinha forçado a Cisco a fazer doação para o PT. Eu não tinha esse poder”, concluiu.
A partir daquele encontro, Sandra resolveu pedir seu desligamento da empresa. Segundo ela, a empresa fez uma nova investida. “Me propuseram que eu retirasse a ação e ficasse seis meses fora da empresa e seria contratada de novo. Eu não aceitei. Depois uma pessoa de São Paulo me procurou oferecendo 500 mil para mim, para que eu retirasse a ação. Também não aceitei. Eu abri um processo na Justiça Trabalhista pedindo indenização. Pois, assim, eu terei minha honra restabelecida”, explica.
Procurada pela reportagem, a Cisco se limitou a informar que “não comenta sobre casos jurídicos em andamento”. Já Paulo Ferreira não retornou às ligações da reportagem, que procurou ele por meio da Direção Nacional do PT.