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Política & Poder

Ex-secretária do Meio Ambiente descumpre quarentena e vai a COP27 representando empresa

Nesta sexta-feira (11), contudo, pouco mais de um mês depois de deixar o cargo, ela de fato esteve no evento no Egito –mas como gerente de uma cooperativa de açúcar

FolhaPress

11/11/2022 17h55

João Gabriel
Brasília, DF

Maria Beatriz Milliet era secretária de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e chegou a ser nomeada pela pasta para ir à COP27, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas). Antes disso, no entanto, foi exonerada, no dia 29 de setembro deste ano.

Nesta sexta-feira (11), contudo, pouco mais de um mês depois de deixar o cargo, ela de fato esteve no evento no Egito –mas como gerente de uma cooperativa de açúcar.

Além disso, Beatriz Milliet ainda chegou a ser designada como representante do ministério dentro do conselho consultivo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) no dia 4 de outubro, portanto, também após já não ocupar nenhum cargo na pasta.

Milliet chegou ao Meio Ambiente na gestão do ex-ministro Ricardo Salles (PL-SP), hoje eleito deputado federal. Como ocupante de um cargo de confiança, ela deveria cumprir a chamada de quarentena, período de seis meses entre sair da administração pública e entrar no setor privado para evitar conflito de interesses.

Mesmo assim, desde outubro, de acordo com seu perfil no LinkedIn, ela é gerente de sustentabilidade da Copersucar, empresa que representa o setor do açúcar e da cana e também atua com a exportação desses produtos.

A Folha procurou o Ministério do Meio Ambiente nesta sexta, por meio de sua assessoria de imprensa, para saber se o ministério custeou a ida da ex-secretária, ou não, à COP27; se ele considera que há um conflito de interesses e por que ela foi nomeada no Iphan mesmo depois de exonerada. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

A Copersucar, por sua vez, afirmou que o convite para participar do evento foi feito inicialmente ao presidente da empresa, Tomás Manzano, que não pôde comparecer, e por isso enviou Milliet. “A ida de Beatriz para o Egito foi paga integralmente pela Copersucar”, disse a cooperativa, por meio de sua assessoria.

A reportagem ainda procurou o Iphan, por sua assessoria de imprensa, e Beatriz Milliet, por meio da Copersucar e de seu telefone pessoal, mas não obteve resposta.

A Folha teve acesso a três denúncias sobre o possível conflito de interesses feitas à comissão de ética do ministério e também à CEP (Comissão de Ética Pública) -orgão responsável por monitorar toda a área. Segundo advogados, o caso pode configurar uma violação da lei.

“Este é um caso que pode configurar conflito de interesses. A pessoa ocupava um cargo no nível de secretária, e a lei é muito clara de que há a necessidade de quarentena para exercer atividade no setor privado que seja minimamente correlacionada com a atividade exercida no poder público, que, no meu ver, parece o caso”, afirma Valdir Moyses Simão, advogado e ex-ministro da CGU.

Ele explica ainda que o ex-agente público pode ser responsabilizado se o caso for julgado como conflito de interesse e que, mesmo após a quarentena, ele não poderia fazer uso de informações privilegiadas obtidas quando no cargo para a atuação no setor privado.

Tanto Simão quanto Vera Chemin, advogada constitucionalista mestre em administração pública pela FGV-SP, afirmam que, para ocupar um posto no setor privado, Milliet precisaria ter consultado a Comissão de Ética Pública com antecedência e só poderia começar a trabalhar na área com o aval do órgão.

Procurada pela Folha, a CEP disse que todas as suas decisões são publicadas em seu site. A reportagem consultou todos os documentos desde a saída da ex-secretária, e não há qualquer menção ao seu caso.

“Na hipótese em que a ex-agente pública sequer tivesse consultado a CEP ou tivesse apresentado a consulta e a comissão rejeitasse a sua futura atividade privada, a então agente pública pode, sim, ser enquadrada em um ato de improbidade administrativa”, diz Chemin.

Beatriz Milliet chegou ao Ministério do Meio Ambiente em 2019, para ser diretora de comunicação da Secretaria de Ecoturismo na gestão de Ricardo Salles.

Dias após o então ministro pedir demissão em meio a um escândalo de corrupção ligado a madeireiras e investigado pela Polícia Federal, ela foi nomeada assessora especial do novo chefe da pasta, Joaquim Leite. Passou poucos meses no cargo e, mais tarde naquele mesmo ano, foi transferida para a chefia da Secretaria de Biodiversidade.

No dia 28 de julho deste ano, Leite autorizou que ela fosse ao Egito para a COP27, com despesas pagas pelo governo federal.
Na COP, ela foi anunciada como palestrante no painel sobre “perspectivas para a bioenergia no Brasil”, organizado pelo próprio Ministério do Meio Ambiente, porém, já como representante da Copersucar.

Milliet foi nomeada para o conselho consultivo do Iphan no início de outubro, quando, como mostrou a Folha, o governo Bolsonaro promoveu uma reforma no órgão e excluiu dele seus desafetos.

Ela foi nomeada para titular e, como sua suplente, foi escolhida Cristiane Lemos Batista de Freitas, que foi exonerada do Meio Ambiente ainda antes, em 31 de agosto deste ano.

A reportagem teve acesso a um ofício do instituto pedindo ao ministério novas indicações para os postos, mas, até o momento, não constam novas nomeações no Diário Oficial da União.

Freitas foi diretora de educação ambiental subordinada a Milliet por pouco mais de cinco meses. A função causou revolta entre colegas por entenderem que ela não tinha experiência na área. Antes, ocupou cargos no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e no da Cidadania.

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