ADRIANA FERNANDES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
A reunião do Banco Central que sacramentou a redução do ritmo de corte dos juros para 0,25 ponto porcentual deflagrou uma guerra interna nos bastidores do Copom (Comitê de Política Monetária) com impacto na sucessão de Roberto Campos Neto no comando da instituição.
A decisão desta quarta-feira (8) abriu uma divisão no Copom e explicitou a disputa entre Campos Neto e o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo -indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o nome até agora mais cotado para ocupar a presidência do BC a partir de 2025.
O racha no BC desfez uma espécie de acordo informal que tinha se estabelecido até agora em torno das decisões do Copom: a busca de consenso na evolução da política monetária.
Foram 5 votos a 4 pela queda de 0,25 ponto percentual, levando a taxa Selic para 10,5%. Campos Neto votou pelo corte menor junto com os diretores antigos.
Além de Galípolo, votaram por um corte de 0,5 ponto percentual, os novos diretores: Ailton de Aquino Santos, Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira. Todos eles indicados por Lula.
A leitura no governo é que a reunião retrata o momento de maior tensão no BC desde que o Copom passou a contar com integrantes já indicados pelo atual mandatário.
As divergências internas se amplificaram após o presidente do BC, durante encontro organizado pela XP Investimentos, em Washington, sinalizar que, em um quadro de manutenção das incertezas, o Copom poderia mudar seu cenário-base e reduzir o ritmo de queda dos juros.
A fala de Campos Neto foi interpretada como uma mudança no forward guidance [orientação futura] do Copom, que apontava redução na Selic de 0,5 ponto percentual na reunião deste mês.
No evento da XP, que seria fechado inicialmente e depois transmitido por decisão do BC, Campos Neto apontou quatro caminhos que o Copom poderia tomar, a depender da evolução das incertezas: seguir com o mesmo ritmo de queda, reduzir para 0,25 ponto porcentual, manter os juros no mesmo patamar ou elevar a Selic.
A sinalização ocorreu dois dias depois de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter anunciado, no dia 15 de abril, uma flexibilização da meta fiscal de 2025 e dos anos seguintes.
A alteração das metas foi mal recebida pelo mercado financeiro em um cenário de aumento das preocupações com a piora do risco fiscal em vários países -principal tema das discussões dos banqueiros centrais nos últimos encontros.
Ao lado de Campos Neto no encontro da XP estava o diretor Paulo Picchetti (Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos), um dos indicados por Lula e amigo de Haddad.
Picchetti não esboçou reação, mas no mercado a análise foi que, no mínimo, os dois discutiram antes sobre o assunto. Ao contrário do que se esperava, Picchetti votou com Galípolo.
Galípolo demonstrou a colegas desconforto com a situação. A avaliação, de acordo com interlocutores, era que a movimentação de Campos Neto seria uma tentativa de o presidente do BC colocar o diretor no córner.
Nos últimos tempos, o diretor de Política Monetária já vinha pregando cautela na análise dos dados.
A leitura foi que as sucessivas falas de Campos Neto nas últimas semanas pré-Copom teriam contribuído para se chegar à reunião desta semana com o mercado já com posição cristalizada em favor da redução do ritmo de corte da Selic para 0,25 ponto percentual.
Com base nesse diagnóstico, a situação de córner estaria configurada entre seguir Campos Neto (e os demais diretores indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro) ou votar pela manutenção de 0,5 ponto percentual e perder a votação em uma composição do Copom em que o presidente do BC tem maioria.
O risco em jogo para os diretores escolhidos por Lula, sobretudo Galípolo que disputa a sucessão, foi o de serem vistos pelo mercado financeiro como “paus mandados”, lenientes no combate à inflação e subservientes ao comando do presidente da República para derrubar a taxa Selic, o que enfraqueceria a ideia de autonomia do Copom para decidir sobre os juros com o BC sob nova direção no ano que vem.
Por outro, um voto alinhado com Campos Neto, mostraria, de acordo com esses mesmos interlocutores, uma rendição ao presidente do BC.
Os argumentos utilizados por Galípolo foram de que a decisão do BC de interromper o ritmo de queda dos juros traria impacto negativo na economia desde o segundo semestre deste ano até o começo de 2026. Portanto, decisivo para o governo Lula.
A queixa maior é que a mudança de guidance teria sido feita de forma unilateral e sem observar a governança do Copom.
Nas últimas semanas, o presidente do BC se dedicou a mostrar que durante a reunião do FMI (Fundo Monetário Internacional), em abril, o assunto fiscal entrou na pauta global e que o mundo cada vez mais vai falar sobre esse tema porque as taxas de juros nos países vão ficar mais altas por mais tempo.
A consequência desse cenário é que os países que têm dívida mais alta pagarão juros mais altos e elevação do endividamento. Essa é uma preocupação que tem norteado a sua avaliação sobre o cenário global, antevendo um ano difícil para o Brasil em 2025.
Horas antes do anúncio da decisão do Copom, Haddad reforçou que as taxa de juros no Brasil continuam uma das mais elevadas do mundo e que a inflação de março e a prévia de abril se comportaram muito bem.
Mas o ministro da Fazenda fez questão de ressaltar que o comunicado anterior do Copom falava de um guidance apontando queda de 0,5 ponto percentual.