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Política & Poder

Coronel morto que confessou tortura andava armado

Arquivo Geral

25/04/2014 20h49

O coronel Paulo Malhães vivia com a mulher, Cristina, 26 anos mais nova, em um sítio em local ermo, sem qualquer esquema de segurança, praticamente sem porteira, na área rural de Nova Iguaçu, uma das cidades pobres na periferia do Rio. Era um homem doente, que se movia com a ajuda de andador por causa de dores na coluna. A acompanhá-lo, apenas cães e gatos. A fragilidade o tornava alvo fácil para algum ato violento, admitiu ao receber a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo em 28 de março deste ano.

Na conversa de duas horas, repetiu o que dissera três dias antes à Comissão Nacional da Verdade, em depoimento no Rio. Falou sobre o desaparecimento do deputado Rubens Paiva, em 1971; sobre a Casa da Morte em Petrópolis (região serrana do Rio); sobre a violência política durante a ditadura militar, “em que foi necessário o uso da força para coibir os atos da tal esquerda revolucionária”. E comentou a possibilidade de vir a sofrer represálias.

“Na comissão, ele (o ex-ministro José Carlos Dias) me perguntou se eu tinha sido ameaçado. Até agora, não. Mas tenho cinco filhos e seis netos. E poderiam sofrer consequências. Eu não temo muito por isso, não. Pode ser que me peguem na rua. Mas se tiver chance de devolver, eles vão ter que trotar”, afirmou, acrescentando andar armado. “Vou me defender como? Vou dizer Shazan e virar o capitão Marvel Júnior?”.

O tema foi recorrente na conversa. Malhães negou, mas sem veemência, a fama local de ser um homem violento, envolvido na morte de criminosos. “(Fama) de justiceiro, de matador? Não. A fama de querer ser respeitado, tem. Meter porrada, criar problema. De matar os outros, não. Aqui tem tráfico. Só não é na minha porta. Nem encosta na minha propriedade. Esse respeito eu exijo. E enfrento eles, se preciso for. Conheci muito justiceiro aqui. Estou vivo por acaso, porque minha promissória ainda não venceu.”

Na entrevista, Malhães apresentou as razões para ter rompido quatro décadas de silêncio: “Eu achei que já era tempo. Chega. Embora tudo o que eu fiz, eu fiz sob ordens, como uma missão. Já era especialista em informações naquela época, entrei de cara na condução do problema. Então, resolvi falar. A Comissão da Verdade me chamou, não tinha como me negar. Eu disse a verdade. Não tenho medo da verdade”.

O oficial disse ter recebido ordens do Exército para desenterrar e dar sumiço definitivo ao cadáver de Rubens Paiva. Segundo ele, os restos mortais do político tinham sido enterrados na praia do Recreio dos Bandeirantes, zona oeste carioca.

“Coordenei uma operação de transbordo de corpo, certo? Foi um rio em Petrópolis (destino final do corpo). Achei que era hora de abrir. E abri.”

Imóvel usado como centro de detenções ilegais, torturas e assassinatos, a Casa da Morte foi frequentada por Malhães na primeira metade dos anos 70. Ele disse que havia uma organização funcional na propriedade. Era chamado de Dr. Pablo. “Era uma casa cheia de quarto. Cada quarto era uma cela. Cada cela tinha um dono. E você tinha direito de levar quem você quisesse para lá. No meu caso, o que eu mais gostava de fazer era cantar os outros para mudar de lado. E você não tinha direito de peruar a cela dos outros nem os outros tinham direito de peruar na sua cela. Isso era particular de cada um. A gente fazia muita questão disso. As pessoas presas não se viam.”

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