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Política & Poder

Congresso dribla STF e mantém emendas sem transparência

Os dados sobre esse tipo de recurso constam na documentação sobre a distribuição da verba parlamentar enviada pelo Senado ao Supremo

FolhaPress

13/05/2022 7h30

Cezar Feitoza
Brasília, DF

Os documentos entregues pelo Congresso ao STF (Supremo Tribunal Federal), em resposta a ações que questionam as emendas de relator, seguem sem dar transparência à destinação da verba política e podem configurar um drible à decisão dos ministros da corte.

Os dados sobre esse tipo de recurso, que se converteu em mecanismo de negociação entre o Planalto e o Congresso, constam na documentação sobre a distribuição da verba parlamentar enviada na segunda-feira (9) pelo Senado ao Supremo.

O material é composto por cem documentos. As planilhas referem-se a informações fornecidas por 340 deputados federais e 64 senadores, que representam 68% dos 594 parlamentares do Congresso.

Além da falta de resposta de 190 parlamentares, muitos documentos entregues ao Supremo estão incompletos.

Na prática, a ausência de um padrão na divulgação dos dados impossibilita a identificação dos padrinhos dessas emendas, carimbadas com o código RP9.

Muitos parlamentares entregaram documentação que traz apenas o número de identificação das emendas apoiadas.

Dessa forma, não é possível determinar só com essa informação quais são os valores e os municípios beneficiados. A forma como os parlamentares responderam também torna impossível dizer exatamente quanto cada congressista de fato apadrinhou.

Dos 64 senadores que responderam ao ofício, 12 apresentaram dados incompletos sobre as indicações.

São eles: Carlos Viana (PL-MG), Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), Eduardo Braga (MDB-AM), Luiz do Carmo (PSC-GO), Marcos do Val (Podemos-ES), Omar Aziz (PSD-AM), Otto Alencar (PSD-BA), Romário (PL-RJ), Rose de Freitas (MDB-ES), Telmário Motta (PROS-RR), Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e Wellington Fagundes (PL-MT).

Na Câmara, cinco deputados entregaram dados pela metade: Rose Modesto (PSDB-MS), Cacá Leão (PP-BA), Nilson Pinto (PSDB-PA), José Mário Schreiner (MDB-GO) e Flávia Morais (PDT-GO).

Para especialistas em transparência, a documentação entregue ao Supremo não atende ao decidido pela ministra Rosa Weber, do STF.

Em novembro de 2021, Rosa determinou que o Congresso Nacional compartilhasse todas as informações referentes às emendas de relator, em particular os parlamentares que solicitaram os repasses de verbas aos destinatários.

O plenário do Supremo manteve a decisão por oito votos a dois.

Questionados, senadores disseram à Folha que o pedido de Pacheco foi genérico. Em ofício entregue a todos os parlamentares, em março, o presidente do Senado solicitou informações sobre o “apoiamento” e não os detalhes de valores e municípios beneficiados com as emendas de relator.

A assessoria do senador Marcos do Val disse que os dados enviados não foram completos porque o ofício de Pacheco não solicitou de forma detalhada os valores destinados por cada parlamentar.

“O senador foi preciso nas respostas que o presidente Pacheco solicitou. Ele respondeu às perguntas que foram feitas, e o documento não pedia detalhamento dos valores.”

Marcos do Val ainda repassou ofícios entregues ao Ministério Público do Espírito Santo com as informações das indicações das emendas de relator, que no caso dele somaram R$ 107,3 milhões em 2020 e 2021.

O senador Romário disse, por meio de sua assessoria, que Pacheco solicitou apenas “as justificativas que embasaram o pedido de indicação de emendas”. “Dessa forma, a solicitação foi atendida conforme solicitada”, completou.

Em nota, Pacheco afirmou que o Congresso apenas encaminhou ao STF os ofícios que recebeu dos parlamentares “para conhecimento”.

“Os parlamentares apontaram as emendas de relator que apoiaram. O Congresso pode encaminhar novos documentos e elementos que entenda ser de interesse da ação judicial”, afirmou o presidente do Senado.

O poder de distribuição das emendas de relator ficou concentrado na cúpula do Congresso Nacional, o que desencadeou críticas pela falta de transparência na alocação dos recursos.

O diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, afirma que os documentos enviados pelos congressistas ao Supremo não atendem à decisão judicial de dar transparência total às emendas de relator.

“Não é suficiente porque nós sabemos que a transparência significa identificar com clareza os autores de cada emenda. Os destinatários e as informações não foram fornecidas de maneira consistente, padronizada. Não é transparente e não cumpre a determinação do STF”, diz.

“A liderança do Congresso poderia ter feito um formulário padrão para garantir que as informações fossem consistentes, mas isso não absolve os parlamentares. Eles poderiam ter dado as informações detalhadas”, completa.

O diretor-executivo da Transparência Internacional, Bruno Brandão, avalia que os dados disponibilizados pelo Congresso não cumprem os requisitos de transparência.

“É o momento do Supremo cumprir com sua autoridade e seguir com a responsabilização dos parlamentares por descumprimento de ordem judicial.”

Para o fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, a falta de transparência e a distribuição desproporcional das emendas RP9 representam uma “aberração orçamentária”.

“As emendas de relator distorcem as políticas públicas e comprometem o equilíbrio federativo, em função da falta de parâmetros técnicos para a sua distribuição. No formato atual, elas constituem a maior aberração orçamentária que vi nos 40 anos que acompanho o Orçamento da União.”

O gabinete da ministra Rosa Weber disse que não vai comentar sobre o drible à decisão judicial sobre o caso.

Pelos dados extraídos da resposta do Congresso ao STF, o relator do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (União Brasil-AC), e a senadora Eliane Nogueira (PP-PI), mãe do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), foram os recordistas em indicações das emendas de relator.

Bittar afirma ter apoiado o envio de R$ 460 milhões para municípios do Acre em 2021. Nogueira aparece em segundo lugar, com indicações que somam R$ 399,2 milhões.

A lista de recordistas ainda conta com Arthur Lira (R$ 276,8 milhões), Rodrigo Pacheco (R$ 180,4 milhões) e o ex-líder do governo no Senado Fernando Bezerra (R$ 143 milhões).

Parlamentares de oposição também foram beneficiados pelas emendas RP9, mas em menor escala.

Entre os oposicionistas, alguns defenderam suas indicações e argumentaram que os recursos foram importantes para atender carências nos estados. Outros alegaram arrependimento e prometeram não lançar mão das emendas de relator no futuro.

EMENDAS DO RELATOR E A COBRANÇA POR TRANSPARÊNCIA

A ministra Rosa Weber, do STF, determinou em novembro de 2021 que o Congresso apresentasse os nomes dos padrinhos das emendas de relator de 2020 e 2021

  • Dos 513 deputados, 340 responderam
  • Dos 81 senadores, 64 responderam

Alguns parlamentares que não apresentaram os valores das emendas de relator:

No Senado

  • Carlos Viana (PL-MG), líder do governo no Senado
  • Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), ex-presidente do Senado
  • Eduardo Braga (AM), líder do MDB no Senado
  • Omar Aziz (PSD-AM), que presidiu a CPI da Covid

O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES

A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o fim de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.

As emendas parlamentares se dividem em:

  • Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2022). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
  • Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
  • Emendas do relator-geral do Orçamento: as emendas sob comando do relator, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo

CRONOLOGIA

Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares

2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:

  • execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior
  • metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde
  • contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória

2019

  • O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
  • Metade desse valor tem que ser destinado a obras
  • O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões
  • Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral

2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:

  • emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
  • emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
  • emendas de comissão permanente: R$ 0
  • ?emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões

2022
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:

  • emendas individuais (obrigatórias): R$ 10,9 bilhões
  • emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 5,8 bilhões
  • emendas de comissão permanente: R$ 2,3 bilhões
  • ?emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,5 bilhões

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