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Política & Poder

Chanceler Carlos França se cerca de políticos, imita Bolsonaro e adota ‘estilo centrão’

Naquele momento, saía um ministro considerado ideológico, desgastado em sua cruzada contra o “comunavírus” e o “globalismo”

FolhaPress

23/09/2021 14h42

Foto: Gabriel Albuquerque/MRE/Flickr

Fábio Zanini

Em 23 de agosto, um dia carregado em que teve audiência no Senado, encontro com o ministro Joaquim Leite (Meio Ambiente) e despachos com assessores graduados, o chanceler Carlos França conseguiu espremer na agenda uma reunião com autoridades de Encruzilhada do Sul, cidade de 25 mil habitantes a 170 km de Porto Alegre (RS).

Durante uma hora, o ministro das Relações Exteriores ouviu do prefeito Benito Paschoal (MDB) um pedido de ajuda para promover a produção local de oliveiras e mirtilo, além da nomeação da cidade como “capital nacional do azeite de oliva”. “Foi muito boa a impressão que tivemos dele”, diz o vereador Ramiro Hopp (MDB), que acompanhou a reunião.

O mergulho na vida do pequeno município do centro-sul gaúcho foi apenas um pequeno exemplo da atenção que França tem dado ao universo político desde que foi nomeado por Jair Bolsonaro para chefiar o Itamaraty, no final de março, em substituição a Ernesto Araújo.

Naquele momento, saía um ministro considerado ideológico, desgastado em sua cruzada contra o “comunavírus” e o “globalismo”, e entrava outro de perfil tido como mais técnico, com a missão de normalizar a diplomacia brasileira, sobretudo na relação com a China e os EUA.

Mas França, conforme mostram dados extraídos de sua agenda pública no site do Itamaraty, tem revelado também uma pronunciada faceta política, como se fosse uma espécie de “diplomata do centrão”. Em 125 dias úteis desde que assumiu, o atual chanceler teve 49 audiências com deputados, senadores, governadores ou prefeitos, média de 1 reunião com representantes políticos a cada 2,5 dias.

Em comparação, Ernesto, entre novembro de 2020 e março deste ano (período disponível no site do ministério), teve 17 audiências com políticos em 84 dias úteis, ou 1 a cada 5 dias.

Além da diferença de ritmo, salta aos olhos o perfil dos políticos que França recebe. Enquanto Ernesto privilegiava a base ideológica bolsonarista, França também abre o gabinete para parlamentares independentes, representantes do centrão e até eventuais opositores.

Nas conversas, segundo relatos feitos à reportagem, ouve pleitos de forma paciente e promete trabalhar em parceria com o interlocutor. Os resultados já aparecem, na forma de uma rede de contatos políticos que aos poucos ele vai formando.

“França é muito equilibrado, muito fino. Ele cai bem naquele cargo”, diz o deputado federal Fábio Ramalho (MDB-MG), conhecido por ser um dos reis do chamado “baixo clero” na Câmara. “Todo mundo com quem eu converso aqui na Câmara tem elogiado”, afirma ele, que foi recebido pelo chanceler em junho.

A visita, segundo Ramalho, foi de cortesia, sem pauta específica. “Uma discussão sobre questões práticas do mundo”, define. Ambos já se conheciam da época em que França fazia parte do cerimonial do Palácio do Planalto no governo Michel Temer (MDB).

Foi essa função, dizem parlamentares, que deu traquejo político ao ministro. França fez parte do cerimonial em três períodos diferentes, servindo a quatro presidentes: 1997-99 (Fernando Henrique Cardoso), 2011-15 (Dilma Rousseff) e 2017-20 (Temer e Bolsonaro).

Quem exerce essa tarefa, estratégica para o dia a dia da Presidência, acaba tendo acesso privilegiado ao presidente e pode estabelecer uma rede de relações com as pessoas que circulam pelo centro do poder. “Ele teve relacionamento próximo com todo mundo. É muito habilidoso, busca assuntos de convergência com o interlocutor”, diz o deputado estadual Frederico D’Ávila (PSL-SP), que participou de audiência com França em 2 de setembro acompanhado de Guilherme Coelho, presidente da Abrafrutas (Associação Brasileira dos Produtores de Frutas). “Em certos aspectos, parece um adido comercial, bastante preocupado com questões práticas”, afirma o deputado.

D’Ávila é um dos diversos parlamentares bolsonaristas que foram recebidos pelo chanceler nos últimos dois meses, num movimento que França tem feito para lustrar suas credenciais junto à base do presidente. Também fizeram parte desse esforço a presença em atos como os dois discursos de teor golpista proferidos por Bolsonaro no dia 7 de setembro e o comportamento na recente viagem a Nova York, em que França apareceu fazendo sinal de arminha no ônibus da comitiva que foi hostilizado por manifestantes.

O Itamaraty, no entanto, em resposta ao jornal O Globo, nega que França tenha feito o gesto, e pessoas próximas, ainda de acordo com a publicação, dizem que o chanceler estava apontando para alguém. Ainda assim, não há nada parecido, por enquanto, à centralidade que Ernesto dava a bandeiras ideológicas. O antigo chanceler era assíduo em eventos como o “Seminário Online Considerações Filosóficas, Políticas e Sociais da Defesa da Vida no Brasil”, ocorrido em novembro do ano passado. França tem passado longe desse tipo de agenda.

Quem conhece de perto o atual ministro interpreta o alinhamento ao presidente mais como uma estratégia de sobrevivência política, cuja importância ele assimilou durante seus anos dando expediente no Palácio do Planalto.
“Há uma mudança significativa na diplomacia. Com o ministro França, voltamos para a Terra redonda”, diz o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), expoente do centrão, que já esteve duas vezes com o ministro.

Numa das audiências, ambos discutiram a posição que o Brasil levará para a conferência climática COP-26, marcada para o início de novembro, em Glasgow, sobre a regulamentação do mercado de créditos de carbono. Tratar desse tema com Ernesto seria muito mais difícil, afirma o deputado.

Embora hoje se coloque na oposição a Bolsonaro, Ramos rasga elogios ao chanceler. “Ele tem compromisso com Bolsonaro, claro, mas ao mesmo tempo resgata a tradição da diplomacia brasileira, que é a do diálogo. Você pode discordar, mas não precisa desmoralizar a instituição.”

Outro opositor recebido pelo ministro foi o deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE). No caso dele, o tema era a possibilidade de músicos brasileiros voltarem a se apresentar nos EUA após a flexibilização de restrições da pandemia –o deputado preside a frente parlamentar da cultura e entretenimento.

Embora França não tenha se comprometido com alguma medida concreta, o gesto de ter sido recebido já foi algo positivo, diz Carreras. “Fiquei com boa impressão, o ministro cumpre o papel dele. Não é da ala que joga para a torcida, que tem posicionamento folclórico.”

Durante a pandemia, o deputado socialista diz ter procurado Ernesto também, mas conseguiu apenas um contato telefônico. “Ele era uma pessoa de mais difícil acesso. Depois não o procurei mais, ele começou a falar aquelas coisas malucas”, afirma.

Em nota, a assessoria do Itamaraty afirmou que França “mantém abertos canais de diálogo com os Poderes da República, os demais órgãos do Poder Executivo, os setores produtivos e a sociedade”. “É perfeitamente normal que o ministro França mantenha interlocução frequente com parlamentares da base de apoio do governo, mas ele também se reuniu com parlamentares considerados independentes ou oposicionistas”, afirma a nota.

Sobre a reunião com a delegação de Encruzilhada do Sul, o Itamaraty diz que o objetivo foi tratar da internacionalização de pequenas e médias empresas do setor de olivicultura, além de troca de informações sobre temas locais. “O ministro França, para exercer sua função, tem necessidade de dialogar com representantes de distintos setores sociais, de forma a recolher informações e avaliações sobre o Brasil”, diz a pasta.

Chanceler aumenta contatos com políticos

Carlos França*
Encontros políticos: 49, em 125 dias**
Proporção: 1 encontro político a cada 2,5 dias
Número de audiências com
Deputados federais: 35
Senadores: 8
Deputados estaduais: 1
Governadores: 3
Prefeito: 1
Vice-prefeito: 1
Políticos sem mandato: 1

Ernesto Araújo * * *
Encontros políticos: 17, em 84 dias**
Proporção: 1 encontro político a cada 5 dias
Número de audiências com
Deputados federais: 15
Senadores: 5

( * ) dias com agenda entre 5.abr.21 e 17.set.21
( * * ) 1 audiência conjunta com governador e deputado federal
( * * * ) dias com agenda entre 11.nov.20 e 29.mar.21

Fonte: Ministério das Relações Exteriores

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