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Política & Poder

Bicho-papão da direita, Foro de SP busca retomada aos 30 anos

O encontro inaugural foi pensado como um evento único. Não havia o nome “Foro” nem a ideia de criar uma entidade permanente, que só viriam depois

Redação Jornal de Brasília

04/07/2020 13h37

Foto: Agência Brasil

SÃO PAULO, SP 

Há 30 anos, Luiz Inácio Lula da Silva abria a primeira reunião do que se tornaria o Foro de São Paulo com um pedido de desculpas às dezenas de delegados espremidos em um salão do Hotel Danúbio, no centro de São Paulo.

“O encontro foi convocado de forma muito rápida, e portanto não foi possível fazer a organização que nós pretendíamos fazer”, disse a representantes de 53 partidos de esquerda, de 14 países.

Ele pediu pontualidade a todos, porque a pauta era extensa: o futuro do socialismo após a queda do bloco soviético e a resistência à onda neoliberal no continente.

Mas o próprio Lula ignorou sua cobrança e atrasou os trabalhos por causa dos jogos da Copa do Mundo da Itália.

Assim, num clima de improviso e informalidade, nasceu a entidade hoje demonizada pela direita bolsonarista.

Com o refluxo da onda vermelha na América Latina a partir de 2016, que tirou a esquerda de países como Brasil, Uruguai, Chile, Bolívia e Equador, o Foro busca novo espaço para resistir à ascensão da direita no continente.

Além disso, o surgimento de outras iniciativas globais, como o Grupo de Puebla, que reúne ex-presidentes esquerdistas do continente, e a Internacional Progressista, criou uma certa sombra à organização.

“Eu acho até graça quando fico sabendo das lives do Olavo que falam do Foro”, diz a secretária-executiva da entidade, a petista Monica Valente. “Viramos o novo eixo do mal.”

Hoje são 122 partidos membros, de 26 países da América Latina e do Caribe. O PT tem grande influência sobre a entidade e sempre indicou o secretário-executivo, espécie de coordenador do Foro.
Do Brasil participam também PC do B, PDT e PCB. O PSB e o PPS deixaram a organização nos últimos meses, insatisfeitos com a influência do regime venezuelano.

O encontro inaugural foi pensado como um evento único. Não havia o nome “Foro” nem a ideia de criar uma entidade permanente, que só viriam depois. Desde então já houve 25 reuniões, a última em julho de 2019 em Caracas.

Um novo encontro ocorreria no México, mas foi adiado por causa da Covid-19. A imagem do grupo como um bicho-papão, segundo Valente, é uma caricatura.

“Tem um elemento propagandístico, de fake news, em que você vai contando uma mentira e ela vira verdade. É igual ao kit gay do [Fernando] Haddad”, afirma ela, em referência a uma acusação falsa de que o PT incentivaria práticas homossexuais nas escolas.

O Foro, diz a dirigente, é um espaço de debate, não de imposição de diretrizes. “Todo mundo tem liberdade de fazer o que acha, as decisões são tomadas por consenso.”

Algumas das características do grupo o expuseram a ataques ao longo de sua existência. O principal é o fato de dar abrigo a ditaduras.

A própria ideia de reunir os partidos surgiu de uma conversa de Lula e Fidel Castro. Hoje, além do Partido Comunista Cubano, fazem parte as legendas que sustentam os regimes de Nicarágua e Venezuela.

Também houve flerte com entidades que adotavam a guerrilha, sobretudo as Farc colombianas, que nunca integraram o Foro, mas mandavam observadores.

Os laços só foram cortados a partir dos anos 2000, quando a esquerda que chegava ao poder pelo voto queria se distanciar da luta armada.

Para Valente, o que caracteriza os integrantes do Foro é serem “antineoliberais e anti-imperialistas”.
“Democracia é um fator importante, claro, mas não se resume a eleições. Vejam as últimas no Brasil como foram. Reconhecemos o resultado, mas não significa que achemos que tenham sido limpas e corretas”, diz.

A presença da Venezuela, afirma, não causa embaraço. “Você pode falar o que for da Venezuela, mas não tem país que mais fez eleição.”

Secretário-executivo do Foro de São Paulo de 2005 a 2013, Valter Pomar era um jovem petista de 23 anos frequentando os corredores do Hotel Danúbio na primeira edição.

Coautor de “Foro de São Paulo”

Construindo a Integração Latinoamericana e Caribenha” (editora Fundação Perseu Abramo, 2013), ele identifica algumas fases na existência da organização.

“Em boa parte dos anos 1990, o Foro era irrelevante, a gente só governava Cuba”, diz. “Só depois alcançou êxito. Veja o que aconteceu a partir do final dos anos 90, com as vitórias de Chávez [em 1998] e Lula [em 2002]. Contribuiu muito para as vitórias que a esquerda teve no período seguinte.”

Um momento de inflexão, acredita Pomar, foi a crise financeira de 2008. “A partir de 2008, a pauta era diagnosticar a crise mundial. Uma avaliação foi a de que era a marcha fúnebre do neoliberalismo. Outro setor achava que os EUA dobrariam a aposta no modelo neoliberal. Nunca houve um desfecho para essa polêmica”, afirma.

Ele ironiza a tentativa dos olavistas de caracterizarem o Foro como “uma maçonaria”, mas diz que a direita tem alguma razão em se inquietar.

“Estão corretos em se preocupar, porque o Foro potencializou a esquerda latino-americana. Você pode dizer que está debilitado, pode também dizer que está se preparando para uma nova expansão. A esquerda vai voltar ao governo, e o Foro vai ser muito necessário”, diz.

Para o cientista político Fernando Abrucio, professor da FGV, “quanto mais o Foro de São Paulo foi perdendo relevância, mais ganhou importância para seus detratores”.

“Na década de 1990, ele foi importante para os líderes de esquerda conhecerem pessoas, formarem redes políticas. Mas a partir do segundo governo Lula [2007-10], perdeu importância completa. Não era mais necessário. As articulações eram feitas pelos governos”, afirma.

Segundo Abrucio, vilanizar o Foro é um discurso que atende à direita ideológica. “Esses grupos funcionam na lógica de construir um inimigo interno. Identificar o comunismo como ameaça é algo muito solto. O Foro deu materialidade a esse inimigo.”

O professor diz que o grupo hoje paga um preço por ter tolerado a esquerda não-democrática. “Sempre fecharam os olhos para a repressão em Cuba e para as próprias Farc.”

Ele é cético quanto à capacidade de a entidade readquirir relevância para novamente ajudar a esquerda a voltar ao poder, como fez nos anos 90. “O momento da esquerda é de reorganização interna e renovação. Mas não acho que vai ser o Foro que fará isso.”

As informações são da FolhaPress 

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