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Política & Poder

Ato relembra Herzog após 50 anos, e religiosos exaltam resistência por democracia

A maior parte do público presente trajava vestes brancas e carregava flores brancas, conforme havia sido sugerido pelos organizadores do evento

Redação Jornal de Brasília

26/10/2025 9h33

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Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

JULIANA ARREGUY E RENATA GALF
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Um ato em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog na noite deste sábado (25) deixou a Catedral da Sé, em São Paulo, lotada e reuniu familiares de vítimas da ditadura, religiosos, artistas e políticos, com discursos em defesa da democracia e dos direitos humanos.

A celebração recordou o assassinato de Herzog há 50 anos pela ditadura militar e remeteu ao ato inter-religioso realizado à época, também na Sé, pelo arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, junto do rabino Henry Sobel e do pastor presbiteriano Jaime Wright.

Neste sábado, o trio foi representado pelo atual arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, pelo rabino Uri Lam, da Congregação Israelita Beth-El, e pela pastora Anita Wright, filha de Jamie Wright. Eles ressaltaram a importância da resistência dos religiosos em 1975.

Na ocasião, cerca de 8.000 pessoas compareceram ao ato na Sé, que desafiou a ditadura militar por contestar a versão dada pelo regime de que Vlado, como era conhecido Herzog, havia cometido suicídio –ele foi torturado e morto na sede do DOI-Codi do Exército, em São Paulo, após ter se apresentado de forma espontânea para prestar esclarecimentos sobre sua militância pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro).

Organizado pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Comissão Arns, o ato teve início pouco depois das 19h, com uma apresentação do Coro Luther King. A maior parte do público presente trajava vestes brancas e carregava flores brancas, conforme havia sido sugerido pelos organizadores do evento.

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) compareceu representando o presidente Lula (PT), que tinha sido convidado pessoalmente por Ivo Herzog para o ato, mas cumpre no momento uma série de agendas na Malásia.

Também estiveram presentes o ministro Paulo Teixeira (Agricultura), o ex-ministro José Dirceu, deputados federais e estaduais, além do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, que atuou na defesa de presos políticos.

Após a apresentação do coral, uma cerimonialista pediu um momento de silêncio em homenagem às vítimas da ditadura. Os presentes, então, levantaram cartazes com fotografias dos mortos e desaparecidos no período. Outros ergueram papéis com as frases “onde estão os nossos desaparecidos” e “a ditadura segue presente nas periferias”.

Na sequência, o coro começou a cantar “O Bêbado e o Equilibrista”, cuja letra, de João Bosco e Aldir Blanc, cita “choram Marias e Clarices” em referência a Clarice Herzog, mulher de Vlado, que lutou pelo reconhecimento de que o marido havia sido assassinado pelo Estado. No telão foram exibidas imagens de Vlado com a mulher e os filhos enquanto o público cantava junto do coral. A canção, lançada em 1979 na voz de Elis Regina, ficou conhecida como um dos hinos pela redemocratização.

Em outro momento, a cerimonialista pediu que aqueles que estiveram no ato de 1975 ficassem de pé e levantassem as mãos. Eles foram então aplaudidos pelo restante da catedral, que passou a ecoar gritos de “sem anistia” —em referência ao movimento que busca o perdão de Jair Bolsonaro (PL) e aliados pela condenação por tentativa de golpe de Estado em 2022.

Em seu discurso durante a celebração, Dom Odilo disse que o ato serve para reafirmar a importância da resistência dos religiosos em 1975. “Se estamos aqui sem medo de retaliação e com liberdades democráticas consolidadas, devemos isso também àqueles que pagaram um alto preço com seu sangue e sua vida”, afirmou. Acrescentou ainda que o evento reverencia vítimas do autoritarismo e da intolerância, além das injustiças sociais.

O rabino Uri Lam, por sua vez, disse que Herzog foi “imortalizado como símbolo da verdade, integridade e resistência” e que os religiosos do ato de 1975 conseguiram “transformar o luto em resistência”. “O que fazemos aqui hoje é uma obrigação: lembrar de resistir.”

Anita Wright leu o Salmo 23 (“O senhor é meu pastor e nada me faltará”), assim como seu pai fez há 50 anos. “A ditadura militar fez que andássemos pelo vale da sombra da morte”, disse ela.

Ivo Herzog, filho mais velho de Vlado, ao discursar ao lado de seu irmão, André Herzog , pediu que o restante da família –os netos de Herzog– ficassem junto dos dois no momento em que ele contava sobre como se recorda do que ocorreu na morte do pai. “Aprendemos que essa luta não era particular, da nossa família. Aprendemos que a luta era da nossa gente.”

Ele também agradeceu a presença de Alckmin e lembrou que, em sua infância, ele tinha medo do Estado. “A presença do senhor faz com que esse ato seja um ato de Estado”, afirmou Ivo.

Ao discursar no ato, Alckmin disse reafirmar seu compromisso e do presidente Lula “em defesa da verdade, da justiça e da democracia”. O político exaltou ainda o jornalista homenageado: “Viva Herzog, viva a democracia e viva o Brasil”.

Questionado por jornalistas antes do ato sobre o que achava da revisão da Lei da Anistia de 1979, tema alvo de cobrança da família de Herzog, Alckmin evitou responder, dizendo apenas que “já demos bons passos nessa questão”.

Parte da sociedade civil e familiares de vítimas criticam a demora do STF (Supremo Tribunal Federal) em julgar ação parada desde 2014 na corte sobre o assunto. A lei aprovada ainda durante o regime autoritário concedeu perdão aos militares que cometeram crimes durante a ditadura.

Antes do evento, em fala a jornalistas, Ivo Herzog, afirmou que a anistia de 1979 é por si só uma aberração e cobrou o STF para que leve a discussão ao plenário. Chamou de “abstenção do ministro Dias Toffoli” e disse que a demora era uma cumplicidade com a cultura de impunidade às tentativas de golpe da história brasileira.

“A gente não está exigindo que a Lei de Anistia diga isso ou aquilo. A gente está só pedindo para que o debate seja levado ao plenário e isso tem sido negado para nós”. disse. “E a noite de hoje, essa nossa manifestação, essa nossa indignação pelos agentes de Estado que cometeram atrocidades contra todos os entes queridos e familiares a quem a gente dedica essa noite, sensibilize os ministros da STF, sensibilize o ministro Dias Toffoli.”

Também em declaração a jornalistas antes do ato, a presidente do STM (Superior Tribunal Militar), Maria Elizabeth Rocha, afirmou que a seu ver a Lei de Anistia de 1979 é inconstitucional.

“Eu sempre entendi que a lei de anistia era inconstitucional. Seja porque era incompatível com a nossa Carta política de 1988, e seja agora porque o Supremo entendeu que os tratados de direitos humanos têm caráter supralegal”, disse ela, apontando que crimes de lesa humanidade seriam sob a luz de tratados internacionais imprescritíveis e não sujeitos a qualquer tipo de perdão.

“Perdão que foi concedido, mas que não gera esquecimento. Por isso nós hoje estamos aqui. Porque se houve perdão, não houve esquecimento.”

Em 1975, na data do ato na Sé, 800 agentes da repressão bloquearam as ruas que davam acesso ao centro da cidade, onde fica a catedral, e 500 monitoraram o entorno da igreja –dois agentes permaneceram no interior dela para documentar o evento.

Dom Paulo Evaristo Arns, Henry Sobel e Jamie Wright já eram críticos e atuantes contra a ditadura antes do assassinato de Vlado. O irmão de Wright, Paulo Stuart Wright, ex-deputado estadual de Santa Catarina, foi interrogado e morto no mesmo DOI-Codi em 1973. O corpo nunca foi localizado. O episódio o aproximou de dom Paulo, que já se posicionava contra a violenta repressão do regime.

“A dor da família Wright é não saber o que foi feito do corpo de tio Paulo e não poder dar um enterro digno a ele”, disse Anita Wright à Folha antes do ato.

Em 1985, o trio lançou o livro “Brasil: Nunca Mais”, que mapeia casos de mortes e torturas cometidas pela ditadura entre 1964 e 1979.

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