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Política & Poder

AGU bate recorde de pedidos no STF sob Bolsonaro

Até junho deste ano, segundo dados do STF, Bolsonaro havia ingressado com 17 ações no tribunal sob representação da AGU

FolhaPress

18/06/2022 8h03

José Marques
Brasília, DF

Com três anos e meio de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem o mandato recordista em uso da AGU (Advocacia-Geral da União) para tentar resolver entraves da sua gestão no STF (Supremo Tribunal Federal) em comparação com seus antecessores.

Sob Bolsonaro, o órgão responsável pela representação jurídica do governo já se iguala, em ações assinadas pelo presidente, ao número de vezes que o ex-presidente Lula (PT) acionou o Supremo em seus oito anos de gestão. Prevista na Constituição de 1988, a AGU foi implantada em 1993.

Crítico do Judiciário e na mira de investigações no STF, Bolsonaro tem usado essas ações tanto para solucionar conflitos de Estado como para reforçar posicionamentos ideológicos e bandeiras políticas.

Até junho deste ano, segundo dados do setor de estatísticas do STF, Bolsonaro havia ingressado com 17 ações no tribunal sob representação da AGU, contra 7 casos de Lula no primeiro mandato e outras 10 ações no segundo mandato.

O atual presidente ultrapassa, com sobra, as gestões de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com 4 representações, de Dilma Rousseff (PT), que utilizou 10 vezes a AGU, e as 2 vezes que o órgão foi utilizado no mandato tampão de Michel Temer (MDB).

Bolsonaro não acionou o STF em seu primeiro ano de governo, mas a partir de 2020 passou a ajuizar ações no Supremo para questionar medidas como o bloqueio de perfis em redes sociais e decisões de governos estaduais e municipais para conter a transmissão da Covid-19, temas que fazem parte da sua agenda ideológica.

O uso intensivo do órgão já causou conflitos internos e, em 2020, resultou no pedido de demissão do então advogado-geral da União, José Levi.

À época, Levi não assinou uma ação contra decretos que determinavam restrições de serviços não essenciais devido à pandemia. Dias depois, ele pediu demissão do cargo e foi substituído por André Mendonça, que hoje é ministro do Supremo.

Atualmente, o advogado-geral da União é Bruno Bianco, que foi secretário-executivo do Ministério do Trabalho.

Nos últimos meses, com a aproximação das eleições, o presidente ajuizou ações a respeito do ICMS sobre os combustíveis para tentar evitar que altas no preço da gasolina e do diesel afetem a sua campanha à reeleição.

Procurada, a AGU diz que o presidente da República é legitimado pela Constituição para promover ações sobre a constitucionalidade de leis e atos normativos e que essa representação é realizada pelo órgão.

Além de fazer a defesa de Bolsonaro nesses casos, a AGU também representa Bolsonaro nas investigações relacionadas ao mandatário no Supremo.

Por exemplo: o inquérito das fake news, o da suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal e o do vazamento de informações da apuração sigilosa sobre o ataque hacker ao sistema do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A AGU também atua em situações controversas. Na Justiça Federal de Brasília, por exemplo, o presidente e Walderice Santos da Conceição, a Wal do Açaí, são defendidos em conjunto por advogados da União em uma ação de improbidade administrativa.

A ação foi aberta com base em reportagem da Folha que, em 2018, revelou a suspeita de Wal do Açaí ser funcionária fantasma do antigo gabinete de Bolsonaro na Câmara dos Deputados.

O Ministério Público Federal diz que a representação do órgão, nesse caso, é irregular, porque o caso é de suspeita de prejuízo aos cofres públicos e a AGU deve fazer a defesa de atos praticados no interesse público, no exercício de suas atribuições.

Na maioria dos casos dos antecessores de Bolsonaro, os questionamentos da AGU eram relativos a normas que entravam em conflito com a Constituição ou buscavam obter o aval da corte para decisões presidenciais.

Em 2001, por exemplo, FHC buscou do Supremo a validade da chamada “medida provisória do apagão”. Gilmar Mendes, atual decano do STF, era o advogado-geral da União.

Lula questionou leis estaduais que dispunham sobre pesca, brigou com cartórios que se recusavam a oferecer certidões gratuitas com a União e até entrou com uma ação contra lei de Itatiba (SP) que previa o desligamento de semáforos durante a noite.

Em parte dessas ações de Lula, a AGU estava sob o comando de Dias Toffoli, que também virou ministro da corte suprema.

Já Dilma Rousseff usou a AGU para acionar o Supremo não só em ações de controle de constitucionalidade, mas também de decisões relacionadas à crise do seu segundo mandato.

Ela ajuizou uma ação contra decisão de Gilmar Mendes que impediu a posse de Lula como chefe da Casa Civil, após o então juiz Sergio Moro liberar a divulgação de um grampo telefônico de uma conversa entre os dois.

Temer, por sua vez, solicitou à corte a possibilidade de liberar estradas bloqueadas durante a greve dos caminhoneiros.

Para as pesquisadoras da FGV Direito SP Eloísa Machado de Almeida e Luíza Pavan Ferraro, que fizeram um levantamento sobre os primeiros dois anos da AGU sob Bolsonaro, o órgão assumiu na atual gestão um papel diferente das administrações anteriores.

O órgão, afirmam, faz, atualmente, “uma defesa ampla de todos os atos, quando não uma defesa personalíssima do presidente, isto é, a defesa dos chamados atos parainstitucionais, como postagens em redes sociais, discursos e entrevista”.

Isso, na visão das pesquisadoras, extrapola as funções do órgão. “Infelizmente, a Advocacia-Geral da União não se comportou como uma instância de controle técnico-jurídico dos atos do presidente da República. Muito pelo contrário”, diz Eloísa Machado.

“A Advocacia-Geral da União corroborou medidas inaceitáveis vindas do presidente da República, como por exemplo o endosso ao uso de cloroquina na pandemia, além de assumir a defesa particular de pessoas investigadas por atos de improbidade, como a Wal do Açaí”, afirma.

AGU DIZ ATUAR COM ANÁLISES TÉCNICAS E JURÍDICAS

Procurada, a AGU afirma que o presidente buscou a tutela do STF em diversas ações “para fazer valer regras que compõem o arcabouço institucional da chefia do Poder Executivo, impugnando decisões do Congresso Nacional que, segundo a visão do Executivo Federal, desrespeitaram as regras orçamentárias da CF [Constituição Federal], repercutindo, de alguma forma, nas prerrogativas presidenciais”.

Ainda afirma que a representação judicial de agentes públicos em ações e inquéritos “tem por fundamento o artigo 22 da Lei n. 9.028/95, norma que confere segurança jurídica aos servidores de todas as esferas de poder, para que sua autonomia decisória e funcional não fique cerceada por demandas infundadas”.

“Toda atuação da AGU, nesta matéria, é precedida da elaboração de análise técnico-jurídica, ocasião em que se avalia a presença dos requisitos legais, a exemplo da identificação de interesse público e pertinência do questionamento com as funções do cargo ou função.”

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