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Política & Poder

“A Justiça brasileira é hoje a injustiça institucionalizada”, diz Deltan

“O Supremo não só está garantindo a impunidade dos corruptos, mas o sistema está buscando vingança em cima de quem combateu a corrupção e isso está claro”

Lucas Valença

06/06/2022 4h57

O ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba Deltan Dallagnol concedeu uma entrevista exclusiva ao Jornal de Brasília e afirmou que a Justiça brasileira “institucionalizou a injustiça” e que o Supremo Tribunal Federal, com excessões entre seus ministros, está aplicando, contra políticos e empresários envolvidos em supostos esquemas de corrupção, a máxima de “não punir, não deixar punir e punir quem pune”.

“O Supremo não só está garantindo a impunidade dos corruptos, mas o sistema está buscando vingança em cima de quem combateu a corrupção e isso está claro”, declarou Deltan Dallagnol, ex-integrante do Ministério Público que concorre a uma das 30 cadeiras destinadas a deputados federais pelo Paraná.

Confira a entrevista completa:

O senhor deixou o Ministério Público para entrar na política. Por qual razão o senhor optou por essa mudança?

É uma mudança importante na minha vida e uma mudança não usual. Você não vê muitos procuradores, promotores ou juízes irem para a política, pois se perde a estabilidade, a aposentadoria e a paz. Então essa foi a decisão mais difícil da minha vida.

Agora, o que a gente viu foi que a Lava Jato foi desmontada ao longo dos últimos meses. Não só desmontaram as condenações, mas estão retirando do Ministério Público e do Judiciário os instrumentos de trabalho.

Eles acabaram com a delação premiada, com a prisão preventiva, por meio de mudanças no Congresso. O Supremo acabou com a prisão em segunda instância e chegamos a um ponto em que não é mais possível a gente trabalhar contra a corrupção de dentro do MP e do Judiciário.

Nosso objetivo sempre foi reduzir a corrupção no país para diminuir o sofrimento humano que a corrupção causa. Não é colocar pessoas na cadeia. Ainda que pessoas tenham ido para a cadeia, não é nosso objetivo final.

Então nosso objetivo ainda está lá, mas apenas porque o sistema é todo engrenado para não funcionar contra os corruptos, para acontecer o que aconteceu com a Lava Jato e com o caso Banestado, onde os colaboradores, que fizeram acordo com a Justiça, estão pagando o pato, enquanto as pessoas que praticaram os crimes não devolveram o dinheiro e estão saindo impunes.

O Brasil hoje vive um conflito entre o STF e, em especial, o Executivo, com declarações constantes do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra o Supremo e decisões da Corte consideradas polêmicas. Como o senhor observa essa conflito?

Cada Poder tem de fazer o seu papel. Nós precisamos examinar ato a ato. Uma das polêmicas recentes foi a que envolveu o deputado federal Daniel Silveira (Foto). Ele fez o certo? Não. Ele fez errado, abusou falando coisas que não deveria. Agora, na nossa Constituição existe uma proteção que se chama imunidade parlamentar, que proíbe qualquer tipo de punição a parlamentares pelo exercício da palavra.

Dessa forma, não existe no Brasil previsão de punição criminal em razão de palavras emitidas por parlamentares. Se outra pessoa tivesse falado o que ele falou, cometeria crime, mas ele não.

Então, ao meu ver, o Supremo extrapolou suas atribuições. E mais, o Supremo fez um processo em um ano, conduzido por juízes que eram as vítimas e condenou Silveira a oito anos de prisão, quando os líderes do mensalão, que desviaram R$ 100 milhões, foram punidos em pouco mais de sete anos de prisão.

O fato é: se o Supremo aplicasse o mesmo rigor que aplicou contra Daniel Silveira contra os corruptos, a gente já teria enfrentado esse problema da corrupção há muito tempo no Brasil, derrubando um dos seus pilares centrais que é a impunidade.

Com relação à Lava Jato, muitas condenações foram anuladas, tendo muitos políticos alvos da operação novamente elegíveis. Não há a exploração de erros da própria Lava Jato?

A Lava Jato está pagando pelos acertos, é só olhar o que aconteceu com os grandes casos de corrupção ao longo da história, como os anões do orçamento, o mensalão mineiro, o propinoduto, a operação dilúvio, entre outras operações que foram anuladas ou prescreveram.

O que está acontecendo com a Lava Jato é o alto padrão de funcionamento da Justiça, ou melhor, da injustiça brasileira. A Justiça brasileira é hoje a injustiça institucionalizada. Na política deveria valer a máxima de Ulisses Guimarães: “não roubar, não deixar roubar e punir quem rouba”. Mas o Supremo está aplicando a máxima de não punir, não deixar punir e punir quem pune.

O Supremo não só está garantindo a impunidade dos corruptos, mas o sistema está buscando vingança em cima de quem combateu a corrupção e isso está claro.

Recentemente o senhor foi condenado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) a pagar uma indenização de R$ 75 mil ao ex-presidente Lula. Como o senhor responde a essa decisão?

O STJ em uma decisão não esperada, já que seria muito absurda para ser verdadeira, virou as absolvições das primeira e segunda instâncias técnicas do Judiciário e me condenaram a pagar uma indenização contra o ex-presidente contra a jurisprudência passífica do próprio tribunal e contra uma decisão vinculante do Supremo que diz que essa ação jamais poderia ter sido feita contra mim, mas contra a União.

A União, por sua vez, já tinha pareceres no sentido de que eu não teria feito nada errado. Mas para a absoluta surpresa, o STJ ordenou que eu pagasse essa indenização, o que resultou em um impacto imenso em minha vida já que, no dia em que essa ordem foi emitida fui dormir indignado com a Justiça, mas, no dia seguinte, minha esposa mandou mensagem dizendo que estava entrando alguns pix na nossa conta corrente e pensei que fosse engano.

De repente 10 depósitos viraram 20, 30, 500, e se formou uma grande corrente de solidariedade, sem que eu pedisse, para fazer um grande ato de protesto contra a injustiça. No total foram mais de 12 mil depósitos e mais de R$ 575 mil, o que mostra que as pessoas estão indignadas com o que está acontecendo.

Recentemente o TCU notificou o senhor para que devolvesse R$ 2,8 milhões dos cofres públicos que teriam sido gastos em passagens e diárias emitidas em razão da Força-tarefa de Curitiba. Como o senhor explica esse montante?

Essa decisão mostra um pouco do custo pessoal que você tem quando decide combater a corrupção no país. Essa decisão é absurda e contraria toda a área técnica do tribunal, que falou que não havia nada de errado na compra de diárias e passagens. A auditoria interna do Ministério Público também não viu ilegalidade. Aí um ministro (Bruno Dantas), de uma turma que tem pessoas acusadas dentro da operação Lava Jato e um ministro relator (Bruno Dantas), que foi ao jantar de lançamento da pré-candidatura de Lula e que é apadrinhado político de Renan Calheiros, começa o processo contra o entendimento de todo mundo.

É preciso levar em conta também que a gente investiu R$ 2,8 milhões para recuperar R$ 15 bilhões. Nós precisamos trazer grandes especialistas do mundo inteiro para fazer um trabalho que trouxe resultados inéditos à sociedade. E agora eles querem colocar esse custo em nós.

Além disso, o ministro Bruno Dantas escolheu as pessoas que ele iria responsabilizar. E quem foram? O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que hoje se aposentou e que provavelmente vá se candidatar, e Deltan, eu, que saiu do Ministério Público e que é candidato.

Veja que tiveram vários procuradores que pagaram as diárias e que não foram inseridos e vários secretários, que foram os ordenadores de despesas, ou responsáveis legais, e que também não foram inseridos no processo.

Há uma tentativa de se mudar o modelo de força-tarefa atualmente utilizado pelo Ministério Público?

Destruíram já e não vai voltar a acontecer. Quem vai ser louco de montar uma força-tarefa quando se tem esse nível de retaliação? Quem que vai colocar a sua vida pessoal em risco para atuar contra pessoas poderosas? Ninguém é louco. Veja que eu atuei a minha vida toda contra criminosos. Processei Fernandinho Beira-mar, traficante internacional de drogas; processei corruptos aqui no Paraná e no caso Banestado, mas nunca existiu qualquer risco de consequência para a minha vida pessoal. Com a Lava Jato foi diferente.

A questão é, qual procurador vai deixar a sua tranquilidade para depois responder com os bens da sua família, com a sua paz, com a sua estabilidade? Ninguém vai fazer isso. Então eles estão alcançando os objetivos deles, que é acabar com o combate à corrupção desestimulando a abertura de casos.

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