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Opinião

Estratégica na luta contra a Covid-19, indústria brasileira de dispositivos médicos agoniza na UTI

Tivemos de enfrentar a pressão de vários setores da sociedade para que conseguíssemos atender às inúmeras demandas

Redação Jornal de Brasília

13/05/2021 17h17

*Por Franco Pallamolla

Há mais de um ano, fomos impactados pela pandemia mundial de Covid-19 e não seria exagero dizer que a indústria médica brasileira carregou parte deste fardo nas “costas”. Empresas ampliaram seus turnos e fizeram contratações para aumentar suas produções. Além disso, tivemos de enfrentar a pressão de vários setores da sociedade para que conseguíssemos atender às inúmeras demandas, mesmo sem a devida atenção do Estado para o desenvolvimento do segmento em busca de sua capacidade máxima de produção.

Desde o início da pandemia, o Governo reduziu tributos de importação e facilitou a aquisição de uma série de artigos para tentar suprir a hiper demanda do mercado interno a curto prazo, fato que contribuiu muito para a entrada de insumos estrangeiros, como ventiladores, monitores multiparamétricos, entre outros. Porém, o mesmo estímulo deveria ter sido dado ao desenvolvimento da produção local e não foi feito.

Trata-se de um efeito dominó. Devido à inexistência de uma política industrial, o setor vive à míngua, pois nunca foi concedida a ele sua importância estratégica para o país. O que estamos vivendo agora é consequência da ausência dessa visão clara ao longo dos anos, resultando na vulnerabilidade da nossa indústria.

Para piorar, depois de um dos anos mais difíceis, fomos pegos de surpresa com o aumento de 18% do ICMS paulista, impactando toda cadeia. Os números corroboram essa fase desafiadora: em 2020, o faturamento da indústria de dispositivos médicos recuou 4,5% em relação a 2019. Se considerarmos o efeito do câmbio da moeda, essa retração foi de quase 30%.

Antes da pandemia, o SUS já era considerado o maior sistema de saúde pública entre os países com mais de 100 milhões de habitantes. A pergunta que fazemos é: por que uma nação com uma estrutura de saúde desse porte não possui uma indústria de dispositivos médicos capaz de abastecê-la de forma adequada?

Não resta dúvida a respeito da importância estratégica da indústria de dispositivos médicos, principalmente, no cenário em que estamos vivendo. Mesmo com a pressão do momento e a escassez de estímulo, o setor tem sido incansável na produção de inúmeros produtos indispensáveis ao enfrentamento do caos na saúde. A situação atual mostrou toda a capacidade de resposta do segmento no enfrentamento da pandemia, período em que atendeu às variadas solicitações de materiais de forma rápida, eficiente e inovadora, incluindo EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e ventiladores pulmonares. Porém, poderia ser ainda mais forte se houvesse incentivo público à produção brasileira.

Considerando a relevância da indústria de dispositivos médicos, os Estados Unidos e países da Europa e Ásia decidiram reduzir a dependência das cadeias globais de valor na segurança estratégica para o fornecimento de insumos, estimulando a atividade de suas fábricas locais. O Brasil, no entanto, vai totalmente na contramão. A atuação do Estado amplia a concorrência com os produtos estrangeiros; a forma onerosa com que são tributados os produtos brasileiros ao serem vendidos a hospitais e instituições filantrópicas, reforça a competitividade com os importados. Fato que pode ser comprovado pelo persistente e crescente déficit na balança comercial do setor.

É fundamental que o estado brasileiro reconheça a dimensão dessa indústria, bem como sua excepcionalidade. Toda essa falta de entendimento nos colocou na dependência de outros países, tanto de matérias-primas como dos produtos acabados. Esperamos que o Governo se conscientize e priorize um plano de inserção da indústria, que possibilite o seu protagonismo, permitindo acesso a financiamentos e tributos mais justos. Afinal, o segmento faz parte de um exército que salva vidas.

*Franco Pallamolla é presidente da Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (ABIMO).

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