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Opinião

A dura realidade da saúde brasileira

Os recursos financeiros públicos devem ser utilizados de forma inteligente para que a democratização da saúde seja viável

Redação Jornal de Brasília

23/05/2022 16h53

Por Gonzalo Vecina Neto*

Os desafios da saúde brasileira vão muito além do combate à pandemia do novo coronavírus. Dados apontam que as despesas com saúde no Brasil ultrapassaram os R$ 700 bilhões por ano, consumindo quase 10% do PIB nacional, sendo a maior despesa relacionada à saúde pública. Na contramão dos gastos, o orçamento destinado ao Ministério da Saúde para 2022 foi reduzido em 20% em relação ao ano anterior.

Diante de um cenário em que as despesas em saúde aumentam enquanto o orçamento diminui, é fundamental ter planejamento e bom senso para tomar decisões que não só promovam a saúde da população brasileira, mas que contribuam para sustentabilidade do sistema. Mas o que temos visto é um escárnio.

No início de maio, o Ministério da Saúde lançou um edital para a compra de 66,2 milhões de canetas de insulina humana descartáveis, contrariando a recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). No ano de 2017, o órgão havia defendido a aquisição de canetas reutilizáveis (3 anos) apenas, e não descartáveis, pelo Governo Federal.

Com o parecer de 2017, o impacto orçamentário no Sistema Único de Saúde seria de R$ 107 milhões em um período de três anos. Porém, os gastos com canetas de insulina humana descartáveis oneram quase cinco vezes mais (R$ 483 milhões) os cofres públicos. Há também a despesa com logística, armazenagem e distribuição, que fica sob a responsabilidade do próprio governo, aumentando os custos aos cofres públicos.

O Governo Federal argumenta que as canetas contribuem para aumentar a adesão aos tratamentos, mas não há nenhum critério que dê respaldo ao investimento público para o tratamento de diabetes com canetas de insulina humana descartáveis. O Brasil é o quinto país com maior incidência de diabetes no mundo e a previsão é de que, até 2030, o número de brasileiros acometidos pela doença alcance 21,5 milhões. As insulinas em frascos, por exemplo, são igualmente eficientes, custam menos e ainda contribuiriam para a ampliação do acesso ao tratamento.

Os recursos financeiros públicos devem ser utilizados de forma inteligente para que a democratização da saúde seja viável. Mais de 150 milhões de pessoas, representando 70% da população brasileira, dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde para qualquer tipo de tratamento. O SUS foi concebido sob os princípios da universalização do acesso que defendem a saúde como um direito de todos. Então não faz sentido algum aumentar os gastos com o tratamento de diabetes, sem comprovação de que as canetas de insulina humana descartáveis estimularão os pacientes a aderirem ao tratamento e, consequentemente, favorecendo melhores resultados clínicos. Este gasto dispensável descobriria alguns setores da saúde ou deixaria muitos pacientes desassistidos.

Outro ponto a ser considerado é a necessidade de incorporar soluções inovadoras no setor de saúde. Este processo requer grandes investimentos, mas ajuda a reduzir custos futuros e a otimizar tratamentos. O Brasil precisa consolidar um ecossistema de saúde fundamentado no desenvolvimento tecnológico, investimento em pesquisas, oferta de serviços de saúde de qualidade e implementação de políticas públicas voltadas para a prevenção.

Não há dúvidas de que são muitas as prioridades em saúde. Mas nem todas têm recebido a atenção necessária. Há tantos segmentos que demandam e precisam de grande investimento, como o de doenças raras, por exemplo. Mas o Governo Federal prefere aumentar os gastos em tratamentos que trazem os mesmos resultados que outros mais acessíveis.

Os gastos supérfluos são inconcebíveis e a tomada de decisão sem respaldo científico na área da saúde é um descalabro. O desperdício dos recursos públicos viola a essência do SUS e merece investigação. Se continuar como está, a saúde se tornará insustentável!

*Gonzalo Vecina Neto é médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e da EAESP/FGV

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