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Taleban amplia controle no Afeganistão e toma posto de fronteira com Paquistão

“Após duas décadas de brutalidade de americanos e seus fantoches, esse portão e o distrito Spin Boldak foram capturados pelo Taleban”

Redação Jornal de Brasília

14/07/2021 20h13

FolhaPress

O Taleban assumiu o controle de um importante ponto na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão nesta quarta-feira (14), uma de suas maiores conquistas até agora no rápido avanço do grupo pelo país, enquanto os EUA retiram suas tropas. Um vídeo divulgado por insurgentes mostrava sua bandeira branca, com um verso do Alcorão em preto, no lugar do estandarte afegão acima do Portão da Amizade, na fronteira entre a cidade de Wesh, no Afeganistão, e de Chaman, no Paquistão.

“Após duas décadas de brutalidade de americanos e seus fantoches, esse portão e o distrito Spin Boldak foram capturados pelo Taleban”, diz à câmera um combatente da facção islâmica radical que tenta recuperar o poder no país. “A forte resistência dos ‘mujahidin’ [guerreiros santos] e seu povo forçaram o inimigo a deixar essa área. Como podem ver, essa é a bandeira do Emirado Islâmico, a bandeira que milhares de ‘mujahidin’ derramaram seu sangue para erguer.”

Autoridades afegãs, no entanto, negam que tenham perdido o controle do posto de fronteira. Segundo o porta-voz do Ministério do Interior, Tariq Arian, as forças de segurança do país repeliram um ataque dos talebans. Vários moradores locais, por outro lado, relataram uma forte presença de insurgentes em Wesh, principalmente em prédios oficiais e na estrada que liga o distrito de Spin Boldak a Kandahar, capital da província de mesmo nome e principal cidade do sul do Afeganistão. “Quando fui para minha loja essa manhã, vi talebans por toda parte”, contou Raz Mohammad, um vendedor que trabalha perto da fronteira, à agência de notícias AFP. “Estão no mercado, no quartel da polícia e na alfândega. É possível ouvir os combates.”

Autoridades paquistanesas em Chaman confirmaram a tomada do posto de fronteira e disseram que o Taleban suspendeu qualquer passagem pelo portão. Feda Mohammad, um motorista de ônibus, relatou à AFP que foi parado pelos combatentes na estrada principal que conecta Kandahar com o Paquistão. “Eles me pararam e me forçaram a dar meia-volta. Eles patrulham a rodovia Kandahar-Spin Boldak”, completou. Essa passagem da fronteira é o segundo ponto de entrada mais movimentado do país e a principal via comercial entre a região sudoeste e os portos do Paquistão. Segundo o governo afegão, cerca de 900 caminhões trafegam nessa rota por dia.

O Taleban também assumiu o controle de outros importantes postos de fronteira, nas províncias de Herat, Farah e Kunduz, no norte e oeste do país. O comando desses locais permite arrecadar receitas, afirmou Shafiqullah Attai, presidente da Câmara de Comércio e Investimento do Afeganistão. Desde maio, o grupo tem empreendido uma campanha para expandir sua influência após o anúncio de que as tropas americanas, depois de duas décadas, deixariam o país. Os insurgentes islâmicos comandaram o país de 1996 até serem expulsos do poder em 2001, quando os EUA invadiram o país após os ataques de 11 de Setembro. Desde então, eles têm lutado para derrubar o governo de Cabul.

Ainda na gestão de Donald Trump, os EUA se comprometeram em retirar suas tropas em um acordo de paz assinado com o grupo. O atual presidente americano, Joe Biden, determinou o dia 31 de agosto como o prazo para essa saída, e militares deixaram sua principal base no Afeganistão há duas semanas.

Com a saída, o Taleban se viu encorajado para tomar cidades e capturar territórios, muitas vezes obrigando com violência cidadãos a se renderem. Um desses casos foi relatado pela emissora americana CNN, que citou uma gravação em que insurgentes mataram mais de dez membros das Forças Especiais do Afeganistão em junho, na cidade de Dawlat Abad, na província de Faryab, perto da fronteira com o Turcomenistão. O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, disse nesta quarta que não havia motivo para duvidar da autenticidade das imagens e chamou a ação de “atroz”.

Em meio a esse avanço, o presidente afegão, Ashraf Ghani, viajou à província de Balkh, no norte do país, nesta terça (13) para avaliar a segurança da região após o Taleban ter expulsado forças do governo de diversos distritos. Ele encontrou com civis e garantiu que “a espinha dorsal do Taleban será quebrada” e que as forças do governo irão logo retomar as áreas perdidas para os insurgentes, de acordo com informações da rede Tolo News.

Em outra frente, o vice-presidente Amrullah Saleh relatou que o Taleban tem forçado membros de uma minoria étnica a se converterem ao Islã ou deixarem suas casas na província de Badakhshan, no norte do país. “Eles são da minoria Kerghiz, que vivem lá há séculos. Eles estão agora [do outro lado da fronteira com] o Tadjiquistão, aguardando seu destino”, escreveu em seu Twitter.

Segundo uma agência de notícias tadjique, que cita agentes de fronteira, 347 afegãos fugiram para o país vizinho. O grupo seria composto por 113 meninas, 64 meninos, 91 homens e 77 mulheres, alguns com seus rebanhos de animais. A agência fala ainda que dois bebês morreram na travessia. Na última sexta (9), o governo russo afirmou que os talebans controlavam quase dois terços da fronteira do Afeganistão com o Tadjiquistão. Aliados na Organização do Tratado de Segurança Coletiva, a Rússia garantiu que protegerá o país da Ásia central, onde mantém duas bases com 7.500 homens. Por sua vez, o presidente tadjique, Emomali Rakhmon, ordenou a mobilização de 20 mil reservistas na fronteira.

O avanço taleban ocorre ainda em meio a denúncias de abusos, segundo a missão da ONU no Afeganistão. “Os relatos de assassinatos, maus-tratos, perseguição e discriminação são generalizados e perturbadores, gerando medo e insegurança”, alertou a missão, em comunicado. Afegãos escolarizados –especialmente mulheres e meninas banidas de escolas e de muitos trabalhos sob o governo taleban–, bem como membros de minorias étnicas e sectárias perseguidos devido a uma interpretação rígida do Islã sunita, também expressaram alarme com o rápido avanço do grupo. Os porta-vozes do Taleban rejeitaram acusações de abusos e disseram que mulheres não serão maltratadas se o grupo retornar ao poder.

O temor se espalha também entre ex-funcionários que colaboraram com o governo americano durante a invasão e que, com a saída das tropas, ficam à mercê do grupo. A crise deixou a gestão Biden sob forte pressão de legisladores de ambos os partidos e grupos de defesa dos EUA para começar a evacuar essas pessoas. Autoridades americanas disseram à agência de notícias Reuters, sob condição de anonimato, que os EUA vão enviar voos fretados no fim deste mês para evacuar cerca de 2.500 afegãos que trabalharam como intérpretes, em ação batizada de Operação Refúgio dos Aliados.

Nesta terça, a secretária de Imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou que a decisão da evacuação se deve ao reconhecimento e valorização do papel desses colaboradores nos últimos anos. Segundo ela, os números específicos de quantos seriam contemplados nos primeiros voos eram confidenciais por razões de segurança e operacionais. No fim de junho, havia 18 mil casos abertos de ex-funcionários afegãos, incluindo tradutores, que esperam o governo americano cumprir a promessa e recompensá-los por arriscar a vida pelo invasor do seu país.

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