IGOR GIELOW
FOLHAPRESS
Deixada de lado no esforço até aqui infrutífero de Donald Trump para acabar com a Guerra da Ucrânia, a UE (União Europeia) tomou duas decisões nesta quarta-feira (3) para tentar pressionar a Rússia a ceder nas negociações que podem gerar fissuras internas importantes no bloco continental.
A mais importante foi a apresentação de um plano para tomar o equivalente a R$ 1,3 trilhão das reservas de Moscou congeladas na Europa como garantia de um empréstimo para financiar tanto o governo como as Forças Armadas de Kiev em 2026 e 2027.
Além disso, a Comissão Europeia, órgão executivo da UE, decidiu banir a compra de gás natural russo pelos 27 países do bloco até 2027.
Como seria previsível, o Kremlin protestou em ambos os casos. A tomada dos bens imobilizados pelas sanções ocidentais devido à guerra, iniciadas logo após a invasão de 2022, já foi classificado como roubo por Putin.
Já seu porta-voz, Dmitri Peskov, disse nesta quarta que a economia europeia “está condenada” se deixar de receber gás russo.
As duas medidas sofreram críticas internas do bloco, em especial a tomada dos ativos congelados. A chancelaria da Bélgica, país onde estão cerca de R$ 1,2 trilhão dos recursos de Moscou, disse que a iniciativa era ilegal e poderia expor a nação a processos em cortes internacionais.
Na terça, o jornal britânico Financial Times havia publicado uma reportagem relatando que a ideia da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, havia sido considerada ilegal também em análise do Banco Central Europeu.
Além disso, dois governos da UE mais próximos de Putin, o da Hungria e o da Eslováquia, disseram ser contra o sequestro. Aqui o confronto promete ser maior, pois Von der Leyen invocou uma cláusula de emergência continental para impedir que esses opositores possam exercer o poder de veto sobre a medida.
Isso ocorre com uma manobra considerada arriscada legalmente por analistas, ao dizer que a UE vive uma emergência e que qualquer levantamento da sanção colocaria em risco a economia do continente pois obrigaria os países credores de Kiev a usar seus recursos para bancar o empréstimo, que é a fundo perdido.
O problema é que isso, de certa forma, perpetua a punição e retira o tema dos ativos congelados como item de negociação. Na primeira versão do acordo apresentado por Trump há duas semanas, sua terceira tentativa de forçar o fim do conflito, era previsto o emprego de um terço das reservas russas no exterior em um fundo de reconstrução ucraniana.
“A mensagem para a Rússia é que o empréstimo de reparações vai aumentar o custo da guerra, convidando os russos à mesa de negociação”, disse Von der Leyen. Ela negou que haja risco legal contra o bloco ou países.
A segunda medida, sobre o gás, recebeu críticas de Budapeste e Bratislava. Ambos os governos dependem tanto do produto quanto do petróleo russo, e já disseram que irão contestar a proposta.
Antes da guerra, cerca de 45% do gás consumido na UE vinha dos russos. Em outubro, esse índice caiu para 12%, com França, Hungria, Eslováquia e Bélgica ainda sendo consumidores consideráveis da commodity.
A tentativa de protagonismo ocorre no momento em que os esforços de Trump chegam a um paradoxal ápice, por não apresentar avanços.
Uma comitiva formada pelo negociador Steve Witkoff e o genro de Trump Jared Kushner passou cinco horas com Putin e seus assessores, deixando o Kremlin na madrugada desta quarta. Não houve nenhum novo acordo, segundo o Kremlin.
“O presidente concordou com alguns pontos e considerou outros inaceitáveis, mas não rejeitou o plano”, disse Peskov.
O porta-voz diz que foi acertado evitar “diplomacia de megafone”, e sim continuar trabalhando nas diferenças, apesar da posição dura de Putin, que na véspera até disse estar pronto para uma guerra com a Europa. O russo vive um momento de avanços no campo de batalha que também afeta sua posição.
Witkoff conversou com autoridades ucranianas nesta quarta, e um grupo de Kiev irá se encontrar com aliados em europeus em Bruxelas para discutir a questão.