Moscou endureceu neste sábado as penas por crimes cometidos em tempos de mobilização militar, punindo com até dez anos de prisão a rendição voluntária ou a recusa a combater, enquanto substituiu o maior responsável pela logística, após uma série de reveses em sua ofensiva na Ucrânia.
As novas emendas e a mudança no Estado-Maior ocorrem em meio a uma grande campanha de mobilização militar na Rússia e a dificuldades logísticas no conflito, no qual Kiev recupera cada vez mais território.
“O general Dmitri Bulgakov foi dispensado de suas funções como vice-ministro da Defesa” e será substituído pelo coronel-general Mikhail Mizintsev, de 60 anos, informou o Ministério da Defesa.
O anúncio foi feito no segundo dia de realização de um referendo nas regiões do leste e sul da Ucrânia (controladas pelo Kremlin) sobre a sua anexação à Rússia.
A mobilização anunciada por Putin na última quarta-feira (21) deve ser um dos primeiros grandes desafios logísticos do novo vice-ministro, já que as centenas de milhares de reservistas convocados precisarão ser equipados e treinados antes da mobilização.
Muitos homens em idade militar correm para deixar o país, como mostram os voos lotados de saída e o forte fluxo de russos em países fronteiriços, como Cazaquistão, Mongólia ou Geórgia, onde 2.300 veículos particulares aguardavam para entrar neste sábado, segundo autoridades regionais russas.
Mais de 700 pessoas foram presas hoje em protestos contra a mobilização, segundo o grupo de monitoramento independente OVD-Info. Outra lei, também assinada neste sábado, facilita a cidadania russa para estrangeiros que se alistam no Exército do país.
Farsa
A votação para decidir se a Rússia deve anexar quatro regiões da Ucrânia teve início nesta sexta-feira (23), sete meses após a invasão das tropas de Moscou.
“Os referendos da Rússia são uma farsa, um falso pretexto para tentar anexar partes da Ucrânia à força, em flagrante violação do direito internacional”, denunciou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
“A russofobia oficial no Ocidente não tem precedentes, seu alcance é grotesco”, criticou hoje o chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, acusando os Estados Unidos de se considerarem “um enviado de Deus na Terra”. Mas mesmo a China, aliado mais próximo de Moscou desde o começo da guerra, reagiu com apreensão aos referendos. Seu chanceler, Wang Yi, declarou ontem que “a soberania e a integridade territorial de todos os países devem ser respeitadas”.
Os referendos são realizados nas áreas controladas pelos russos em Donetsk e Lugansk, no leste, e Kherson e Zaporizhzhia, no sul. Autoridades irão de porta em porta durante quatro dias para coletar votos, e as assembleias de voto serão abertas na terça-feira para que os moradores possam votar no último dia.
“Em última análise, as coisas estão caminhando para a restauração da União Soviética. O referendo é um passo para isso”, comentou Leonid, um militar de 59 anos, em conversa com a AFP.
Sem legitimidade
A anexação das quatro regiões da Rússia representaria uma escalada do conflito, já que Moscou consideraria qualquer movimento militar na zona como um ataque ao seu próprio território.
Os referendos foram anunciados esta semana, depois que uma contraofensiva ucraniana permitiu a retomada da maior parte da região de Kharkiv, após meses de ocupação russa.
O mau tempo e a forte resistência russa desaceleraram hoje a contra-ofensiva da Ucrânia em Kupiansk, região leste de Kharkov. “Por enquanto, a chuva dificulta o uso de armas pesadas em todos os lugares. Só podemos usar vias asfaltadas”, disse à AFP o sargento do Exército ucraniano Roman Malina. Irpin, próxima à capital, foi recapturada após semanas de combates, e seus moradores se uniram para iniciar a reconstrução antes da chegada do inverno.
Investigadores da ONU acusaram ontem a Rússia de cometer crimes de guerra na Ucrânia, listando bombardeios, execuções, torturas e atos de violência sexual, em linha com as conclusões de Kiev após a exumação de centenas de corpos encontrados perto da cidade de Izium.
O Kremlin acusa Kiev de fabricar provas de crimes de guerra. Putin garantiu esta semana que protegeria o território russo por “todos os meios”, enquanto o ex-presidente e atual número dois do Conselho de Segurança do país, Dmitri Medvedev, destacou que isso envolveria até o uso de “armas nucleares estratégicas”.
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