Seu irmão de 16 anos foi recrutado sob ameaças por guerrilheiros na Amazônia colombiana, lembra a jovem. Três meses depois, ele morreu junto a outros menores no bombardeio mais letal ordenado pelo governo de Gustavo Petro.
Entre lágrimas e desconcerto, vários familiares dos mortos se aglomeram no necrotério de Villavicencio (centro) sob um forte sol tropical para recolher os corpos dos vinte falecidos.
Entre as vítimas mortais estão sete menores que à força engrossavam as fileiras das dissidências das Farc no selvático departamento do Guaviare (sul).
A irmã de um deles questiona por que o adolescente terminou sob o fogo de uma feroz ofensiva contra o narcotráfico ordenada pelo governo, em meio à crescente pressão de Washington.
“Acho que isso não deveria ter acontecido. O presidente Gustavo Petro nunca deveria ter feito isso, porque sabia que havia menores de idade e [mesmo assim] autorizou” o bombardeio, lamenta a jovem de 18 anos, acompanhada de outros familiares.
Segundo a autoridade forense, nas ofensivas militares entre agosto e novembro deste ano morreram 15 menores recrutados por grupos armados que os usam como bucha de canhão em meio ao prolongado conflito armado.
Eram “crianças que mal estavam aprendendo a viver. Onde deveriam estar era estudando em uma escola, brincando”, queixa-se a jovem, que evita as câmeras e mantém seu nome sob reserva por temor de represálias.
“Não deveriam estar portando uma arma obrigatoriamente”, acrescenta com a voz trêmula.
“Que não o buscasse mais”
A seis meses das eleições presidenciais de 2026, o primeiro governo de esquerda da Colômbia enfrenta fortes críticas da oposição por seu suposto trato indulgente com rebeldes e narcotraficantes.
Em meio a uma escalada de tensões com seu par americano, Donald Trump, Petro deu um giro em sua política de paz com os grupos armados e lançou uma ofensiva com bombardeios nos enclaves de produção de cocaína.
Segundo o presidente, o bombardeio no Guaviare em que o jovem morreu foi ordenado diante de um ataque iminente das forças de Iván Mordisco, o rebelde mais procurado do país.
O adolescente estudava em uma escola rural do município de Miraflores, no Guaviare, onde foi recrutado pelo chamado Estado-Maior Central, que se afastou do acordo de paz assinado em 2016 entre o governo e a guerrilha das Farc.
“Esses grupos armados permaneciam por ali”, conta sua irmã.
Quando o levaram à força, o pai foi procurá-lo, mas desistiu rapidamente “por medo e terror”.
“A única coisa que disseram a ele foi que não o buscasse mais”, relata a jovem.
Petro se negou a interromper os bombardeios diante de um pedido da Defensoria do Povo.
Alguns senadores pedem a renúncia do ministro da Defesa, o general da reserva Pedro Sánchez, o primeiro militar a ocupar a pasta em mais de três décadas.
“Não têm culpa”
O recrutamento de menores aumentou 36% entre 2023 e 2024, segundo a Defensoria do Povo.
“Estamos em um fracasso final de nossa política de prevenção do recrutamento”, denunciou a defensora do Povo, Iris Marín.
Entre janeiro e outubro de 2025, a entidade recebeu 162 denúncias, metade de menores indígenas nas mãos de grupos armados.
O maior responsável, com 40% desses casos, é Mordisco.
Carros funerários chegam ao necrotério para levar os corpos dos mortos. A jovem de 18 anos se agarra aos braços de uma familiar.
As crianças recrutadas, diz ela, “não têm culpa de nada”. “Perdi um ser querido que era tudo para mim”, lamenta.
© Agence France-Presse