JOÃO GABRIEL DE LIMA
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS)
A nova legislatura do Parlamento Europeu aprovou nesta quinta-feira (18) a recondução de Ursula von der Leyen, 65, para mais um mandato de cinco anos à frente da Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia. Antes da votação, Von der Leyen dirigiu-se por 50 minutos aos eurodeputados em Estrasburgo, a quem cabia rejeitar ou confirmar seu nome, e falou principalmente de dois assuntos: defesa e economia.
“Os aviões de Putin jogaram seus mísseis num hospital infantil em Kiev, e todos vimos as imagens de crianças cobertas com sangue. O ataque não foi um erro de cálculo, mas uma mensagem arrepiante do Kremlin para nós”, declarou. “Nossa resposta deve ser clara: ninguém quer mais a paz que o povo da Ucrânia, uma paz justa e duradoura para um país livre e independente. A Europa estará com a Ucrânia por quanto tempo for preciso. Esta é a nossa mensagem.”
Este foi o momento de maiores aplausos ao longo do discurso. A saudação foi efusiva, mas não unânime. Deputados da ultradireita recolheram as mãos. Sem citar o nome do premiê da Hungria, Viktor Orbán, cujo país ocupa a presidência rotativa da UE até o fim do ano, Von der Leyen mencionou um “primeiro-ministro da União Europeia que foi a Moscou numa suposta missão de paz”, dois dias antes do bombardeio do hospital, “mas que na verdade buscava apaziguamento [termo associado à tentativa frustrada de líderes europeus de conter Hitler antes do início da Segunda Guerra Mundial]”.
Com essa posição, Von der Leyen deixou de buscar os votos da ultradireita que defende aproximação com Putin, preferindo os do centro político, maior bloco dentro do Parlamento Europeu e que apoia a Ucrânia incondicionalmente. A mensagem foi ouvida. Ela foi foi reeleita com 401 votos, maioria num plenário de 720 deputados, mantendo o “cordão sanitário” contra posições extremistas que marcou seu primeiro mandato. Votaram contra 284 eurodeputados.
Ursula von der Leyen é economista e médica ginecologista. Alemã nascida na Bélgica, fez carreira política na CDU (União Democrata Cristã), partido de centro-direita em seu país. Ocupou vários ministérios durante o governo da premiê Angela Merkel. De 2013 a 2019, foi a primeira mulher a ocupar o cargo de ministra da Defesa na Alemanha. Tem sete filhos de um único casamento que já dura 38 anos.
A economia foi o outro tema central de seu discurso. Em aceno aos Verdes, prometeu a continuidade do Pacto Ecológico Europeu, frisando que pretende combinar “reindustrialização com descarbonização”.
Numa Europa estagnada economicamente, em que os cidadãos se sentem pressionados pela inflação e pela subida dos preços do aluguel, ela mira um “New clean industrial deal”, um pacto de política industrial sobre uma base de energia renovável.
A área econômica é onde Von der Leyen colecionou os maiores triunfos em seu primeiro mandato -e também onde estão os maiores desafios futuros. “Ela conseguiu uma vitória histórica, pouco valorizada, que foi cortar a dependência de gás natural da Rússia”, diz o economista português Pedro Brinca, professor da Nova School of Business and Economics, uma das principais faculdades europeias de negócios no ranking do jornal inglês Financial Times.
“Quando Putin invadiu a Ucrânia e cortou a torneira de gás, muitos previram um caos energético, com quebra na produção e inflação altíssima”, afirma Brinca. “A estratégia de mitigação, comandada por Von der Leyen, funcionou muito bem. A Europa se adaptou, investiu em energias renováveis, trouxe gás do Qatar, Estados Unidos e Noruega, e irá enfrentar sem sustos o próximo inverno.”
Outro êxito foi o Plano de Recuperação e Resiliência durante a pandemia, um mecanismo de solidariedade em que a União Europeia emitiu dívida coletivamente. “Em momentos assim, mostramos como conseguimos resultados quando trabalhamos juntos”, disse Von der Leyen em seu discurso.
A presidente da Comissão Europeia terá à frente a tarefa de recolocar o bloco na rota do crescimento econômico. “A Europa está estagnada. Há uma combinação perversa: uma economia que não cresce, gerando muitos perdedores, e uma imigração expressiva e visível. É um terreno fértil para os populistas que culpam os estrangeiros pela dificuldade em arrumar emprego e pelo aumento dos aluguéis”, declara o economista Brinca.
Von der Leyen prometeu trabalhar por um ambiente de negócios mais ágil e promover um mercado de capitais unificado. “É um absurdo que as economias das famílias europeias financiem inovação e criação de empregos em outros lugares”, disse.
Ela falou também de direitos das mulheres, de minorias e do futuro dos jovens. “Nosso plano de industrialização limpa não é apenas por razões de competitividade, mas de justiça intergeracional.” E fez um apelo em defesa da democracia: “Não podemos deixar que populistas e demagogos destruam nosso modo de vida europeu.”