PHILLIPPE WATANABE
SÃO PAULO, SP
As políticas atualmente em curso e as novas metas de redução de emissões de gases-estufa são insuficientes para cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, em 2015. Com o que está sendo feito no momento, o mundo deve chegar a um aumento de 2,8°C até o fim do século, valor bem acima dos 1,5°C pretendidos, preferencialmente.
Publicado nesta quinta-feira (27), o relatório anual de lacunas de emissões (Emissions Gap Report), do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), afirma que houve pouquíssimo progresso para reduzir “a imensa lacuna de emissões para 2030”, desde a COP26 (a conferência da ONU sobre mudanças climáticas), em Glasgow, em 2021.
O objetivo do documento é, basicamente, mostrar a diferença entre as metas climáticas dos países (conhecidas como NDC, ou contribuição nacionalmente determinada) e os cortes necessários para que o planeta não ultrasse o que foi convencionado sob o Acordo de Paris, ou seja, limitar o aquecimento global a menos de 2°C e, preferencialmente, manter o aumento de temperatura abaixo de 1,5°C, em relação ao período pré-industrial.
Atualmente, o mundo já está cerca de 1,1°C mais quente.
Segundo o relatório do Pnuma, as novas metas climáticas submetidas pelos países desde a última COP trazem uma redução de somente 0,5 gigatoneladas de CO2e (leia CO2 equivalente, uma forma de somar todos os gases-estufa sob a forma de gás carbônico) em comparação às promessas feitas até a conferência em Glasgow.
“Os países não estão no caminho nem mesmo para cumprir as altamente insuficientes metas climáticas”, aponta o documento.
Em linhas gerais, o tamanho do buraco para 2030 para um cenário de aquecimento de 2°C é de 15 gigatoneladas por ano; para o cenário de até 1,5°C, a lacuna é de 23 gigatoneladas.
Para manter o 1,5°C vivo -que foi o lema da COP26-, em somente oito anos, as emissões anuais globais precisam ser reduzidas em 45% em relação ao que se tem em curso atualmente. E não para por aí. As emissões de gases-estufa precisam continuar a cair rapidamente após 2030, a fim de evitar o gasto de todo nosso orçamento de carbono, ou seja, quanto ainda podemos emitir sem elevar a temperatura acima dos níveis convencionados no Acordo de Paris.
“Transformações econômicas globais são necessárias para evitar que se feche a janela de oportunidade para limitar o aquecimento global bem abaixo dos 2°C, preferencialmente 1,5°C”, afirma o documento. “Qualquer fração de grau importa.”
O relatório do Pnuma alerta que as emissões globais de gases-estufa têm aumentado nos últimos dez anos –apesar da velocidade do aumento (1,1% ao ano) ter diminuído em relação à década anterior (2,6% ao ano).
O Brasil, em sétimo lugar, está entre os maiores emissores no mundo. A lista é liderada por China, Estados Unidos, Índia, União Europeia, Indonésia e Rússia. Em emissões per capita, o Brasil é o quarto, atrás de Estados Unidos, Rússia e China.
A recente atualização de meta do Brasil tem uma particularidade importante de ser citada e que é apontada pelo relatório do Pnuma. A nova NDC brasileira, submetida pelo governo Jair Bolsonaro (PL), leva a um aumento de emissões no país, que são resultado, principalmente, de desmatamento e atividade pecuária.
Trata-se de uma “pedalada climática” brasileira, já anunciada durante a COP26, mas oficializada somente neste ano. Entre os objetivos nacionais atualizados está a neutralidade de carbono até 2050, a redução, em 2025, de 37% dos gases-estufa, em comparação com as emissões de 2005, e a diminuição, em 2030, de 50% dos gases, também em comparação com 2005.
A “pedalada” ocorre porque houve uma mudança no dado das emissões de 2005, que foi atualizado nos mais recentes inventários nacionais de gases estufa, ou seja, ocorreu uma mudança na base de comparação.
A primeira NDC brasileira é de 2015, ano do Acordo de Paris. Nela, o Brasil se compromete a até 2030 reduzir em 43%, em relação a 2005, as emissões de gases estufa. Nesse cenário e com os dados disponíveis naquele momento, o país emitiria, em 2030, cerca de 1,208 gigatoneladas de CO2e.
Com a evolução nas metodologias para medir os gases, os dados de 2005 sofreram correções e aumentaram. A meta brasileira, porém, não foi alinhada a essa correção e permaneceu em 43% de redução. Como os dados de base (2005) são menores, a redução de 43% passou a significar emissões maiores em 2030 (cerca de 1,620 gigatoneladas), em comparação ao prometido inicialmente.
Além do Brasil, o México também apresentou uma meta atualizada que resulta em aumento das emissões.