FÁBIO PUPO
FOLHAPRESS
O mundo não terá recursos públicos suficientes para financiar as ações ligadas às mudanças climáticas, afirma Valerie Hickey, diretora global de Mudanças Climáticas do Banco Mundial.
O alerta é feito no momento em que a discussão sobre de onde virá o dinheiro para lidar com a crise do clima se consolida como o grande pano de fundo da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas).
Ela defende a busca por recursos na iniciativa privada, pregando um esforço para que sejam encontradas maneiras de fazer empresários e instituições financeiras se sentirem mais seguros para direcionar espontaneamente recursos à área.
“Nunca haverá dinheiro público suficiente, especialmente vindo do exterior. Por isso, é importante reduzir riscos para que o capital privado venha para a mesa. Especialmente em países como o Brasil, onde há muito dinheiro privado disponível”, afirma Hickey à Folha.
Para ela, uma das maneiras de se fazer isso é com a atuação de bancos multilaterais de desenvolvimento, principalmente com o chamado financiamento concessional. Por meio dele, é possível prover financiamento com taxas abaixo do mercado para países em desenvolvimento.
O financiamento concessional pode ter diferentes formas, sendo uma delas o formato de uma garantia de primeira perda na qual uma terceira parte indeniza os credores caso o mutuário não cumpra com suas obrigações.
“Nosso trabalho não é absorver todos os riscos do capital privado, porque é natural que ele tome riscos. Mas podemos reduzi-los onde há retornos financeiros claros usando instrumentos como garantias, seguros e outros mecanismos”, afirma. “Nossa agência de garantias investiu US$ 3,5 bilhões no ano passado apenas para reduzir risco e atrair capital privado para ação climática”, afirma.
Uma das dificuldades, no entanto, é saber justamente a quantia de recursos exigida para que o mundo financie sua transição climática. “É muito difícil saber quanto dinheiro é necessário. Com a inovação tecnológica, o preço da transição para energias mais limpas está caindo muito. Nossa abordagem, como banco de desenvolvimento, é priorizar soluções com bom custo-benefício”.
Outra maneira é por meio de compra de participações acionárias (o chamado private equity), absorvendo parte dos riscos iniciais de alguma iniciativa para, em um segundo momento, destravar capital de investidores privados. “Esse equilíbrio entre um pouco de concessionalidade e muito capital privado é essencial”, afirma.
Hickey diz que um exemplo de boa combinação entre uso de recursos para destravar recursos é o do TFFF, fundo criado pelo Brasil para financiar a preservação de florestas em países em desenvolvimento. O mecanismo busca reunir US$ 25 bilhões de recursos de governos em um primeiro momento e mais US$ 100 bilhões de investidores privados.
“O fato de US$ 5,5 bilhões terem sido anunciados na semana passada foi incrível. E isso só aconteceu porque o Brasil decidiu colocar seu próprio dinheiro primeiro [anunciando US$ 1 bilhão em recursos]”, diz. “Sabemos que esse número continuará crescendo. Mas mesmo assim não será suficiente, nenhuma ferramenta isolada é, e por isso mercados de carbono, bioeconomia, investimentos privados e reformas nacionais continuam sendo essenciais”.
Para ela, os representantes do governo brasileiro estão certos ao direcionar o debate à busca por financiamento porque, na prática, isso está ligado à implementação concreta das ações.
“É sempre importante falar, mas é mais importante agir. O governo do Brasil continua dizendo que o que importa é a implementação, [falando] mostre o dinheiro, como no filme Jerry Maguire”, diz ela em referência ao filme homônimo de 1996 que retrata um agente esportivo em crise, marcado pelo bordão “show me the money” na negociação de contratos milionários.
“Estamos muito animados com esse foco na implementação e aprendendo com ótimos exemplos do que está acontecendo ao redor do mundo. A COP está nos dando muita energia porque, não o suficiente e não rápido o suficiente, mas há coisas boas acontecendo”, diz.