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EUA admitem erro em ataque com drone que matou 10 civis no Afeganistão

“Eu estava confiante que o atentado havia revertido uma ameaça iminente às nossas forças”, disse o chefe do Comando Central dos EUA

FolhaPress

17/09/2021 18h44

Foto: Roberto Schmidt/AFP

SÃO PAULO, SP

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos reconheceu nesta sexta-feira (17) que o ataque a drone empenhado em Cabul no fim do mês passado que matou 10 civis afegãos, feito em retaliação a um atentado do Estado Islâmico cometido dias antes, foi um “erro”.

Foi o que disse o general Kenneth Franklin McKenzie Jr, chefe do Comando Central dos Estados Unidos. “No momento do ataque, eu estava confiante que o atentado havia revertido uma ameaça iminente às nossas forças”, disse. “Nossa investigação agora conclui que o ataque foi um erro trágico.”

As declarações foram feitas após investigação que descartou ligação entre o motorista do veículo atingido pelos americanos e o grupo terrorista. Segundo o militar, é improvável que as pessoas que estavam dentro do veículo atingido fossem membros do Estado Islâmico ou que pudessem ser uma ameaça às forças americanas que comandavam o Aeroporto de Cabul. O pentágono agora estuda formas de reparação às famílias das vítimas, afirmou.

Em 26 de agosto, a cinco dias da retirada final das tropas americanas no Afeganistão, o Estado Islâmico Khorasan (célula local do grupo terrorista) atacou o aeroporto de Cabul, por onde as forças ocidentais faziam operações de evacuação, e deixou quase 200 mortos, incluindo soldados dos EUA.

Os Estados Unidos reagiram e fizeram dois ataques, um no dia 27 na província de Nangarhar, e outro no dia 29, quando 10 civis morreram, incluindo sete crianças. Desde o início, porém, este segundo ataque levantou dúvidas e foi alvo de investigação, com indícios de que as vítimas não tinham qualquer envolvimento com o Estado Islâmico.

O governo dos EUA, a princípio, recusou-se a admitir o erro. O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto, chegou a dizer que foi “um ataque justo”, e que o carro atingido carregava explosivos. Nesta sexta, o secretário de Defesa Lloyd Austin prestou “as mais profundas condolências aos familiares dos mortos”, e assumiu o erro.

“Agora sabemos que não há conexões entre Ahmadi [motorista do veículo atingido no ataque] e o Estado Islâmico Khorasan, que suas atividades naquele dia eram completamente inofensivas e não eram de modo algum relacionadas à ameaça iminente que acreditávamos que estávamos encarando”, disse.

Reportagem do New York Times reconstituiu o atentado. Operadores de drones e analistas examinaram por apenas alguns segundos o pátio pequeno onde o carro atingido estava estacionado. Como não foram avistados civis, disseram funcionários, um comandante ordenou o ataque. Mas imagens granuladas de vídeo ao vivo mostram outras figuras se aproximando do veículo segundos mais tarde, no momento em que o míssil Hellfire já disparava em direção ao alvo.

Por volta das 9h do dia 29 de agosto, segundo o jornal, um sedã branco, provavelmente um Toyota Corolla, saiu de um complexo a cinco quilômetros a noroeste do aeroporto internacional Hamid Karzai. Baseados em informações de informantes, grampos eletrônicos e imagens obtidas por aviões de vigilância dos EUA, analistas de inteligência acreditavam que o complexo era um esconderijo de planejadores e cooperadores do Estado Islâmico Khorasan, ou EI-K, o ramo da organização terrorista EI no Afeganistão.

Analistas de inteligência dos EUA tinham interceptado mensagens de conspiradores do EI-K indicando que outro ataque grande ao aeroporto estaria sendo planejado. Um ataque seria iminente naquele domingo, dois dias antes do término previsto do esforço americano de evacuação. Assim, qualquer veículo entrando ou saindo do complexo naquela manhã chamava a atenção dos analistas. Mas os operadores prestaram atenção especial a um sedã branco captado no feed de um drone MQ-9 Reaper que sobrevoava Cabul, afirma a reportagem.

Comunicações interceptadas do esconderijo indicavam que os conspiradores estavam direcionando o carro para algum tipo de missão tortuosa na capital afegã. O motorista recebeu ordens de encontrar um motociclista. Momentos depois, o carro fez exatamente isso. Esse padrão continuou por várias horas nas quais o sedã fez diversas paradas em Cabul, às vezes recebendo ou deixando passageiros.

Pouco antes das 16h, o sedã estacionou num complexo desconhecido para os americanos situado entre 8 km e 12 km a sudoeste do aeroporto. Alguns minutos mais tarde, o motorista e três outros homens colocaram vários pacotes embrulhados no porta-malas do veículo. Para os analistas que assistiam à transmissão ao vivo, os homens pareciam estar se esforçando para erguer e carregar pacotes pesados com grande cuidado -como fariam se os pacotes contivessem explosivos.

O motorista e os homens entraram no sedã e foram em direção norte. Os homens foram desembarcando no caminho. Por volta das 16h45 o motorista, agora sozinho, estacionou num pátio pequeno a 2,5 km a oeste do aeroporto, logo ao sul do esconderijo original. Outro homem saiu para saudá-lo.

Nesse ponto o comandante tático que controlava os drones armados Reaper teve que tomar uma decisão rápida. Ele recebera do general Kenneth McKenzie Jr., chefe do Comando Central militar em Tampa, Flórida, o poder de ordenar ataques. Oficiais militares se negaram a informar a identidade, patente ou organização do comandante, mas disseram que ele é um operador experiente que já realizou muitos ataques de drones em muitos locais em que as forças americanas já combateram.

As regras de engajamento permitiam que os militares lançassem um ataque se analistas de inteligência tivessem “grau razoável de certeza” de que tinham um alvo legítimo do EI-K e tivessem determinado que havia “certeza razoável” de que mulheres, crianças ou outros civis não combatentes seriam feridos.

Os operadores examinaram rapidamente o espaço limitado do pátio e viram apenas um outro homem conversando com o motorista. O comandante concluiu que esse seria o lugar e o momento mais propício para atacar. Se os americanos esperassem mais tempo e o veículo se deslocasse em meio a trânsito pesado ou se aproximasse do aeroporto, o risco a civis seria muito maior -ou de um ataque de drone ou da detonação de coletes suicidas ou de um carro-bomba potente.

Os americanos dispararam. O míssil Hellfire atingiu seu alvo em menos de um minuto. No momento em que o míssil se aproximava do alvo, os operadores do drone puderam ver no feed de vídeo que outras figuras se aproximavam do sedã.

Armado com uma ogiva contendo nove quilos de explosivos, o Hellfire atingiu o veículo em cheio, criando a primeira explosão às 16h50. Alguns segundos mais tarde houve uma segunda bola de fogo, ainda maior. Autoridades dizem que uma avaliação preliminar feita por peritos concluiu que é “possível a provável” que a segunda explosão foi provocada por explosivos no carro, não por um tanque de gás ou outra coisa.

Imediatamente após o ataque, todas as comunicações vindas do EI-K silenciaram. Para proteger sua segurança operacional, membros do grupo costumam fazer silêncio após um ataque de drone como o de 29 de agosto, cientes de que agentes dos EUA estarão na escuta. Um oficial militar sênior americano disse que esse silêncio continuou até a sexta-feira (3).

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