Donald Trump disparou o primeiro salvo de sua guerra comercial global, no início da semana, com uma mensagem nas redes sociais prometendo impor tarifas de 25% sobre importações de México e Canadá, e 10% sobre produtos da China. Em um cenário internacional marcado cada vez mais pelo que pesquisadores chamam de “populismo macho”, quem resolveu bater de frente com Trump foi a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum
O presidente chinês, Xi Jinping, não se pronunciou. O China Daily, órgão oficial do Partido Comunista, se limitou a dizer que “não existem vencedores em uma guerra tarifária”. Em Pequim, a porta-voz da chancelaria, Mao Ning, disse que só comentaria a ameaça americana “mais tarde”.
No Canadá, o primeiro-ministro Justin Trudeau, fustigado pela oposição conservadora e cada vez mais impopular, adotou uma linha conciliatória. Conversou com Trump por telefone e voou na sexta-feira para uma reunião com o presidente eleito dos EUA na Flórida. “É importante entender que Trump, quando faz declarações assim, realmente pretende executá-las”, disse o premiê. “Tarifas aumentam os preços para cidadãos dos EUA e prejudicam a indústria e os negócios americanos.”
Coragem
Dos três, Sheinbaum foi a única que elaborou uma resposta articulada e ameaçou retaliar. “Para cada tarifa, haverá uma resposta proporcional, até colocarmos em risco empresas comuns”, disse a mexicana, em carta enviada a Trump e lida por ela em uma coletiva de imprensa. “Sim, comuns, porque entre as principais exportadores do México para os EUA estão General Motors, Stellantis e Ford. Por que impor uma tarifa que as coloca em risco?”
Sheinbaum é uma novidade para Trump, acostumado a lidar com Xi e Trudeau desde que chegou à Casa Branca pela primeira vez, em 2017. Ela assumiu a presidência do México em outubro. Herdeira política de Andrés Manuel López Obrador (AMLO), ela parece uma versão mais dinâmica e pragmática de seu antecessor. Enquanto ele propunha uma trégua com os cartéis, ela adotou uma posição de confronto contra o crime.
Sheinbaum vem investindo em operações de inteligência, na profissionalização da Guarda Nacional e na coordenação entre autoridades estaduais e federais. Alguns resultados são visíveis, especialmente no combate ao fentanil, um derivado do ópio que vem causando uma onda de mortes por overdose nos EUA. Em um mês, o novo governo mexicano confiscou mais de 390 mil comprimidos da droga, um crescimento exponencial se comparado com a média de 50 gramas apreendidas por semana em 2020.
Trump culpa o México pela crise migratória e pelo fluxo de fentanil. Mas, na carta enviada esta semana, Sheinbaum dá uma invertida no futuro presidente americano, dizendo que a força dos cartéis mexicanos vem das armas contrabandeadas dos EUA e o fluxo de drogas é uma questão que começa do outro lado da fronteira. “É um problema de saúde pública e de consumo da sociedade do seu país”, afirmou.
Sheinbaum sabe que a segurança é uma arma do México em qualquer barganha com os EUA. Se o futuro governo americano pretende ter alguma chance contra o crime organizado, precisa da ajuda do México. Mas Trump tem uma retórica agressiva e já ameaçou designar os cartéis como organizações terroristas, o que permitiria ações mais invasivas no território mexicano.
Tom Homan, indicado como “czar da fronteira” no futuro governo americano, disse em entrevista à Fox News que usará “o poder total das operações especiais dos EUA” para eliminar os narcotraficantes – uma ameaça pouco discreta de atropelar a soberania do México, o que seria um pesadelo para qualquer governo mexicano, historicamente nacionalista.
Negociação
Com AMLO, a cooperação com os EUA atingiu o nível mais baixo desde a fase anterior ao Plano Mérida, nos anos 90. Sheinbaum é menos refratária e pode usar a segurança como moeda de troca. Para James Gerber, pesquisador do Centro para os EUA e México, o combate ao crime é onde pode haver mais sinergia entre ela e Trump.
“Com base em seu tempo como prefeita da Cidade do México, Sheinbaum está mais disposta a trabalhar com agências de inteligência dos EUA para suprimir o fluxo de drogas e a violência dos cartéis”, disse. “Isso pode dar ao México mais espaço para manobrar em outras questões, como migração e comércio.”
Esse seria exatamente o objetivo de Trump ao ameaçar impor tarifas, segundo analistas: obter algum tipo de concessão em outras áreas. Em sua carreira política, o republicano se tornou especialista em criar narrativas. Uma delas, durante a campanha, era a de que os imigrantes estavam “invadindo” o país.
O mais provável, no entanto, segundo observadores da política americana, é que Trump, assim que tomar posse, declare a questão superada graças às ameaças de impor tarifas ao México. “É uma crise que nunca existiu”, escreveram os pesquisadores David Gergen e James Piltch, da Harvard Kennedy School.
Drogas
Sabendo disso, Sheinbaum incluiu na carta enviada a Trump estatísticas do próprio governo americano. “Segundo a agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês), o número de apreensões de imigrantes na fronteira mexicana caiu 75%, entre dezembro de 2023 e novembro deste ano”, disse a mexicana, em um contra-ataque preventivo.
Até mesmo a crise do fentanil pode estar com os dias contados. Pesquisadores americanos já identificaram uma queda na oferta da droga nos EUA. Análises feitas em laboratório de comprimidos apreendidos mostraram que o fentanil vem sendo diluído com outras substâncias menos letais.
As teorias sobre as razões da mudança variam. Alguns especialistas acreditam que a pressão do governo americano sobre a China, que exporta para o México os precursores químicos para a fabricação da droga, estaria reduzindo a oferta. Outros dizem que os próprios cartéis estariam abandonando o fentanil para se concentrar no tráfico de uma velha conhecida: a cocaína.
Com isso, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o número de mortes por overdose de fentanil caiu 10% em 2023 – uma queda que também pode estar ligada ao melhor uso da naloxona, que reverte o efeito dos opioides. Seja como for, em breve Trump poderá se vangloriar também que as tarifas resolveram a crise do fentanil.
Outra bomba que Sheinbaum terá de desarmar é a questão comercial Especialistas temem que, nessa área, o México tenha pouco espaço de manobra diante de ameaças tarifárias, no momento em que sua economia desacelera e permanece muito dependente dos americanos. Cerca de 80% das exportações do país vão para os EUA
Segundo o centro de estudos Capital Economics, uma tarifa hipotética de 10% dos EUA sobre produtos importados do México significaria uma redução de 1,5% no PIB mexicano. “O México não tem outra alternativa senão aceitar o ‘Remain in México’”, disse Ana Covarrubias Velasco, do Centro de Estudos Internacionais do Colégio del México (Colmex), sobre o programa de Trump que exige que solicitantes de asilo aguardem no México enquanto seus casos são processados.
A renegociação do Acordo EUA-México-Canadá (USMCA) também será uma questão crítica – o tratado é a nova roupagem dada ao Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta), que foi mudado por Trump em seu primeiro mandato.
Na renegociação do Nafta, Trump pressionou por mudanças que ele considerava essenciais, apresentadas como vitórias importantes, mas que na prática tiveram impacto apenas marginal. Agora, com a revisão do USMCA, prevista para 2026, a preocupação é que o futuro governo americano busque modificações mais profundas que prejudiquem a economia mexicana.
Sob a direção de Sheinbaum, o México tem se preparado para essa nova fase, sabendo que qualquer reavaliação do USMCA terá grandes implicações para seu setor industrial, especialmente para a indústria automotiva, um dos pilares do comércio com os EUA.
Para Trump, o risco de impor tarifas ao México, em um cenário de forte interdependência econômica, é provocar uma reação dentro dos EUA, já que muitas empresas americanas dependem de importações de peças e componentes mexicanos, como enfatizou Sheinbaum em sua carta.
Telefonema
A relação entra ela e Trump começou de maneira estranha. Na quarta-feira, 27, os dois conversaram por telefone, mas até os relatos do diálogo foram conflitantes. O americano alardeou que Sheinbaum havia concordado em interromper a migração fechando a fronteira. A mexicana negou tudo. “Minha posição é a mesma. Não quero fechar a fronteira, mas sim construir pontes entre governos e população.”
A resposta seca de Sheinbaum indica que Trump pode ter de lidar nos próximos quatro anos com uma liderança no México muito diferente daquilo que ele está acostumado. Um osso bem mais duro de roer do que a dupla Xi e Trudeau.
*Com informações da Agência Brasília