JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
FOLHAPRESS
Assolada por uma crise institucional, que derrubou sete governos desde 2020, a Bulgária se torna nesta quinta-feira (1°) o 21° país da União Europeia a adotar o euro. Não bastasse a crise, o país mais pobre da Europa está politicamente sem comando neste momento e vem sendo bombardeado há meses por ondas de desinformação russa.
Pesquisas de opinião mostram apoio à substituição do lev búlgaro pela moeda comum, mas também um país dividido: 51% da população é a favor da mudança, e 45%, contra.
Porém a promessa de estabilidade, ancorada no bloco comandado por Bruxelas, vem sendo confrontada desde o começo do ano por boatos sobre descontrole de preços e inflação ainda que o retrospecto do euro, criado em 1999 e em circulação desde 2002, tenha mostrado o contrário em outros países.
Concorre para percepção de um clima influenciado por ataques híbridos de Moscou a situação econômica búlgara, em tudo diferente da política. Mesmo dividindo a lanterna das estatísticas de riqueza da UE com a Romênia, a ex-república soviética caminha para crescer 3% em 2025.
A marca coloca a Bulgária entre Polônia (3,2%) e Espanha (2,9%), as campeãs do grupo, e muito à frente da combalida Alemanha (0,9%), maior economia europeia, que há três anos amarga estagnação e alertas de desindustrialização.
“Não é segredo que a Rússia está travando uma guerra híbrida contra a Europa. Provocações, atos de sabotagem, violação do espaço aéreo, interferência em processos políticos, além da disseminação de desinformação”, declarou em novembro Valdis Dombrovskis, comissário de Economia da UE.
Ao lado de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, Dombrovskis participava então de uma ofensiva em defesa da adoção do euro na capital Sofia. O assunto inflamava o debate público búlgaro, já contaminado por acusações de corrupção contra o governo de Rosen Zheliazkov.
Pressionado por diversas ondas de protesto, o primeiro-ministro acabaria renunciando semanas mais tarde para evitar uma sexta moção de desconfiança no Parlamento em menos de um ano no poder. O líder de centro-direita, um pró-UE de ocasião, era percebido pelos manifestantes como alguém próximo demais a Boiko Borissov, premiê derrubado em 2020, após movimentação popular sem precedentes no país.
Também na mira dos protestos estava Delian Peevski, oligarca do setor de comunicação alvo de sanções americanas e britânicas motivadas por denúncias de corrupção. Seu partido fazia parte da coalizão de governo, que naufragou após propor aumento de impostos e contribuições sociais no Orçamento de 2026.
Para completar o quadro político divisivo, o presidente do país, Rumen Radev, um general reformado pró-Rússia, incentivou os protestos e a queda do premiê. Apesar da confusão, a adoção do euro, confirmada pela Comissão Europeia em junho, não tem como ser revertida.
A decisão, que fecha um ciclo iniciado em 2007, quando o país aderiu à UE, foi recebida em Sofia com uma briga em pleno Parlamento. Políticos de ultradireita pró-Moscou haviam bloqueado a tribuna em simbólica tentativa de frear a proclamação da adesão.
“A Bulgária está aderindo ao euro em um momento de maior volatilidade, em que estamos tendo mais choques, um atrás do outro; em que a ordem global, como conhecíamos, está mais fragmentada e provavelmente produzindo menos amigos.” Era novembro e o discurso de Lagarde versava sobre a Europa, mas quase caberia à política local.
O euro, na concepção da presidente do BCE, é um porto seguro, testado em diversas crises nas últimas décadas e sem depreciação. Críticos, por outro lado, apontam para os atuais fantasmas europeus, citados com frequência nos discursos de Ursula von der Leyen: o tarifaço de Donald Trump, a guerra da Ucrânia, em que Vladimir Putin é tratado como ameaça existencial ao bloco, e a competição tecnológica com a China.
Na véspera da adesão, a presidente da Comissão Europeia preferiu ressaltar a festa em postagem no X: “Isso significa pagamentos mais simples, facilidade em viagens e muitas novas oportunidades para os negócios da Bulgária. Vocês devem se orgulhar do que alcançaram”.
“Adeus, Bulgária”, escrevia um crítico logo na sequência da mensagem, refletindo o discurso nacionalista frequentemente utilizado pelos partidos pró-Rússia. Investigações jornalísticas comprovaram em abril a ligação de grupos locais com forças de inteligência russas. Além dos boatos sobre inflação, desmoralizar o euro e reforçar o valor histórico do lev, a moeda local desde 1881, apareciam como objetivos principais.
A estratégia de apelo nacionalista é comum no Leste Europeu. Na Polônia, uma onda recente de desinformação tentou atrelar ao governo Donald Tusk a intenção de adotar o euro, algo que nunca esteve nos planos do premiê, um dos líderes da UE mais vocais contra o presidente russo, Vladimir Putin.
Assim como não parece ser o mal pintado pelos opositores e pela desinformação patrocinada por Moscou, a adoção do euro tampouco promete ser solução para o principal problema búlgaro, a corrupção. Segundo a Transparência Internacional, o país de 6,1 milhões de habitantes lidera os índices de corrupção na Europa.
A questão é a principal bandeira a mover as manifestações populares, que desde 2020 exigem mudanças de fundo na política do país. O euro é apenas o debate da vez.