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Eleição regional no Reino Unido vira referendo pessoal do controverso Boris Johnson

As eleições regionais no Reino Unido vão decidir quem serão os ocupantes dos milhares de assentos em conselhos municipais, distritais e em outras divisões

FolhaPress

04/05/2022 19h09

Foto: AFP/Divulgação

Lucas Alonso
São Paulo, SP

Os escândalos de festas clandestinas realizadas durante a pandemia, a recuperação econômica após a crise sanitária, o aumento do custo de vida, a Guerra da Ucrânia, uma espécie de ranço que se instaurou entre parte da população e até o visual de cabelos desgrenhados de Boris Johnson serão alguns dos aspectos que acompanharão os britânicos às urnas nesta quinta-feira (5).

As eleições regionais no Reino Unido vão decidir quem serão os ocupantes dos milhares de assentos em conselhos municipais, distritais e em outras divisões da política local. Mas também serão uma espécie de referendo pessoal sobre a figura do primeiro-ministro, um teste para sua liderança à frente do Partido

Conservador e talvez o prenúncio do desafio que a oposição trabalhista enfrentará se sair vitoriosa.

Em geral, grandes temas internacionais não costumam ter grande influência em pleitos locais. Em circunstâncias normais, pouco importa para o eleitor que vai escolher um novo conselheiro municipal em uma cidadezinha no norte da Inglaterra se Boris vai enviar £ 300 milhões em ajuda militar à Ucrânia.

Mas os desdobramentos do conflito na dinâmica local, como o aumento do custo de vida, são, sim, determinantes na hora de votar. Será ainda o primeiro pleito regional após o brexit e em um momento em que a Covid começa a ficar para trás –e as lideranças locais serão julgadas por sua conduta no período.

Nessa equação entra também a imagem pessoal que os britânicos construíram do premiê –moldada nos últimos meses por uma série de escândalos. O relatório da investigação interna que apurou os eventos irregulares realizados em Downing Street, sede do governo, concluiu, sem mencionar Boris diretamente, que houve “falhas de liderança e de julgamento” por diferentes membros de sua gestão.

O premiê foi multado, tornando-se o primeiro chefe de governo a ser punido por violar a lei durante o exercício do cargo. Também é alvo de investigação que apura se ele mentiu deliberadamente ao Parlamento quando negou a realização das festas clandestinas. “Estou absolutamente enojado com a maneira como ele se comportou”, disse John Jones, 75, morador de Newcastle-under-Lyme, à agência de notícias Reuters. “Já cansei de vê-lo agir como um palhaço. Basta olhar para o corte de cabelo e para a maneira como se veste para perceber que não está levando esse trabalho a sério.”

Votos como o de Jones, que Boris já perdeu, foram determinantes nos últimos pleitos para consolidar o governo conservador. Se as projeções das pesquisas de intenção de voto se concretizarem, porém, a mudança na paisagem do cenário político britânico pode se tornar um marco da derrocada dos correligionários do premiê e uma nova chance para os opositores do Partido Trabalhista.

“Isso pode tanto fortalecer a oposição quanto criar o pretexto para que os conservadores, de alguma forma, tentem se ‘livrar’ de Boris antes das próximas eleições [gerais], do próximo teste de força”, afirma Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.

O adeus de Boris, cujo jogo de cintura político até agora o ajudou a se manter no cargo, pode não ocorrer tão facilmente –mas também nunca esteve tão perto. A esperada derrota nas eleições desta quinta pode ser o gatilho para fomentar o voto de desconfiança que há meses assombra o premiê.

Se 54 dos 360 deputados conservadores no Parlamento enviarem a um órgão da legenda um pedido para que sua liderança seja desafiada, dá-se início ao processo que pode desencadear a renúncia.

O precedente já existe. Em 2019, o mau desempenho nas eleições locais foi um presságio para a antecessora de Boris, Theresa May. A conservadora perdeu cerca de 1.300 assentos no pleito em maio daquele ano e, no mês seguinte, viu-se obrigada a renunciar à posição de liderança.

Carolina Pavese, professora de relações internacionais da ESPM, afirma que a eleição não trará grandes surpresas em termos de que partido domina cada região do país. Mas o cenário de longo prazo pode ser alterado e influenciar as eleições gerais, previstas, ainda que sem data definida, para 2023.

“O que vai se tirar agora é uma fotografia da situação política atual, da opinião pública hoje, mas isso vai dar insumo para os partidos trabalharem o que falta em suas imagens e em suas agendas.”

Na visão da especialista, Boris agiu de forma semelhante a Joe Biden e conseguiu angariar capital político interno por meio de uma crise externa como a Guerra da Ucrânia. Ambos anunciaram nas últimas semanas pacotes bilionários de ajuda a Kiev. O britânico se tornou o primeiro líder ocidental a discursar ao Parlamento ucraniano desde o início do conflito, e lá fez promessas de que a Ucrânia vai vencer a guerra.

“Se, por um lado, a guerra tem um impacto econômico real negativo para o Reino Unido, por outro tem se apresentado como oportunidade para Boris empregar capital político e reforçar seu papel enquanto liderança para tentar modificar a opinião pública a seu favor”, diz Pavese.

Para Consentino, uma derrota dos conservadores nesta quinta será debitada quase totalmente da conta de Boris. Talvez seja esse o receio de alguns candidatos que, embora dividam a mesma legenda com o primeiro-ministro, omitiram seu nome e sua imagem dos materiais de campanha e passaram a se denominar “conservadores locais”, marcando distanciamento da agenda nacional do premiê.

“Diz muito que os próprios candidatos conservadores tenham vergonha de se associar a ele e estejam tentando enganar os eleitores”, disse Angela Rayner, vice-líder do Partido Trabalhista. “Sem respostas para a crise do custo de vida, eles estão tentando se esconder do histórico de seu próprio governo.”

O professor do Insper ressalta, no entanto, que os conservadores que apostam na fritura de Boris com a esperança de que surja um novo nome a tempo das próximas eleições gerais fazem um movimento arriscado. “Rifando seu líder, podem perder eles mesmos a liderança e o controle do governo.”

Esta talvez seja a chance que os trabalhistas aguardam desde 2010, quando Gordon Brown deixou Downing Street. O editor de economia do jornal britânico The Guardian descreveu a vantagem dos opositores de Boris com uma metáfora esportiva. “No futebol, seria o equivalente a um atacante a dois metros do gol com um pé na bola e os defensores longe da vista. Se o Partido Trabalhista não estufar a rede agora, então há realmente apenas uma pergunta a fazer: quando na Terra é provável que o faça?”

Assim, o ambiente político, ainda que favorável aos trabalhistas, poderia ser, na prática, um tiro saído pela culatra. Com o Reino Unido fora da União Europeia, em recuperação pós-coronavírus e envolvido na Guerra da Ucrânia, não se sabe como o partido que foi oposição nos últimos 12 anos se comportaria no governo.

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