DIOGO BERCITO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS)
A polarização da política tem aprofundado os abismos sociais e culturais nos Estados Unidos. Como resultado, eleitores democratas e republicanos vão levar visões opostas de mundo às urnas na próxima terça-feira (5). Eles discordam sobre assuntos fundamentais, como raça, gênero e segurança.
Segundo o instituto de pesquisa Pew, por exemplo, 80% dos eleitores da democrata Kamala Harris afirmam acreditar que o legado da escravidão prejudica a população negra do país. Entre os seguidores do republicano Donald Trump, no entanto, só 24% dizem estar de acordo com essa afirmação.
Cerca de 60% dos democratas afirmam que uma pessoa pode se identificar com um gênero diferente daquele que lhe foi atribuído no nascimento. Já o número entre os eleitores republicanos é de apenas 7%.
Um outro tema divisivo é o do direito ao porte de armas. No campo de Kamala, cerca de 18% dizem que ter uma arma consigo aumentaria a sua segurança. Em comparação, quase 90% dos trumpistas afirmam o mesmo.
Essas divergências não são novas, mas estão cada vez mais presentes, diz Matthew Grossmann. Ele é professor de ciência política na Universidade Estadual de Michigan e autor do livro “Polarized Degrees” (graus polarizados), sobre o impacto da escolaridade na política. Quanto mais os americanos estudam, sugere o acadêmico, mais eles tendem a ser democratas.
Grossmann explica que a cisão entre eleitores democratas e republicanos é, em parte, um resultado do sistema político bipartidário americano. Não existem opções viáveis além dos partidos Democrata e Republicano. Isso significa que as pessoas têm que escolher entre os dois campos -e as questões sociais vão sendo distribuídas entre ambos.
Com o tempo, os partidos ficaram associados a posições sociais e culturais específicas. Eleitores democratas, por exemplo, tendem a adotar os valores tidos como liberais no país, como o direito ao aborto. Já os republicanos se organizam em torno de ideias mais conservadoras, entre elas a rejeição aos direitos civis das pessoas transgênero no país.
Escolher um partido significa, de certo modo, escolher todo um pacote de valores. Isso afeta, inclusive, os hábitos culturais. “É fácil identificar em quem uma pessoa vota, mesmo se ela não mencionar a política”, diz Grossmann. Por exemplo, a partir dos filmes a que ela assiste ou os artistas que ouve.
Não surpreendeu ninguém, nesse sentido, que artistas como Beyoncé e Taylor Swift decidiram apoiar os democratas. Existem linhas claras dividindo as celebridades do país, algo que os fãs entendem de antemão.
A polarização em si não preocupa Grossmann. Ele diz que a cristalização dos comportamentos eleitorais não é necessariamente ruim. Tampouco quer dizer que os eleitores sejam cada vez mais extremos. Isso apenas mostra, segundo o professor, seu alinhamento com as ideias do seu partido e de seu eleitorado.
No tema do aborto, por exemplo, não há uma guinada a opiniões mais radicais em nenhum dos lados. O que acontece é que está cada vez mais difícil encontrar um democrata contra a interrupção de uma gravidez indesejada e um republicano a favor.
O que incomoda, afirma Grossmann, é que cada vez mais os democratas e republicanos enxergam as eleições como disputas existenciais. Agem como se tudo estivesse em jogo, não apenas a troca de partidos no governo -algo comum nas democracias. Basta ver a retórica do Partido Democrata, que sugere que uma vitória de Trump arruinaria todo o país.
Uma pesquisa recente da Universidade Johns Hopkins sugere, nesse sentido, que cerca de metade dos eleitores pensa que o partido rival é “totalmente malvado”. Mais do que oponentes, então, são seus inimigos.
Esse cenário não tem solução de curto prazo, diz Grossmann. Não vai mudar, é claro, antes do pleito do dia 5. A reversão, sugere, tem que vir das instituições, com mensagens que recordem os americanos de todas as coisas que eles têm em comum, para além das duas linhas partidárias.