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Crescimento do consumo de ultraprocessados exige resposta mundial, diz série de artigos na Lancet

Série liderada por pesquisadores do Brasil, Austrália e Chile indica que avanço dos ultraprocessados substitui alimentos frescos, aumenta doenças crônicas e enfrenta forte resistência da indústria

Redação Jornal de Brasília

19/11/2025 12h44

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

LAIZ MENEZES
FOLHAPRESS

Uma série de três artigos publicados nesta terça-feira (18) na revista The Lancet afirma que o avanço do consumo de alimentos ultraprocessados no mundo representa uma ameaça crescente à saúde pública e exige respostas imediatas em escala global.

Liderados por pesquisadores de Brasil, Austrália e Chile, incluindo o epidemiologista Carlos Augusto Monteiro, criador do conceito de “ultraprocessados”, os estudos apontam que esses produtos estão substituindo os alimentos in natura e minimamente processados, o que aumenta o risco de múltiplas doenças crônicas.

Intitulada “Alimentos Ultraprocessados e Saúde Humana”, a série de artigos diz que é preciso adotar políticas públicas coordenadas para reduzir a produção, a publicidade e o consumo de ultraprocessados, ao mesmo tempo em que se deve combater o alto teor de gordura, açúcar e sal dos alimentos.

Os ultraprocessados incluem uma ampla variedade de alimentos produzidos industrialmente, como refrigerante, suco de caixinha, biscoito recheado, salgadinho de pacote, macarrão instantâneo, pão de forma, bolo e sobremesa prontos, além de itens congelados como pizza e lasanha. Também entram nessa categoria embutidos como salsicha, presunto e nuggets, além de barra de cereal, achocolatado em pó, margarina, iogurte adoçado e cereais matinais açucarados.

Segundo Eurídice Martinez, pesquisadora do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) da USP (Universidade de São Paulo) e uma das autoras da série, a substituição de padrões alimentares tradicionais por alimentos ultraprocessados é um dos principais fatores por trás do aumento global de doenças crônicas relacionadas à alimentação.

Ela aponta que a coletânea traz mais de cem estudos que já ligaram o alto consumo desses produtos a um risco maior de obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, depressão, doenças cardiovasculares, problemas renais e inflamações intestinais, além de aumento da mortalidade.

Dados de vários países expostos nos artigos mostram que os ultraprocessados estão ocupando o lugar dos alimentos frescos em grande parte do mundo, até mesmo em regiões onde antes quase não eram consumidos. Essa troca piora a qualidade da dieta, já que esses produtos costumam ter mais açúcar, gordura e sal, além de menos fibras, vitaminas e minerais.

As pesquisas também indicam que quem consome muitos ultraprocessados tende a comer mais do que precisa. Isso acontece porque esses alimentos são feitos para serem muito palatáveis, têm alta densidade calórica e usam aditivos que estimulam o apetite.

Outro ponto de preocupação é a maior exposição a substâncias indesejáveis como toxinas formadas durante o processamento, químicos que podem migrar das embalagens e misturas de aditivos como corantes, emulsificantes e adoçantes artificiais.

Outros dois artigos da série especificam ações de política e estratégias mais amplas de saúde pública para promover, proteger e apoiar dietas baseadas em alimentos frescos e minimamente processados, e para evitar que sejam substituídas por alimentos ultraprocessados.

Produzir ultraprocessados é muito mais lucrativo do que fabricar alimentos frescos, afirmam os autores. As empresas usam ingredientes baratos, tecnologia industrial e marketing pesado para manter o consumo alto -e têm dinheiro para expandir globalmente.

Os autores também argumentam que o grande poder econômico da indústria de ultraprocessados se traduz em forte influência política. As empresas operam redes globais de produção, pressionam governos ao ameaçar mover investimentos e se beneficiam de subsídios e de mercados altamente concentrados.

Em relação ao debate público, a Lancet destaca o uso de estratégias de imagem, como versões “mais saudáveis” de produtos, alegações ambientais e campanhas que transferem a responsabilidade para escolhas individuais. As empresas ainda financiam pesquisas e grupos científicos que ajudariam a gerar dúvida sobre evidências independentes.

De acordo com a publicação, esse conjunto de ações se sobrepõe e cria obstáculos significativos ao avanço de políticas que poderiam reduzir o consumo de ultraprocessados.

“As corporações de alimentos ultraprocessados usam diversas estratégias para influenciar políticas e a opinião pública, incluindo lobby direto, infiltração em órgãos governamentais e processos judiciais, promoção de modelos de governança e regulamentações favoráveis, articulação de grupos de fachada e parcerias de pesquisa, e manipulação do debate público ao produzir evidências favoráveis e criar dúvidas científicas”, diz Martinez.

Para a pesquisadora, além de adotar políticas como impostos, rotulagem de advertência e proibição de venda em escolas, é essencial fortalecer alianças entre organizações da sociedade civil, garantir suporte jurídico e investir em comunicação pública. Essas ações ajudam a sustentar as medidas, enfrentar pressões contrárias e promover uma transição justa para dietas mais saudáveis que priorizam saúde, equidade e sustentabilidade acima dos interesses corporativos.

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