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Corpos se acumulam em ruas de cidade invadida na RDC, e violência chega à capital

O grupo em questão, M23, entrou em Goma na segunda (27). Seus combatentes continuam a enfrentar focos de resistência do Exército congolês e de seus apoiadores

Redação Jornal de Brasília

28/01/2025 13h59

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Foto: STR/AFP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A ONU e outras agências de ajuda humanitária relataram que as ruas de Goma -maior cidade do leste da República Democrática do Congo (RDC)- se encheram de corpos e seus hospitais ficaram lotados de pacientes com ferimentos de bala e estilhaços nesta terça feira (28), um dia depois de uma milícia rebelde apoiada por Ruanda invadirem a área.

O grupo em questão, M23, entrou em Goma na segunda (27). Seus combatentes continuam a enfrentar focos de resistência do Exército congolês e de seus apoiadores.

Em paralelo a isso, manifestantes atacaram um complexo da ONU e uma série de embaixadas -de Ruanda e de países que eles acusam de apoiá-la, como Estados Unidos, Bélgica e França- na capital, Kinshasa. O chanceler francês Jean-Noël Barrot classificou os ataques como inaceitáveis. “A embaixada francesa em Kinshasa foi atacada esta manhã por manifestantes, que provocaram um incêndio que agora está controlado”, escreveu na rede social X.

“A situação humanitária em Goma e arredores continua extremamente preocupante”, disse Jens Laerke, porta-voz do Ocha, escritório humanitário da ONU, nesta terça, atribuindo a informação a relatos de funcionários da entidade. “Os hospitais estão sobrecarregados, lutando para administrar o fluxo de feridos”, afirmou ainda, acrescentando que também há relatos de estupros por combatentes da milícia.

Na mesma entrevista coletiva, Adelheid Marschang, coordenadora de resposta a emergências da OMS ( Organização Mundial da Saúde) para o Congo, disse que centenas de pessoas foram internadas com ferimentos de bala e outros.

“Estamos ouvindo relatos de profissionais de saúde sendo alvejados e pacientes, incluindo bebês, sendo pegos no fogo cruzado”, afirmou. A ONU havia calculado que havia de 600 a 700 pessoas feridas nos hospitais de Goma no fim de semana.

Patrick Youssef, diretor regional para a África do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, disse por sua vez que, em 24 horas, um dos hospitais da organização em Goma recebeu mais de cem pacientes com ferimentos na cabeça e traumas no peito causados por morteiros e estilhaços.

“Embora o hospital esteja lotado, ainda estamos recebendo ligações de feridos desesperados”, afirmou, acrescentando que houve um aumento significativo no número de crianças gravemente feridas. Segundo ele, pacientes aguardam atendimento nos corredores por falta de leitos, e o estacionamento do hospital foi convertido em um centro de triagem.

O diretor ainda alertou para o risco de propagação de alguns vírus, incluindo o ebola, de um laboratório em Goma, devido aos intensos combates. Segundo ele, a organização “está muito preocupada com a situação no laboratório do Instituto Nacional de Pesquisa Biomédica” e pede “a proteção de amostras que podem ser afetadas pelos combates, e que podem ter consequências inimagináveis se as cepas bacteriológicas, incluindo o vírus ebola, que se encontram lá, se espalharem”.

A última ocupação de Goma pelo M23, em 2012, durou relativamente pouco tempo, e em 2013 a milícia foi expulsa do território.

Desta vez, porém, o cenário é distinto. A relutância das potências mundiais em enfrentar Ruanda, a existência de muitos outros conflitos globais nos quais focar sua atenção e realidades militares locais complicam os esforços para derrotar os rebeldes em Goma e no leste da RDC, dizem analistas e diplomatas.

Os habitantes de Goma estão trancados em suas casas há quatro dias, sem água ou energia elétrica devido ao bombardeio das infraestruturas. Apesar do som de disparos nas proximidades, alguns se aventuraram até um lago próximo em busca de água.

Dezenas de combatentes do M23 também foram vistos marchando pelas ruas principais de Goma, alguns com coletes à prova de balas e armas congolesas. Moradores relatam ter sido roubados por soldados ou milicianos congoleses. “Eles roubaram tudo de nós, nossos telefones, até nossos sapatos”, disse Jospin Nyolemwaka, que fugiu de seu bairro.

Ainda nesta terça, a ONU expressou preocupação com a escassez de alimentos na cidade e nos arredores depois que as atividades de assistência alimentar precisaram ser suspensas. “As próximas 24 horas serão cruciais porque as pessoas começarão a ficar sem suprimentos e terão que ver o que podem encontrar para sobreviver”, disse Shelley Thakral, porta-voz do Programa Mundial de Alimentos (PMA) na RDC.

O grupo fez avanços rápidos no mês passado, conquistando territórios e expandindo seu controle sobre as lucrativas minas de coltan, ouro e minério de estanho da província de Kivu do Norte. Os recursos extraídos desses locais servem tanto para financiar o M23 quanto para motivá-lo a mantê-los sob seu controle.

Hoje, a milícia controla todo o território ao redor de Goma, dificultando qualquer tentativa dos congoleses de retomar a cidade. À Reuters, autoridades diplomáticas da RDC também confirmaram que o grupo tomou o controle do aeroporto local nesta terça.

Quando os rebeldes tomaram Goma pela última vez, foi necessária pressão internacional coordenada. À época, uma força africana solicitada pela ONU e composta por soldados da África do Sul, Tanzânia e Maláui ajudou os congoleses a lançar uma contraofensiva que levou à rendição do grupo.

No último domingo (26), em uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, Estados Unidos, França e Reino Unido pediram apoio de Ruanda para a resolução da crise, mas não tomaram medidas concretas.

Em paralelo a isso, chefes de Estado africanos liderados pelo presidente do Quênia, William Ruto, articulam-se para tentar acabar os conflitos pela via diplomática.

Bem treinado e equipado com armas militares, o M23 é o mais recente de uma longa linha de movimentos rebeldes liderados por tutsis a surgir nas voláteis fronteiras orientais da RDC, após duas guerras sucessivas decorrentes do genocídio de Ruanda em 1994.

O grupo diz que existe para proteger a população tutsi da região. O governo da RDC diz, no entanto, que a milícia é um representante de Ruanda. O governo do presidente ruandês, Paul Kagame, negou durante muito tempo apoiar o M23, apesar de vários relatórios da ONU terem concluído o contrário.

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