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China cometeu ‘sérias violações de direitos humanos’ contra uigures, diz ONU

A ex-presidente chilena vinha sofrendo forte pressão de ONGs nos últimos meses por sua postura considerada amena em relação a Pequim

FolhaPress

31/08/2022 20h02

Foto: Divulgação

João Perassolo
Ssão Paulo, SP

A China cometeu graves violações de direitos humanos contra os uigures, minoria muçulmana que ocupa a região de Xinjiang, no oeste do país, segundo um relatório do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas. O texto foi divulgado nesta quarta-feira (31), nos últimos minutos do mandato de Michelle Bachelet à frente do órgão.

A ex-presidente chilena vinha sofrendo forte pressão de ONGs nos últimos meses por sua postura considerada amena em relação a Pequim. O documento teve origem em uma visita considerada histórica da representante da ONU, no fim de maio, a Xinjiang.

A China é acusada de reprimir e aprisionar o povo uigur. O relatório dá credibilidade às alegações de “padrões condizentes com a prática de tortura” na região, pedindo “urgente atenção da comunidade internacional” e alertando para o risco de que crimes contra a humanidade tenham sido cometidos.

É incerto, porém, o impacto que o relatório terá para amenizar as críticas recentes à chilena. “Seu principal legado é e continuará a ser o fracasso em tomar medidas claras e necessárias sobre a crise dos direitos humanos na China, particularmente na forma como atrasou a publicação do relatório sobre a situação em Xinjiang”, diz à Folha Raphael Viana David, diretor do programa para a Ásia do Serviço Internacional de Direitos Humanos (ISHR), baseado em Genebra.

“Isso terá um impacto duradouro na confiança na capacidade do sistema da ONU de enfrentar infratores poderosos.”

Bachelet, a oitava ocupante do cargo, anunciou de surpresa em junho que não tentaria um segundo mandato por razões pessoais -aos 70 anos, disse querer voltar para sua família no Chile e acompanhar o importante momento histórico que o país vive, às vésperas de um plebiscito sobre a nova Constituição.

Pelas regras da ONU, seu tempo no posto poderia ser renovado por mais quatro anos. Com sua desistência, o secretário-geral António Guterres deve apontar um novo nome, que precisará da aprovação da Assembleia-Geral. Os cerca de dez candidatos potenciais incluem o oficial das Nações Unidas Volker Türk, da Áustria, o diplomata de carreira Federico Villegas, da Argentina, e Adama Dieng, de Senegal, que já assessorou Guterres no programa de prevenção de genocídios.

Analistas veem a possibilidade de China e Rússia, membros permanentes do Conselho de Segurança, favorecerem um sucessor com mentalidade política. “O Ocidente e ONGs pressionam por um defensor dos direitos humanos, mas um ‘policial global’ seria inaceitável para Pequim, Moscou e muitos países em desenvolvimento”, disse à agência Reuters Marc Limon, diretor-executivo do Universal Rights Group.

Em uma de suas últimas falas como comissária, Bachelet afirmou a um repórter da rede alemã Deutsche Welle considerar injustas as críticas por sua postura em relação à China. Segundo ela, seu gabinete vem alertando sobre a situação dos direitos humanos em outras partes do país, como a respeito das ameaças à democracia Hong Kong.

Disse também que seria lamentável ser lembrada apenas pela questão dos uigures, considerando que ela e seus colegas lidaram com centenas de países nos últimos anos.

Ex-presidente do Chile, Bachelet foi nomeada alta comissária em 2018, amplamente elogiada por seu histórico pessoal e profissional. Seu pai foi preso, torturado e morto pela ditadura de Augusto Pinochet no Chile, e ela -então com 23 anos- e a mãe também foram detidas e torturadas.

Na política, foi a primeira mulher eleita presidente no país. Seu perfil no site da ONU destaca, para seus dois mandatos, a implantação de cotas para aumentar a participação política das mulheres e a aprovação da Lei da União Civil, garantindo direitos a casais de mesmo sexo.

Ela ascendeu ao cargo nas Nações Unidas quando o então presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que cortaria o financiamento ao gabinete de direitos humanos do órgão. No ano seguinte, ouviu o brasileiro Jair Bolsonaro (PL) atacar seu pai, elogiar o golpe militar no Chile e dizer que ela defendia “direitos humanos de vagabundos”.

Na ocasião, Bachelet alertou para o aumento expressivo de mortes pela polícia brasileira e disse que o país passava por uma redução do espaço democrático. Na semana passada, em sua última entrevista coletiva no cargo, ela voltou a dizer que a situação dos direitos humanos no Brasil é muito difícil e demonstrou preocupação com os ataques do presidente ao sistema eleitoral.

Ainda sobre a América Latina, a chilena chamou a atenção para crises na Venezuela e na Nicarágua, lembra Raphael David, acrescentando que sua pressão pela equidade na vacinação contra a Covid foi uma resposta necessária aos impactos da pandemia.

Em outras frentes, Bachelet usou seu cargo para se opor ao golpe militar em Mianmar, manifestando-se diversas vezes contra as prisões e as execuções do regime, e pedir ao presidente russo Vladimir Putin que encerra a Guerra da Ucrânia e desmilitarize a usina nuclear de Zaporíjia. Os seis meses do conflito no Leste Europeu foram “inimaginavelmente aterrorizantes” para os ucranianos, disse ela.

Outro de seus legados é o debate para a abolição da pena de morte em países como Chade, Cazaquistão, Serra Leoa, Papua Nova Guiné e Malásia, conforme ela própria lembrou. “A jornada para defender os direitos humanos nunca termina -e a vigilância contra retrocessos de direitos é vital”, concluiu.

No relatório de 46 páginas divulgado nesta quarta, uigures relatam terem sofrido violências sexuais nos campos de prisioneiros. Além de alguns casos de estupro, mulheres contaram terem sido forçadas por guardas a realizar sexo oral no contexto de um interrogatório e de serem obrigadas a tirar a roupa em outras ocasiões. Mulheres ralatam ainda terem sido submetidas a exames ginecológicos invasivos. O governo chinês nega as acusações.

O documento “é um desafio sem precedentes às mentiras de Pequim e ao tratamento horrível dos uigures”, disse Sophie Richardson, diretora da Human Rights Watch na China. “As conclusões condenatórias da alta comissária explicam por que o governo chinês lutou com unhas e dentes para impedir a publicação de seu relatório de Xinjiang, que expõe os amplos abusos de direitos da China”.

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