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Assim como Bolsonaro, partido extremista alemão também ataca eleições

De certa forma, a surpresa é essa ligação ter demorado tanto para aparecer, dadas as semelhanças entre os dois campos políticos

Redação Jornal de Brasília

03/08/2021 12h59

Foto: ADRIANO MACHADO/REUTERS

Fábio Zanini
FolhaPress

No mês passado, a visita da deputada alemã Beatrix von Storch ao Brasil revelou uma nova conexão internacional do bolsonarismo. Desta vez com a AfD, Alternativa para a Alemanha, partido de ultradireita do país europeu, em que ela é vice-líder. O próprio presidente Jair Bolsonaro tirou foto sorridente com ela.

De certa forma, a surpresa é essa ligação ter demorado tanto para aparecer, dadas as semelhanças entre os dois campos políticos, propagadores de uma versão extremada da defesa da família e de valores cristãos. Há mais elementos conectando Bolsonaro e a AfD, no entanto. Um deles é aquele que parece ter se tornado o único tema do governo nos últimos tempos, os ataques ao sistema de votação.

Assim como Bolsonaro e seus aliados, a legenda alemã usa como ferramenta política uma tentativa de desacreditar seu sistema eleitoral. Essa ação foi detalhada recentemente por um relatório produzido pelo Institute for Strategic Dialogue, um centro de estudos baseado em Londres, que se dedica ao combate ao extremismo, à polarização e à desinformação.

Em 21 de junho, o instituto divulgou o documento “Campanhas da desinformação contra a eleição: resultados da Saxônia-Anhalt”. O estudo se debruça sobre os efeitos de ofensivas contra o sistema eleitoral ocorridas na Saxônia-Anhalt, estado de cerca de 2 milhões de habitantes localizado no centro-leste do país que promoveu sua eleição regional em 6 de junho.

Venceram os conservadores moderados, representados pela CDU da chanceler Angela Merkel, com a AfD ficando em segundo lugar. O que aconteceu na região, um dos redutos eleitorais da direita radical, pode ser uma prévia da eleição nacional, prevista para setembro, dizem os pesquisadores. A análise do instituto identificou um padrão de comportamento de ativistas do partido com o uso de ferramentas como o Telegram e redes sociais como Twitter e Facebook.

Numa atuação que lembra muito vídeos que bolsonaristas espalham em redes sociais documentando supostas fraudes na eleição de 2018, um simpatizante do AfD postou uma imagem no Twitter do que seria um mesário admitindo que pretendia fraudar cédulas com votos para o partido (sim, o voto é em papel).

A foto, contudo, era de uma seção eleitoral nos EUA. Mesmo assim, foi compartilhada mais de 400 vezes e ajudou a impulsionar a hashtag “wahlbetrug”, ou fraude eleitoral, no Twitter, na véspera da eleição. “Apoiadores do AfD expressaram dúvidas sobre os resultados da eleição e escreveram que a derrota do partido e a discrepância entre suas pesquisas e os resultados só poderiam ser explicados pela fraude eleitoral. Na maior parte dos casos, nenhuma suspeita específica foi mencionada”, afirma o relatório do instituto.

A AfD é um partido relativamente novo, surgido apenas oito anos atrás, mas que provocou um abalo sísmico no cenário político alemão. Sua maior base está nos estados que faziam parte da antiga Alemanha Oriental, em que níveis de desenvolvimento ainda são menores com relação à média nacional.

Explorando este sentimento de fragilidade econômica, altas taxas de desemprego e a chegada de novos contingentes de imigrantes vindos do Oriente Médio, norte da África e Afeganistão, o partido construiu um nicho na política alemã, que sempre foi dominada pelo duopólio entre os democrata-cristãos de Merkel e os social-democratas. Xenofobia e agressividade contra estrangeiros são parte importante de seu discurso. O auge do partido veio na eleição de 2017, quando se tornou a terceira força do Parlamento alemão, obtendo 12,6% dos votos e 94 cadeiras no Parlamento.

As pesquisas para a eleição nacional deste ano têm colocado o partido próximo deste patamar. Na Alemanha, coalizões são muito comuns, e a votação prevista em setembro deve levar ao mesmo caminho, como indicam os levantamentos. Há uma regra não escrita na política alemã de que nenhum partido que vencer a eleição contará com os extremistas em uma eventual composição. Isso, em tese, oferece um dique de proteção da democracia alemã contra o radicalismo.

Mas essas circunstâncias mudam rapidamente, como mostram diversos exemplos na Europa. Na Áustria, o Partido da Liberdade, legenda com claras tendências neonazistas, causou indignação há 20 anos ao integrar uma coalizão de direita. Desde então, essa porteira se abriu, e a presença de extremistas na política mainstream deixou de ser tabu no continente, em países como Itália, Polônia, Hungria e República Tcheca.

Além disso, imaginar que o AfD atingiu seu teto ignora mudanças rápidas de comportamento do eleitorado, como a eleição de um certo capitão do Exército do baixo clero em 2018 no Brasil nos lembra. Por isso, o fato de eleitores deste partido militarem contra o sistema eleitoral é algo tão perigoso, e que poderá ter implicações nacionais.

Como diz o estudo do Institute for Strategic Dialogue, “narrativas de fraude eleitoral sugerem que a falta de confiança em instituições políticas, especialmente entre apoiadores do AfD, é um ponto fraco para a eleição nacional em setembro”.

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