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Alemanha e Noruega publicam estudos descrevendo efeito colateral associado a vacina AstraZeneca

Os reguladores europeu e britânico e a OMS (Organização Mundial de Saúde) mantiveram sua recomendação de que as vacinas continuem sendo usadas

Redação Jornal de Brasília

09/04/2021 17h07

Ana Estela de Sousa Pinto
Bruxelas, Bélgica

Dois estudos feitos na Alemanha e na Noruega e publicados nesta sexta (9) descrevem os efeitos colaterais que afetaram, em casos muito raros, pessoas vacinadas com o imunizante de Oxford/AstraZeneca. Também nesta sexta, a EMA (agência regulatória europeia) informou que está avaliando relatos de coágulos graves e raros em pessoas que tomaram a vacina desenvolvida pela Janssen.

Os reguladores europeu e britânico e a OMS (Organização Mundial de Saúde) mantiveram sua recomendação de que as vacinas continuem sendo usadas, porque o risco de morrer por Covid-19 ou ter um problema grave causado pelo coronavírus –inclusive coágulos– é muito mais alto.

Os acidentes vasculares cerebrais notificados até agora ocorreram em 1 a cada 600 mil vacinados no Reino Unido, e 1 a cada 100 mil na União Europeia. Os estudos dos dois países europeus, ambos publicados no The New England Journal of Medicine, não determinaram como o problema acontece, mas acrescentaram dados sobre sua evolução.

“Em primeiro lugar, os médicos devem estar cientes de que, em alguns pacientes, a trombose venosa ou arterial pode se desenvolver em locais incomuns, como o cérebro ou abdome, e se torna clinicamente aparente entre 5 e 20 dias após a vacinação”, dizem os autores alemães.

Os cientistas mostraram também que, após a vacinação, as pessoas produziram anticorpos que afetaram suas plaquetas –um componente do sangue envolvido na coagulação– reduzindo seu número e favorecendo hemorragias.

Na Alemanha, foram estudados 11 pacientes com idades entre 22 e 49 anos. Segundo os autores do trabalho, de 5 a 16 dias após a vacinação, eles tiveram trombocitopenia (redução no número das plaquetas) semelhante à já conhecida quando se usa um medicamento chamado heparina (usado para evitar coágulos). Nenhum deles, porém, havia recebido heparina antes de apresentar os sintomas. Todos os 11 pacientes tiveram trombocitopenia de moderada a grave e formação incomum de coágulos, particularmente trombose venosa cerebral e trombose de veia esplâncnica (no sistema digestório).

De acordo com os cientistas, nos últimos anos já foram relatados casos em que outros fatores, como infecções virais ou determinadas drogas, desencadeiam reações autoimunes muito semelhantes à trombocitopenia induzida por heparina.

Nesses casos, dizem eles, a redução das plaquetas é “invulgarmente grave” e coágulos atípicos ou disseminados ocorrem em frequência aumentada.

No estudo norueguês, os cinco pacientes –com idades entre 32 e 54 anos– também apresentaram coágulos raros em locais incomuns com redução concomitante no número de plaquetas, entre 7 e 10 dias depois da vacinação. Quatro deles tiveram acidentes vasculares graves, e três morreram. Todos os pacientes tinham níveis “surpreendentemente altos” dos anticorpos que afetam as plaquetas.

Eles também concluíram que os casos se assemelhavam aos provocados pela heparina e chamaram o fenômeno de VITT (sigla para trombocitopenia trombótica imune induzida por vacina, em inglês). “Embora raro, o VITT é um fenômeno novo com efeitos devastadores para jovens adultos saudáveis e requer uma análise de risco-benefício completa”, afirmam os cientistas.

Assim como nas análises feitas pela EMA, os pesquisadores alemães e noruegueses não detectaram nenhuma condição anterior de saúde que pudesse predispor as pessoas à reação rara, o que impede que ela seja prevenida.

Com a divulgação dos acidentes vasculares raros, 11 países europeus já determinaram que o imunizante da AstraZeneca não seja aplicado em pessoas mais novas, mas o limite varia muito. Na Grécia e no Reino Unido, por exemplo, apenas os menores de 30 anos tiveram a injeção vetada. Já na Finlândia, ela só é administrada a partir dos 65 anos de idade.

Em um comunicado, o laboratório afirmou que está “colaborando ativamente com os reguladores para implementar essas mudanças nas informações do produto e já está trabalhando para entender os casos individuais, a epidemiologia e os possíveis mecanismos que poderiam explicar esses eventos extremamente raros”.

A vacina da AstraZeneca também faz parte do programa do governo federal brasileiro e, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), passará a incluir em sua bula uma advertência sobre possíveis casos muito raros de formação de coágulos sanguíneos que podem estar associados a seu uso.

A agência brasileira manteve a recomendação do imunizante sem restrições de idade, “uma vez que, até o momento, os benefícios superam os riscos”. Dentre 4 milhões de doses aplicadas da vacina de Oxford no país, foram registrados até o momento 47 casos suspeitos de eventos adversos tromboembólicos, sendo apenas um associado à trombocitopenia (diminuição do número de plaquetas, que são fragmentos de células que ajudam a coagular o sangue).

Não há comprovação, segundo a Anvisa, de que esses casos tenham relação com o uso da vacina. “Também não foram identificados fatores de risco específicos para a ocorrência do evento adverso”, informa.

ENTENDA O CASO

Por que o regulador europeu faz novas investigações sobre a vacina de Oxford/AstraZeneca?

Porque países relataram a ocorrência de coágulos sanguíneos em pessoas nos quais o imunizante foi aplicado.

Quais foram os problemas relatados?

Os mais preocupantes foram casos raros de coágulos nos vasos que drenam o sangue do cérebro –chamados de CVST– e quadros graves e mais raros de coágulos associados a níveis baixos de plaquetas sanguíneas (elementos no sangue que ajudam a coagular), conhecidos como DIC.

Com que frequência aconteceram esses problemas?

No Reino Unido foram identificados 79 casos de coágulos sanguíneos raros entre mais de 21 milhões de doses da AstraZeneca; 19 vacinados morreram. Isso corresponde a 3,8 casos e 0,9 morte a cada 1 milhão de vacinados.
A EMA recebeu até 22 de março 62 relatos de tromboses venosas no seio cavernoso cerebral (CVST) e 24 casos de trombose venosa esplâncnica (que envolve veias abdominais), dos quais 18 resultaram em morte, considerando um total de 25 milhões de vacinados. Isso corresponde a 3 casos e 0,72 morte por 1 milhão de vacinados.

Houve tromboses raras também em pessoas que receberam outras vacinas?

Sim. Até esta quarta, a EMA registrou 3 casos entre 4,5 milhões de doses administradas da Janssen, 35 casos em 54 milhões de doses da Pfizer/BioNtech e 5 casos em 4 milhões de doses da vacina da Moderna.

Quais as conclusões da análise?

O comitê de segurança concluiu que:

  • os benefícios da vacina no combate à Covid-19 (que por si só resulta em problemas de coagulação e pode ser fatal) superam o risco de efeitos colaterais;
  • acidentes vasculares graves raros são efeitos colaterais possíveis do imunizante
  • não há evidência de um problema relacionado a lotes específicos da vacina ou a locais de fabricação específicos;
  • não foi possível identificar fatores de risco específicos ou explicar como se daria o efeito.

Por que se diz que os casos são raros?

Os episódios relatados até agora aconteceram em proporções menores que os normalmente desencadeados por outros medicamentos, como, por exemplo, a pílula contraceptiva.
Segundo o chefe do Departamento de Farmacovigilância e Epidemiologia da EMA, Peter Arlett, “se foram dados contraceptivos hormonais combinados durante um ano a 10 mil mulheres, haverá uma formação de coágulos sanguíneos em excesso nesse ano”.

Como as conclusões afetam a vacinação?

A EMA recomenda que a vacinação prossiga normalmente, já que os riscos são raros e os benefícios são comprovados. Mas continuará analisando possíveis riscos e fez alertas de cuidado para pacientes e equipes de saúde

Que alertas foram feitos aos pacientes?

Devem procurar assistência médica imediata e mencionar sua imunização recente se tiverem qualquer um destes sintomas após receber a vacina:

  • falta de ar;
  • dor no peito ou estômago;
  • inchaço ou frio em um braço ou perna;
  • dor de cabeça grave ou piorando ou visão turva após a vacinação;
  • sangramento persistente;
  • vários pequenos hematomas, manchas avermelhadas ou arroxeadas ou bolhas de sangue sob a pele.

Quem recebeu a primeira dose da AstraZeneca deve tomar a segunda?

A agência reguladora do Reino Unido recomenda que sim, a não ser que a pessoa tenha experimentado qualquer problema relacionado à circulação venosa. Outros países têm considerado trocar o produto na segunda dose ou aplicar apenas uma dose nos mais velhos.

Mas, afinal, a vacina da AstraZeneca é segura?

Sim, de acordo com os parâmetros de segurança usados pelos reguladores.

Não existe medicamento 100% seguro e efeitos colaterais adversos podem ocorrer em escala diminuta com qualquer produto farmacêutico.

No Brasil, a ocorrência de efeitos adversos graves nos vacinados corresponde a 0,007%, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados em março, considerando ainda as duas vacinas aplicadas, a Coronavac e a Oxford/AstraZeneca.

Que efeitos colaterais têm sido reportados no Brasil?

Dentre 4 milhões de doses aplicadas da vacina de Oxford por aqui, foram registrados até o momento 47 casos suspeitos de eventos adversos tromboembólicos, sendo apenas um associado à trombocitopenia (diminuição do número de plaquetas, que são fragmentos de células que ajudam a coagular o sangue).

Por que os reguladores insistem que os benefícios superam os riscos?

Ensaios clínicos feitos no ano passado mostraram que a vacina da AstraZeneca tinha eficácia de 70% em indivíduos com menos de 55 anos. O imunizante apresentou uma boa resposta imune, inclusive celular, era seguro e induzia resposta imune em todas as faixas etárias.

No mês passado, a farmacêutica divulgou uma nova taxa de eficácia de 76%, a partir de estudos feitos nos EUA, Peru e Chile, com proteção de de 100% nos casos graves e internações.

Os resultados preliminares indicaram uma proteção acima de 80% contra casos sintomáticos da Covid-19 em pessoas com mais de 65 anos –idosos são os mais suscetíveis a complicações sérias e óbitos.

Ao evitar que pessoas adoeçam gravemente e morram, a vacina salva vidas em um número muitas vezes superior às que podem eventualmente ser perdidas se for identificada uma relação direta entre o imunizante e os casos raros de acidente vascular, dizem os reguladores.

Quais países já autorizaram o uso da vacina?

A vacina da Oxford recebeu, em dezembro de 2020, autorização para uso emergencial no Reino Unido e, em janeiro, a Anvisa aprovou o uso do imunizante no Brasil. Alguns dias depois, a agência regulatória europeia também aprovou seu uso emergencial na União Europeia.

A Índia aprovou o uso da Covishield, vacina da AstraZeneca e do Instituto Serum indiano, no início do ano. África do Sul, Canadá, e a própria OMS também aprovaram a vacina da Oxford. A FDA, agência regulatória norte-americana, deve concluir a análise dos dados dos testes e aprovar o uso emergencial do imunizante no país nas próximas semanas.

E como a vacina se comporta contra as novas variantes?

Com os novos estudos reconduzidos pela Oxford/AstraZeneca no Reino Unido e na África do Sul, a vacina se mostrou eficaz contra a variante do Reino Unido (a B.1.1.7), mas, na África do Sul, um ensaio clínico com poucos participantes, a maioria infectado com a variante sul-africana B.1.351, mostrou que a vacina não teve eficácia contra a nova cepa.

Dados ainda preliminares de um estudo feito pela Fiocruz em laboratório com soros de indivíduos vacinados mostram que há potencial da vacina de proteção contra a variante P.1, mas ainda é preciso fazer testes na população.

Qual a relevância da vacina da AstraZeneca para a imunização em todo o mundo?

O produto continua sendo a melhor opção para países de baixa e média renda, por dois motivos principais: seu baixo custo (preço unitário da dose entre US$ 3 e US$ 4, cerca de R$ 17 a R$ 23, bem menos do que o preço de US$ 20 da Pfizer ou US$ 37 da Moderna, ou R$ 112 e R$ 214, respectivamente) e o seu armazenamento a temperaturas de 2? a 8?C, de refrigerador comum.

Já foram aplicados pelo menos 20 milhões de doses da AstraZeneca no Reino Unido e União Europeia, e mais de 27 milhões na Índia da Covishield. No Brasil, o governo federal prevê a entrega de 100,4 milhões de doses da vacina até o final do primeiro semestre e mais 100 milhões até o final do ano.

As informações são da Folhapress

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