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Economia

Vantagens tributárias resistem a promessas de corte e crescem 16%

A avaliação é da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) e aponta para o maior valor desde que o levantamento começou a ser feito, em 2020

FolhaPress

30/01/2022 11h12

Foto: Agência Brasil/Divulgação

FÁBIO PUPO

A União vai gastar neste ano R$ 367 bilhões em vantagens tributárias concedidas a determinados grupos sem contrapartidas comprovadas para a sociedade.

A avaliação é da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) e aponta para o maior valor desde que o levantamento começou a ser feito, em 2020.

O aumento nominal de 16% é observado após movimentos ineficazes de governo e Congresso sobre o tema. As contas incluem tanto benefícios previstos em lei, como subsídios à indústria automobilística, como omissões do poder público na tributação de itens considerados importantes pela entidade, como a taxação do patrimônio dos mais ricos.

No topo da lista do “privilegiômetro”, como chama a entidade, está a isenção para lucros e dividendos que acionistas recebem das empresas –existente há mais de 25 anos. Só esse item vai deixar de inserir nos cofres públicos R$ 58,9 bilhões em 2022.

O governo chegou a inserir a taxação sobre dividendos no projeto que alterava o Imposto de Renda, para bancar o Auxílio Brasil –recebendo apoio até da oposição na Câmara dos Deputados.

Porém, o projeto acabou barrado no Senado após diversas resistências, como a de empresários que viram aumento da carga tributária.

Mauro Silva, presidente da Unafisco, afirma que o receio da classe política de desagradar determinados setores faz com que os números sigam intocados.

“O Executivo não consegue por si só mexer nisso, porque precisa do Legislativo. Isso faz o corte ter uma complexidade política muito grande, similar a uma reforma tributária”, diz Silva.

Ele afirma que o debate precisa ser enfrentado pelos candidatos à Presidência, embora seja cético em relação a reduções no curto prazo.

“Esse assunto vai constar provavelmente nos programas de todos os candidatos, assim como a reforma tributária. Mas, como é algo que divide e incomoda, nenhum deles vai levar isso adiante no primeiro mandato”, afirma Silva.

A lista da entidade coloca em segundo lugar no ranking a não instituição do imposto sobre grandes fortunas –que renderia R$ 57,9 bilhões. A Unafisco argumenta que a Constituição autoriza a criação do tributo, até hoje não editado por lei.

A posição do governo sobre esse e outros itens do “privilegiômetro” diverge da avaliação da Unafisco. Sobre o imposto das grandes fortunas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmam que a medida espantaria os mais ricos do país.

“Alguns querem que eu taxe grandes fortunas no Brasil. É um crime agora ser rico no Brasil. A França, há poucas décadas, fez isso, e o capital foi para a Rússia”, disse o presidente em agosto.

“Vai acontecer em dez minutos o que aconteceu na Venezuela. Os mais afluentes vão embora, estão todos em Miami”, afirmou Guedes em julho.

Apesar das divergências, o ministro prega a redução do valor geral dos gastos tributários desde o começo do governo.

“Será que a classe política já é madura o suficiente para assumir o protagonismo, para assumir o comando do Orçamento da União, votar mais para saúde e educação? Pode ser até mais do que está hoje, mas corta onde? Diminui os subsídios”, disse na posse, em 2019.

Guedes chegou a apresentar propostas legais para reduzir o valor total do gasto tributário, mas as medidas foram barradas, desidratadas ou estão estacionadas –em parte dos casos com respaldo do próprio governo.

O Executivo tem, inclusive, tomado medidas na direção contrária, como ao discutir um novo subsídio para combustíveis.

No primeiro ano de mandato, por exemplo, o Executivo inseriu na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias a previsão de enviar ao Congresso um plano de revisão de benefícios tributários, com previsão de corte anual equivalente a 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) até 2022.

O trecho foi revogado por uma lei posterior aprovada pelos congressistas e sancionada por Bolsonaro.

No ano passado, o governo inseriu na PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial, aprovada em março, uma previsão para reduzir gradualmente os gastos tributários ao longo de dez anos.

No entanto, a versão final, negociada intensamente com o Congresso, acabou proibindo cortes em metade dos benefícios, como o Simples, a Zona Franca de Manaus, a cesta básica e entidades sem fins lucrativos ligadas a partidos.

O texto determinou apenas que o governo envie o plano ao Congresso, deixando margem para que os cortes nem sejam implementados. A emenda promulgada deu seis meses para o Executivo entregar o projeto de lei que propõe os cortes, e o governo usou praticamente todo o prazo para a apresentação.

O governo acabou apresentando um projeto considerado modesto. Para 2022, primeiro ano de vigência, o impacto seria de aproximadamente R$ 15 bilhões, equivalente a 10% dos gastos tributários após a subtração das exceções.

O valor chegaria a R$ 22 bilhões nos anos seguintes por meio da não renovação de alguns benefícios existentes hoje. A proposta aguarda parecer do relator na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.

Guilherme Quintanilha, advogado tributarista e professor convidado da FGV (Fundação Getulio Vargas), defende que os subsídios são necessários diante de deficiências no país que desestimulam o investimento privado.

“Não consigo entender [as medidas elencadas] como um privilégio. Uma indústria iria se instalar em Manaus se não fosse a Zona Franca?”, questiona.

“A Unafisco está considerando como premissa sermos uma Europa. Mas aqui temos problemas seríssimos de infraestrutura, para escoar a produção, com legislações diferentes em cada estado ou município e insegurança jurídica”, diz Quintanilha.

Para ele, o corte dos subsídios precisa ser analisado em uma discussão mais ampla, inclusive para debater os efeitos a serem provocados pelas eventuais mudanças. “O governo sabe que na hora que tirar esses investimentos, vai desestimular. Então você precisa de uma reforma estrutural”, afirma.

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