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Economia

Por que os Bancos Centrais globais têm optado por manter as taxas de juros em ‘ponto morto’

No rol dos países que mantiveram as taxas estáveis em suas últimas reuniões estão os BCs do Brasil, zona do euro, Inglaterra, China, Índia, África do Sul

Redação Jornal de Brasília

06/11/2025 6h03

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Enquanto o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) prossegue com o ciclo de afrouxamento monetário, com corte de 0,25 ponto porcentual em outubro, outros bancos centrais ao redor do mundo mostram cautela e preferem esperar antes de dar o próximo passo. No rol dos países que mantiveram as taxas estáveis em suas últimas reuniões estão os BCs do Brasil, zona do euro, Inglaterra, China, Índia, África do Sul, Indonésia e Coreia do Sul.

Na reunião de quarta-feira, 5, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a Selic em 15% pela terceira vez seguida, e o mercado aposta que o mesmo deve ocorrer em dezembro. O ciclo de reduções, segundo o Projeções Broadcast, tende a começar em janeiro de 2026.

No caso brasileiro, a pausa reflete um ciclo de forte aperto monetário conduzido pelo Banco Central em resposta à desvalorização do real, ao aquecimento da economia e à piora nas expectativas de inflação. Nos últimos meses, porém, o cenário tem mostrado sinais de melhora. O balanço de riscos evoluiu de forma mais favorável, o que pode abrir caminho para o início de um novo ciclo de cortes de juros no primeiro trimestre de 2026.

Já nos Estados Unidos, o ciclo de relaxamento monetário começou com o enfraquecimento do mercado de trabalho. Agora, o recado do presidente do Fed, Jerome Powell, foi de cautela. Ele evitou sinalizar novos cortes de juros em dezembro, mas também não descartou essa possibilidade, reforçando que o ciclo não terminou — apenas segue em ritmo mais moderado. “O que há de comum entre Brasil e EUA é a incerteza acima do usual”, afirma o sócio-fundador da Eytse Estratégia, Sergio Goldenstein.

Ele cita a apreciação do real, a desaceleração dos núcleos de inflação e dos serviços subjacentes, o recuo das expectativas e o arrefecimento da atividade como justificativa para o início do processo de corte dos juros. “Há um espaço grande para o afrouxamento monetário (no Brasil), desde que o governo não atrapalhe via novas medidas fiscais e parafiscais expansionistas”, diz Goldenstein.

Segundo ele, nos EUA, a taxa de juros deve caminhar para um patamar mais neutro no próximo ano, em torno de 3%, não apenas em razão do enfraquecimento do mercado de trabalho, mas também da perspectiva de uma composição mais dovish (mais favorável à queda dos juros) do Fomc.

O economista-chefe do Banco Bmg, Flávio Serrano, observa que, de modo geral, outros bancos centrais vinham de um processo de flexibilização dos juros. “Alguns pararam porque concluíram o processo de ajuste. O Fed ficou um pouco para trás, quando o pessoal já estava cortando, e no Japão a expectativa é de alta. Não dá para colocar o Brasil no mesmo bolo, porque o BC cortou antes de todo mundo, teve de parar e depois voltou a subir.”

Tarifaço de Trump

Além dos riscos inflacionários, os bancos centrais que mantêm suas políticas monetária em “ponto morto” têm citado as incertezas causadas pelas tarifas comerciais impostas pelo presidente dos EUA, Donald Trump.

“O ambiente externo se mantém incerto em função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos”, disse o Copom, logo na abertura do comunicado da reunião de setembro. Segundo o BC, a imposição de tarifas comerciais ao Brasil e a política fiscal doméstica reforçam “a postura de cautela”.

Além disso, as expectativas de inflação seguem desancoradas, com pressões no mercado de trabalho mais resistente, o que exige “uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado”.

O economista Hélcio Takeda, da Pezco, explica que “as políticas tarifárias influenciam tanto a dinâmica dos preços quanto a da atividade econômica, tornando o efeito líquido mais incerto”. Nos Estados Unidos, segundo ele, o aumento do custo de importação — resultado das tarifas e da desvalorização do dólar — tende a pressionar os preços para cima. Por outro lado, Takeda ressalta que “o potencial choque negativo sobre a produção (com a menor oferta de alguns insumos) representaria menor atividade econômica e limitaria o ajuste nos preços no curto prazo”.

“Nos demais países, creio que esse efeito tenderia a ser o inverso. Potencial alívio de curto prazo, em função da sobreoferta de alguns produtos e do efeito do menor crescimento, especialmente dos setores afetados. Mas esse efeito dependeria da capacidade de o país afetado redirecionar as exportações para outros mercados”, afirma o economista da Pezco.

Para Takeda, o ponto em comum entre parte dos bancos centrais em pausa no ciclo de ajuste monetário é a inflação corrente acima da meta. “Dentre os países com meta de inflação de 2%, os EUA (inflação de 3%) e a Noruega (inflação de 3,6%) estão reduzindo as taxas de juros. Já o Reino Unido (3,8%) e a Suécia (3,2%) optaram pela interrupção do ciclo de queda. O BCE é uma rara exceção, com a inflação corrente de 2,1%, pouco acima da meta de 2%, justificando a pausa no ciclo de queda da taxa de juros”, explica. Vale lembrar que o mandato do Federal Reserve contempla, além da inflação, também a estabilidade do emprego.

Takeda diz que, nos países com meta de inflação de 3%, Chile (4,40%) e México (3,76%) “já entregaram parte do ciclo de queda da taxa de juros” e movimentos adicionais dependem de avanço na desinflação na direção da meta. “O Brasil (5,17%) apresenta desvio elevado em relação à meta (está fora do intervalo), o que justifica a atual pausa da taxa Selic em 15%”, avalia o economista.

Flávio Serrano, economista-chefe do Bmg, reconhece que o “nível de incerteza global aumentou”, mas diz que a Selic está parada não pela incerteza com as tarifas, mas porque o BC fez um “baita ajuste” e está esperando para ver o efeito defasado.

Para Sergio Goldenstein, os impactos diretos das tarifas de Trump sobre a inflação no Brasil não são relevantes. “O que importa mais é se o dólar vai continuar a se enfraquecer globalmente. Essa trajetória, que havia sido intensa no 1º semestre, estagnou no 2º semestre, sendo que uma das causas são os problemas políticos e fiscais na Europa”, afirma.

Brics

Goldenstein observa que, embora vários bancos centrais estejam em pausa, os momentos são distintos. “Não chamaria de uma pausa coletiva. Na zona do euro, a taxa de juros caiu de 4% em meados de 2024 para cerca de 2% em 2025, ou seja, levemente abaixo da taxa neutra”, afirma.

Mas o economista admite que, “sem dúvidas”, as incertezas sobre a política comercial de Trump dificultam o trabalho dos bancos centrais. “O Fed enfrenta um cenário mais nebuloso, agravado pelo shutdown (paralisação dos funcionários públicos), mas principalmente devido ao fato de a inflação permanecer elevada. De qualquer forma, a avaliação majoritária é de que os efeitos das tarifas serão temporários”, avalia.

No caso do Copom, o canal de transmissão seria a taxa de câmbio, diz. “Apesar de o cenário externo incerto, o real vem se valorizando de forma significativa no ano, puxado pelo enfraquecimento global do dólar e pelo elevado diferencial de juros.”

Entre os Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, apenas o Banco Central da Rússia segue em ciclo de afrouxamento, enquanto os demais mantêm postura estável diante de incertezas externas. O grupo, que recentemente incorporou Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã, reflete políticas cautelosas e distintas condições domésticas.

Na Índia, o Banco Central (RBI), presidido por Sanjay Malhotra, manteve a taxa básica em 5,5% ao ano na reunião de outubro, citando um ambiente global volátil e desenvolvimentos internos relevantes. Malhotra afirmou que o comitê decidiu manter “postura neutra” e alertou para a falta de clareza sobre a política comercial internacional. O próximo encontro do RBI ocorrerá em 5 de dezembro.

Na China, o Banco Popular (PBoC), comandado por Pan Gongsheng, manteve suas taxas de referência pelo quinto mês consecutivo, com a LPR de 1 ano em 3% e a de 5 anos em 3,5%, diante da desaceleração da economia. O PBoC não divulga comunicado pós-reunião, e o próximo encontro deve ocorrer em dezembro.

Na África do Sul, o Banco Central (Sarb), liderado por Lesetja Kganyago, manteve em setembro a taxa básica em 7% ao ano, em decisão dividida. Segundo Kganyago, o colegiado aguarda os efeitos dos cortes anteriores, enquanto a inflação se aproxima gradualmente da meta de 3%. A próxima reunião está marcada para 20 de novembro.

Já o Banco Central da Rússia, presidido por Elvira Nabiullina, reduziu sua taxa básica em 0,5 ponto porcentual, para 16,50% ao ano, em 24 de outubro, afirmando que a economia “retorna à trajetória de crescimento equilibrado”, embora os preços ainda cresçam acima de 4% ao ano. A nova decisão será anunciada em 19 de dezembro.

Europa

O Banco Central Europeu (BCE), comandado por Christine Lagarde, manteve os juros pelo terceiro encontro consecutivo, com inflação próxima da meta de 2%. Lagarde reconheceu que as projeções seguem incertas e que o BCE permanecerá “em seu bom lugar” enquanto a economia não mostrar sinais claros de estabilização. A próxima decisão será conhecida em 18 de dezembro.

O Banco da Inglaterra (BoE), liderado por Andrew Bailey, também manteve em setembro sua taxa principal em 4%, diante da combinação de inflação persistente e crescimento fraco. Segundo o ING, o BoE ainda tende a cortar juros novamente, mas a Capital Economics projeta que isso só deve ocorrer em fevereiro de 2026, com sinais mais consistentes de desinflação. A próxima reunião está agendada para 7 de novembro.

Ásia e Oceania

No Japão, o Banco Central (BoJ), sob comando de Kazuo Ueda, manteve a taxa básica em 0,5% em outubro, reiterando postura prudente e atenção aos preços. A Oxford Economics prevê alta de 0,25 ponto porcentual na reunião de dezembro, embora veja risco de adiamento para janeiro, dependendo da economia e das políticas da primeira-ministra Sanae Takaichi.

Na Austrália, o Banco Central (RBA), presidido por Michele Bullock, manteve a taxa básica em 3,60% ao ano, em decisão unânime. Em comunicado, Bullock afirmou que a inflação voltou a subir no terceiro trimestre e que “ainda levará tempo” para os efeitos dos cortes anteriores serem sentidos. O próximo encontro do RBA ocorrerá em 3 de dezembro.

Estadão Conteúdo

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