VINICIUS SASSINE
FOLHAPRESS
Uma conferência do clima da ONU, como a COP30, em Belém, é uma profusão de gente, rostos e crachás do mundo inteiro, com um trânsito intenso de pessoas por espaços fechados e corredores com iluminação artificial.
Pela zona azul, que é o espaço central do evento, onde as decisões são negociadas e tomadas, há um fluxo de milhares de pessoas, e é impossível saber o que elas representam e quais interesses defendem, até a divulgação da lista de participantes credenciados para as atividades presenciais.
A lista provisória dos donos dos crachás que circulam pela COP30 foi divulgada pela ONU nesta segunda-feira (10), o primeiro dia de negociações na conferência.
O governo brasileiro manteve em segredo a composição de sua delegação, uma prática comum em COPs anteriores.
Em 20 de outubro, a Folha de S.Paulo pediu ao governo Lula (PT) a lista de todos os selecionados -setor privado, sociedade civil e entes subnacionais (como prefeituras e governos estaduais)- para integrarem a delegação do Brasil na COP30. Esse processo de seleção foi concluído em setembro, para o credenciamento subsequente junto à ONU. O governo se negou a fornecer a lista dos escolhidos.
“O processo de credenciamento dos participantes da chamada pública ainda está em andamento junto à UNFCCC [organismo da ONU sobre mudanças climáticas, responsável pelas COPs] e será concluído somente com a emissão dos crachás oficiais a serem retirados em Belém”, respondeu, na ocasião, a Secretária Extraordinária para a COP30, vinculada à Casa Civil da Presidência.
Os dados divulgados pelo UNFCCC mostram a indicação do Brasil para concessão de crachás a 3.805 pessoas, principalmente integrantes do governo federal, de governos e órgãos públicos locais e representantes do terceiro setor e da sociedade civil organizada, conectados com as questões ambientais e climáticas.
No grupo também estão representantes de organizações e empresas de setores poluentes, ou emissores de gases de efeito estufa em larga escala.
Obtiveram crachás para a COP30 três executivos que atuam no IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis), conforme a lista parcial divulgada pela ONU.
O IBP tem uma programação própria durante a conferência. “O IBP não integra a delegação brasileira. Recebeu uma credencial como entidade brasileira do setor privado, assim como outras entidades”, disse o instituto.
Na lista de credenciados, a partir de indicação do Brasil, estão ainda o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), com três representantes; a CNI (Confederação Nacional da Indústria), com dois; e integrantes de empresas como a Eneva, de gás natural, a BHP Brasil, mineradora, a petroquímica Braskem e a JBS, gigante do setor de carnes e alimentos.
Os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do grupo JBS, estão na lista de convidados do país anfitrião, o Brasil.
A ONU divulgou também a relação de observadores da COP30, que são indicados a partir de organizações diversas, como associações e ONGs.
Entre essas associações está a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), com 11 pessoas credenciadas, oriundas de empresas como Bunge, Cargill, Amaggi e Louis Dreyfus, todas gigantes do agronegócio.
A CNA (Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil) indicou 31 observadores presenciais na COP30. A CNI, 41. A maior parte desses participantes da conferência preferiram não informar as fontes de recursos para a participação no evento. Uma parte não informou se está alinhada aos objetivos da COP30.
Para Renato Morgado, gerente de programas da Transparência Internacional – Brasil, o governo brasileiro deveria ter adotado medidas mais robustas de transparência e integridade relacionadas aos integrantes de sua delegação e à lista de convidados, até por presidir a COP30.
“Essas medidas deveriam incluir a divulgação detalhada de vínculos institucionais e dos processos decisórios que buscam influenciar, além da adoção de mecanismos de gestão de conflitos de interesse e códigos de ética e de conduta”, afirma Morgado.
“A ausência dessas práticas levanta sérias preocupações sobre a influência negativa de membros da delegação nas negociações climáticas, especialmente daqueles ligados aos setores de petróleo e do agronegócio”, completa.